Português: 24/01/20

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Fernando Pessoa: o fingimento poético / artístico

O fingimento artístico:

. Fingimento artístico ≠ sinceridade humana.

. Intelectualização das emoções e das sensações experienciadas.

. A imaginação sobrepõe-se ao coração.

. Recusa da espontaneidade e emotividade literárias: a poesia é um produto intelectual.

 . Fernando Pessoa nega a ideia romântica do poema como um confessor, filtrando tudo pela inteligência, sendo o texto fruto da imaginação.

. Nos poemas “Autopsicografia” e “Isto”, Fernando Pessoa apresenta a sua visão sobre o processo de criação poética/artística, ou seja, sobre como se escreve um texto lírico / poesia.

. Nesses poemas, o sujeito poético defende que o poeta não visa representar diretamente os seus sentimentos e as suas experiências interiores tal qual os viveu. Pessoa afirma que o poeta parte das emoções que experienciou (“a dor que deveras sente”) e representa-as poeticamente, através de palavras, transformando essas emoções em arte, ao compor o poema.

. Assim, a escrita poética resulta de um processo de racionalização dos sentimentos e da imaginação artística (trabalho poético) para escrever o poema: as emoções e os sentimentos, mesmo os verdadeiros, são fingidos, ou seja, são artisticamente trabalhados. Através do fingimento artístico, o poeta transforma as suas emoções e experiências em matéria poética.

. Fernando Pessoa chama a esse processo fingimento artístico: “O poeta é um fingidor”, escreve ele em “Autopsicografia”. Porém, o fingimento, aqui, não significa falta de autenticidade ou de sinceridade (isto é, o poeta não mente); ele distancia-se dos seus sentimentos para os poder representar esteticamente, através das palavras. Assim, o texto é produto da imaginação. Note-se que a noção de fingimento poético se relaciona com a de heterónimo.

. Pessoa chega a afirmar que a sensibilidade é inimiga do poeta. Em textos em prosa, estabelece a distinção entre dois tipos de poesia: a que é explicada em “Autopsicografia”, em que o poeta é crítico, reflexivo e trabalha cuidadosamente a palavra e a forma no processo de criação; e, por outro lado, a poesia em que o poeta se diz “sincero” e espontâneo ao escrever uma composição poética.

. Quanto ao leitor, cujo papel na interpretação da poesia é estabelecido na segunda estrofe de “Autopsicografia”, a dor que ele não tem são os sentimentos que experiencia na interpretação do poema e que não é a sua – não viveu essas emoções, elas desencadeiam-se na leitura do poema.

. De acordo com esse poema, podemos esquematizar da seguinte forma o conceito pessoano de criação e de interpretação poéticas:



. O poeta escreve uma emoção fingida, pensada, fruto da razão e da imaginação; não escreve a emoção sentida pelo coração, porque ela chega ao poema transfigurada, trabalhada poeticamente; não há espontaneidade no processo de criação artística. Com efeito, o poeta recusa a espontaneidade e emotividade literárias: a poesia é um produto intelectual.

. Por sua vez, o leitor não sente nem a emoção vivida pelo poeta, nem a emoção imaginada por este no poema; sente a que nele é suscitada pela leitura do texto.

. Em síntese:

▪ a arte nasce da realidade, mas consiste no fingimento dessa realidade, o que significa que não há arte/poesia sem imaginação;

▪ a intelectualização (o fingimento) das emoções é concretizada no texto;

▪ o leitor não tem acesso à emoção real nem à emoção fingida pelo poeta; ele apenas sente o que o poema / o objeto artístico lhe desperta e que corresponde à sua interpretação do texto.

 
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