Português: Manuel da Fonseca
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domingo, 11 de abril de 2021

Caracterização dos Vendedores de telefonias

 
▪ Os vendedores de telefonias são jovens, ativos, diligentes e sagazes. A sua paragem na aldeia fica a dever-se a supostos problemas mecânicos no seu carro: este está a precisar de água.

▪ Um deles apresenta-se “bem vestido”, é elegante, de modos agradáveis, sorridente e afável no trato. Ao reparar que a casa do Batola tem energia elétrica (é a única na aldeia), vê, de imediato, uma possibilidade de fazer negócio.

▪ Mostra também ser observador e atento, seguro de si, convincente, hábil e calculista, características que se adequam a um bom negociante, como o mostram as estratégias que usa para vender a telefonia ao Batola: apresenta o aparelho, experimenta-o na presença do potencial cliente e enumera as suas qualidades.

▪ Por isso, convence facilmente o Batola a adquirir o objeto, usando diversas estratégias de persuasão, como as seguintes expressões permitem deduzir: “poisa a mão sobre o ombro de Batola”, “Sem dar qualquer tempo de resposta, ordena…”, “Mostra os papéis, gesticula e sorri, sorri sempre”. Perante a reação negativa da mulher do vendeiro, adota habilmente uma atitude conciliatória, dirigindo-se-lhe de modo mais formal, até porque percebe que é ela quem decide, propondo que a telefonia fique à experiência durante um mês. Se depois não o quisessem, poderiam devolvê-lo e ele restituiria as letras que o Batola havia assinado como forma de pagamento. Além disso, durante esse mês iriam usufruir do aparelho sem pagar nada.

▪ Note-se que toda a atividade de vendedor por parte do sujeito «bem vestido» assenta no engano. De facto, por um lado, alude a um pretenso problema mecânico para justificar a paragem na aldeia e, por outro, aceita deixar o aparelho à experiência durante um mês (ao constatar a oposição férrea da mulher do Batola), mas leva consigo as letras assinadas pelo vendeiro.

 

Caracterização do Rata

 
▪ Uma das personagens que se destaca do coletivo é o Rata (que é evocado, saudosamente, por Batola), uma figura que vivia na miséria.

▪ Era amigo de Batola, mas contrastava com ele: aquele vive conformado e apático; este saía frequentemente da aldeia e percorria o Alentejo, embora o máximo onde tenha chegado tenha sido Beja. De facto, a personagem vivia de esmolas que ia recebendo em várias terras.

▪ Rata é um mendigo e viajante, uma espécie de mensageiro que traz novidades do que se passa para além dos limites da aldeia. “Ao escutá-la durante «tardes inteiras» de forma entusiasmada, também Batola parecia viajar por «todo aquele mundo». Esta hipérbole (o mais longe que Rata viajara fora até Beja) elucida o impressionante isolamento dos habitantes de Alcaria. Quando ficou impossibilitado de viajar «pelos longes», Rata suicidou-se.” (Violante Magalhães, in Conto Português [séculos XIX-XX]: Antologia Crítica). Este suicídio agudiza a solidão do Batola.

▪ Constituía um agente de mudança, pois trazia o mundo exterior até à aldeia, graças às suas saídas, combatendo o isolamento de Alcaria e dos seus habitantes.

▪ Quando a miséria e a doença o forçam a uma existência estagnada e repleta de privações, suicida-se. De facto, o reumatismo tinha-o tornado incapaz de sair da aldeia. Quando se viu preso e impedido de viajar, o Rata mata-se por não se conformar com o isolamento e a solidão a que se viu remetido pela doença incapacitante.

 

Caracterização dos habitantes de Alcaria

 
▪ Esta personagem – coletiva – é constituída pelos habitantes da aldeia, que trabalham na ceifa de manhã à noite e, quando regressam da faina, exaustos, não vão “à venda palestrar um bocado”. As suas vidas são, de facto, marcadas pelo trabalho árduo e extenuante e pela miséria, que não conseguem superar: são pobres, tal como o local onde habitam, e vivem isolados do resto do país e do mundo.

▪ Os homens de Alcaria são apresentados como «figurinhas» (de presépio?) que vivem em casas «tresmalhadas». Atendendo a esta caracterização das casas (continente), os homens que as habitantes (conteúdo) são aparentados com gado. […] eles são «o rebanho que se levanta com o dia, lavra, cava a terra, ceifa e recolhe vergado pelo cansaço e pela noite. Mais nada que o abandono e a solidão». A tudo isto acresce a falta de esperança numa vida melhor. Batola não enfrenta aquele tipo de problemas. Pelo contrário, ele dá-se ao luxo de preguiçar, bebe «o melhor vinho que há na venda», carrega um fio de ouro no colete. Todavia, consciente da vida difícil dos demais aldeãos, ele é solidário. E partilha a condição animalesca dos conterrâneos: […] «rumina» a revolta; os suspiros saem-lhe «como um uivo de animal solitário».” (Violante Magalhães, in Conto Português…].

 

Relação entre Batola e a mulher

 
▪ A relação entre o casal é conflituosa, desde logo porque Batola se sente inferiorizado em relação à esposa. Assim, aquela é marcada pela ausência de sentimentos, pela frieza, pelo silêncio e pelo ressentimento, ocasionalmente pela violência física, dado que ele a agride fisicamente.

▪ A relação que mantêm gera raiva e revolta nas duas personagens. Vivem juntos, mas mal se falam, e o silêncio domina a sua convivência diária, o que gera um estado permanente de tensão, raiva e revolta, o que desemboca na violência ocasional.

▪ A mulher é dominadora, enérgica, autoritária quando tem de tomar decisões; ele é passivo, indolente e torna-se violento quando alcoolizado.

▪ Após a compra da telefonia, a situação muda: o Batola corda cedo e assume a gestão da venda, que antes cabia à mulher, que fica em casa e raramente marca presença no espaço comercial. A própria atitude da esposa relativamente ao marido é bastante diferente: o seu autoritarismo desaparece e, agora, surge «com um ar submisso» e humilde, como o evidencia o modo como lhe pede, humilde, quase sob a forma de murmúrio, que conservem o aparelho radiofónico.

 

Caracterização da mulher do Batola

 
▪ Fisicamente, é muito alta, séria (“grave”) e tem o rosto ossudo e os olhos negros.

▪ Psicologicamente, é uma mulher ativa, dinâmica, diligente e determinada, mas também autoritária e prepotente. De facto, é ela quem gere a casa e o negócio do casal: “abre a venda”, avia os fregueses, “põe e dispõe”.

▪ É ela quem detém, pois, o poder e revela-se “silenciosa e distante” relativamente ao marido, ao contrário de quem toma decisões com lucidez. A vida dura e rotineira que tem não a inibe nem impede de seguir um rumo.

▪ A aquisição da telefonia vai provocar uma alteração na personagem: perde o seu ar autoritário e prepotente e mostra-se submissa, “com uma quase expressão de ternura”, pedindo ao marido para ficar com a telefonia. De facto, se, no início, se distancia para não compartilhar da alegria e do entusiasmo do marido e do povo da aldeia, acaba, no final, por se render ao aparelho e às mudanças que este trouxe, provavelmente porque ganhou gosto pela nova vida que ele lhe aportou. Também ela sentia, como os demais, a necessidade de uma companhia (“Sempre é uma companhia”), de romper a solidão e o isolamento em que vivia.

▪ A sua recusa inicial justifica-se pelo facto de, para si, a rádio não possuir qualquer utilidade, constituindo apenas um luxo e, consequentemente, um desperdício de dinheiro; por outro lado, a compra da telefonia não é uma decisão sua, o que constitui outro motivo para se lhe opor.

▪ Não possui nome próprio no conto, o que pode significar que mais importante do que a sua identidade é o papel que desempenha na ação.

 

Caracterização do Batola

 
▪ António Barrasquinho, conhecido pela alcunha de «o Batola», é, fisicamente, um homem baixo, “atarracado”, de “pernas arqueadas”, com a “cara redonda amarfanhada”, veste-se de forma tipicamente alentejana: “chapeirão caído para a nuca” e “lenço vermelho amarrado ao pescoço”.

▪ Psicologicamente, no início do conto, apresenta-se como um indivíduo desmotivado, passivo, entediado, preguiçoso, desinteressado e deprimido, traços sintetizados na expressão “[…] a vida do Batola é uma sonolência pegada”.

▪ Por outro lado, é agressivo, violento, pouco polido e fraco, como o demonstra o facto de se entregar ao vício da bebida, de agredir a mulher e não conseguir superar a situação em que se encontra, o que gera frustração.

▪ Face à vida que tem, sentindo-se só (solidão essa que radica na ausência de convívio com os habitantes da aldeia) e desesperado, evade-se através do álcool (passa os dias “a beber de manhã à noite”) e da ausência (“para ali fica com um olhar mortiço”).

▪ O comportamento e a relação com a mulher suscitam-lhe revolta, a entrega à bebida e, frequentemente, a agressão / violência física: “Era o Batola, bêbedo, a espancar a mulher”. De facto, a relação do casal é marcada pela agressividade e pela violência.

▪ A venda proporciona ao casal uma vida económica desafogada, comparativamente ao resto da comunidade, o que, todavia, não impede que se sinta só, frustrado e vazio interiormente.

▪ Depois da aquisição da telefonia, o Batola sofre uma mudança de comportamento. Assim, torna-se um indivíduo trabalhador, conversador e interessado no que se passa no mundo, adquirindo gosto pela vida. O convívio com as outras pessoas, que passam a vir à venda para ouvir rádio, quebra a sua monotonia, tristeza e solidão, e a sua existência passa a ser preenchida com a música e a informação que lhe chegam via aparelho.

 

Ação do conto "Sempre é uma companhia"

 1. Estrutura
 
1.ª parte (do início até “[…] lá se vai deitar o Batola, derrotado por mais um dia.”): o narrador apresenta as personagens principais, a sua relação (caracterizada pela incomunicabilidade e violência física) e o ambiente do isolamento e da solidão em que viviam.
 
2.ª parte (de “De facto, na tarde seguinte…” até “Foi de esticão.”): o narrador relata a forma como dois vendedores convencem o Batola a comprar uma telefonia.
 
3.ª parte (de “De facto, era sol-posto, pelos atalhos…” até ao final do conto): o narrador narra a mudança de vida dos protagonistas e de toda a população da aldeia, graças à aquisição da telefonia.
 
 
2. Delimitação: a ação é aberta.
 
 
3. Importância das peripécias inicial e final
 
▪ O comportamento das personagens e a relação existente entre elas muda ao longo do conto.
 
▪ Essa mudança é originada pela aquisição de uma telefonia pelo Batola. O objeto, com efeito, atenua a solidão, o isolamento e o tédio das pessoas, bem como a relação de agressividade e violência existente entre o casal protagonista.
 
▪ A telefonia transmite música e notícias. Aquela traz alegria às pessoas, mais convívio, e corta o vazio, a solidão e a tristeza das suas noites. Por seu turno, as notícias permitem que a aldeia contacte com o país e o mundo, quebrando o isolamento em que a população vivia.
 
▪ Na peripécia inicial, encontramos um Batola frequentemente bêbedo e depressivo, que acumula dentro de si o ressentimento, a raiva e a revolta contra a prepotência e o autoritarismo da mulher e a espancar periodicamente. Exemplo disto é o episódio em que uma criança vai à venda comprar café e Batola se demora para não ter de o atender, esperando que seja a mulher a fazê-lo.
 
▪ Porém, na peripécia final, a situação altera-se e o conto termina com a mulher pedindo-lhe com delicadeza e alguma ternura que compre a telefonia, o que comprova a mudança do comportamento e da relação destas personagens, até porque antes tinha ameaçado sair de casa se o marido a adquirisse. Assim sendo, é possível deduzir que o casal se aproximou e que ressurgiram os afetos entre ambos.
 
▪ A telefonia transmite música e notícias. Aquela traz alegria às pessoas, mais convívio, e corta o vazio, a solidão e a tristeza das suas noites. Por seu turno, as notícias permitem que a aldeia contacte com o país e o mundo, quebrando o isolamento em que a população vivia.
 
▪ Esta mudança tem consequências na vida dos habitantes da aldeia, pois continuarão a poder juntar-se e conviver, à noite, na venda, ao som da música e das notícias do exterior.
 

domingo, 4 de abril de 2021

Resumo do conto "Sempre é uma companhia"

             O conto situa-se na época da II Guerra Mundial e narra-nos a história de um casal que possui uma venda numa aldeia alentejana e cujo quotidiano é caracterizado pela solidão, pelo isolamento do mundo, pela monotonia e tédio e pela agressividade entre os membros desse casal.

            Este panorama é alterado com a chegada de dois vendedores de telefonias, que convencem o Batola, a personagem principal, a comprar um aparelho. Perante a oposição da mulher, um dos vendedores propõe uma compra à condição: a telefonia ficará à experiência durante um mês. Passado esse tempo, se não a quiserem, poderão devolvê-la e receber de volta as “letras”.

            A aquisição do aparelho provoca uma mudança enorme na povoação e na vida dos seus habitantes: os ceifeiros dirigem-se todos à venda do casal para ouvir as notícias da guerra, saem de lá “alta noite” e a discutir o que ouviram “numa grande animação”. As mulheres deslocam-se igualmente para a venda após a ceia, para ouvir as melodias e até (as velhas” dançar ao som da telefonia. Os aldeãos sentem-se, assim, agora, mais próximos do mundo, por consequência menos isolados e solitários.

            Esta mudança acaba por se estender à própria mulher do Batola, que abandona a sua prepotência e o seu autoritarismo e se mostra submissa, pedindo ao marido para ficarem com a telefonia, visto que “é uma companhia” naquele deserto.

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