Português: 08/02/24

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Análise da cena 1 do ato I de Hamlet


    A peça Hamlet foi escrita por volta de 1600, na fase final do reinado da rainha Isabel I, que governou a Inglaterra durante mais de quarenta anos e estava, então, a caminho dos sessenta anos. Neste contexto, facilmente se percebe que as questões em torno da morte da monarca e da sua sucessão eram assuntos candentes e objeto de grande discussão, visto que Isabel não tinha filhos e a única figura que, legitimamente, tinha pretensões ao trono era Jaime da Escócia, filho de Maria, rainha dos escoceses e, assim sendo, representante de uma fação política contrária à da monarca inglesa. De facto, quando Isabel faleceu, em 1603, James herdou o trono, tornando-se Jaime I.

    Não será coincidência que várias peças de William Shakespeare desta época aludam a transferências de poder entre reis. Essas obras centram-se particularmente nas incertezas, traições e convulsões que acompanham esses tempos e essas mudanças de poder e no ambiente geral, caracterizado pela ansiedade e pelo receio do que esteja para vir. Ora, a situação que encontramos no início de Hamlet é a de um rei forte e muito amado, recentemente falecido, cujo trono foi herdado não pelo seu filho, como seria natural e expectável, mas pelo seu irmão. O povo, ainda de luto pelo bem-amado velho monarca, não sabe o que o futuro lhe reserva, ambiente que é espelhado pelos guardas do castelo, que se encontram desconfiados e com medo.

    Esta abertura da peça com uma cena intrigante atrai inevitavelmente o público para a sua ação, muito próxima da que vivia a Inglaterra na realidade: um rei recentemente falecido (a hora da morte de Isabel I aproximava-se) aparece sob a forma de um fantasma; há tensões militares no ar e a Dinamarca vive um clima de agitação geral, fruto do passamento do monarca e da tensão com a Noruega. Esse aparecimento parece implicar que o futuro da Dinamarca é sombrio e assustador. É isso que Horácio lê no aparecimento do espírito do velho monarca: um mau presságio de violência e turbulência, associando-o aos presságios que indiciaram o assassinato de Júlio César. Como se verão no desenvolvimento da peça, Horácio tem razão: o surgimento do fantasma pressagia as tragédias que terão lugar futuramente.

    Esta cena inicial serve também para apresentar uma das personagens centrais da obra, Horácio, um homem bem-humorado e educado, inteligente e cético relativamente a eventos sobrenaturais. Porém, esta personagem não é um racionalista cego e inflexível e, quando vê o fantasma, não nega o que vê; pelo contrário, fica aterrorizado. Esta sua reação ao aparecimento do fantasma permite que a descrença do público face a estes fenómenos seja superada. Com efeito, o facto de um homem racional, cético, inteligente e confiável como Horácio acreditar e temer o fantasma é muito mais convincente para o público do que o testemunho de um par de vigias supersticiosos.

Resumo da cena 1 do ato I de Hamlet

    Numa noite escura de inverno, no castelo de Elsinore, na Dinamarca, Bernardo apresta-se para substituir Francisco na tarefa de vigia. Na penumbra, os dois homens não se conseguem ver, por isso Bernardo, ao ouvir passos próximos de si, grita: “Quem está aí?” Ao ouvir a voz do colega, relaxa. Com frio e cansado pelas muitas horas de vigia, Francisco agradece a Bernardo e dirige-se para casa, para dormir.

    Pouco depois, chegam outro soldado, Marcelo, e um nobre chamado Horácio, amigo do príncipe Hamlet. Os dois vigias discutem acaloradamente a aparição, nas últimas duas noites, de um fantasma durante a sua vigília nas muralhas, que lembra o falecido rei Hamlet, pai do príncipe homónimo. Horácio mostra-se cético e desconfia do relato, crendo que tudo não passa de imaginação dos guardas, porém de repente o espírito surge subitamente diante dos três homens, vestido com as roupas e a armadura do falecido monarca. A pedido dos outros homens, Horácio pede ao fantasma que fale, no entanto este recusa e desaparece.

    Horácio fica aterrorizado e sugere que a aparição do espírito, que envergava a mesma armadura que usava quando lutou contra o velho Fortinbras, rei norueguês, conquistando-lhe terras que, anteriormente, pertenciam à Noruega, significa algo terrível para a Dinamarca. Horácio acrescenta que Fortinbras, neste caso o jovem príncipe norueguês, deseja agora reconquistar essas terras anteriormente perdidas.

    No final da cena, o fantasma faz nova aparição e Horácio tenta falar com ele, mas desaparece mais uma vez no momento em que o galo canta aos primeiros sinais do amanhecer. Horácio sugere que contem ao jovem príncipe Hamlet o que viram, pois acredita que, embora o espírito não tenha falado consigo, se for realmente o fantasma do rei Hamlet, não se recusará a falar com o filho.

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