Português: 04/09/22

domingo, 4 de setembro de 2022

Análise do poema "Profissão de fé", de Olavo Bilac


     Este poema é, no fundo, a «ars poetica» do Parnasianismo, cuja ideia básica de burilar a forma se encontra presente logo na epígrafe. É uma poesia racional, porque não é uma poesia inspirada, uma poesia que brota da alma. Fala-se em racionalização e trabalho intelectual.

    As imagens que aparecem estão ligadas ao divino pagão ou ao campo semântico do trabalhar o mármore ou o ouro. Predominam as imagens do campo semântico do artesanato, da arte escultória. As próprias divindades estão presentes, não como entidades, mas como esculturas. Chega a estabelecer-se uma oposição entre o trabalho épico e o trabalho do ourives, que ele inveja.

    Com efeito, Olavo Bilac era um poeta parnasiano, tão dotado que foi apelidado pelos seus contemporâneos e pelos críticos de «O príncipe dos poetas brasileiros». O título do poema relaciona-se com o facto de o texto apresentar o crédito estético do poeta. A expressão «profissão de fé» é de origem religiosa e é usada sempre que a Igreja católica recebe um novo membro no seu seio, constituindo ainda hoje um dos passos da chamada catequese, em cuja cerimónia o padre questiona esse novo membro se aceita Jesus Cristo como seu único senhor e salvador. Quando aceita, a pessoa faz, assim, a sua profissão de fé pública.

    Qual é a relação deste culto religioso com a escrita, com a poesia? Um poeta, quando apresenta o seu crédito estético, comunica ao seu leitor tudo aquilo em que acredita como essencial à sua atividade poética. No caso concreto do poema de Olavo Bilac, a profissão de fé estabelece um paralelismo entre o ateliê de um escultor, a oficina de um ourives e o escritório de um poeta, estabelecendo, assim, uma analogia entre três profissões. Porém, antes de levar o leitor a visitar a sua oficina de escritor, ocupa-se com a descrição da oficina das outras duas atividades. 

    Por outro lado, um dos temas abordados ao longo da composição poética é a língua portuguesa, que o poeta trata como uma deusa. Assim, ao referir-se-lhe, trata-a como alguém que a celebra diante de um altar, o que significa que o poema contém vários referências religiosas, exemplificadas pelas ideias de altar, de fé, de crença, de divindade, de celebração, etc. Neste sentido, o título é outro elemento de religiosidade.

    Enquanto parnasiano, Olavo Bilac introduz no poema elementos clássicos, entre os quais se destaca a mitologia, como atrás foi referido, ou determinado vocabulário, ou a inversão da ordem natural das palavras na frase (hipérbato ou anástrofe: «que outro a pedra corte», em vez de «que outro corte a pedra»).

    Mas qual é a ideia central do tal credo estético do poeta? Simplesmente, a escrita é trabalho, é esforço. Sem isto, não há escrita que tenha qualidade. Para demonstrar a sua «tese», o poeta vai comparar as ferramentas do escultor (o martelo, o camartelo, uma ferramenta mais pesada, pois destina-se a cortar o mármore) e do ourives (o cinzel, uma ferramenta mais delicada, vista que se destina a trabalhar pedras preciosas) à pena do escritor. Assim, ele recusa o material pesado, a construção grandiosa, monumental do ponto de vista física, preferindo aproximar a técnica do escritor aos elementos estéticos do ourives. É por isso que ele compara, de um lado, a oficina do escultor e, do outro, a oficina do ourives. Deste modo, procura mostrar que o material e as ferramentas são diferentes consoante a profissão que se exerce e o trabalho que tem de se executar.

    Além do trabalho em pormenor, que irá levar Gonçalves Crespo a chamar ao seu livro Miniaturas, Bilac quer ainda pedras raras e pequenas, como o cristal ou o ónix. É um escultório minucioso, daí que compare a pena do escritor ao cinzel do escultor. Ele imagina que a escrita é uma forma para vestir a ideia. É a velha oposição forma/conteúdo, com predomínio da primeira. É, de facto, um grande trabalho artesanal tentar colocar as ideias dentro dos limites do soneto. São várias as palavras ligadas ao campo da escultura: «pedra», «mármore», «cinzel», «ónix», «cristal», «prata», «lima, torce, aprimora, alteia», «ouro», «rubi». É esse fino trato, a elegância da delicadeza estética que o «eu» poético pretende aproximar à poesia. Mais: ele deseja sustentar-se no zelo, no tecnicismo, na minúcia do ourives para criar poesia.

    O «eu» poético começa o poema rejeitando a eloquência da arte clássica, os temas, os materiais, nomeadamente da grega. Que outro opte por isso e trabalhe dessa forma, com esse material, adote esse tipo de estética. Ele não. De seguida, afirma sentir inveja do ourives quando escreve, isto é, a sua técnica, que deseja para si e para a sua escrita, e declara que o imita. Abandona o mundo do Classicismo e abraça o que é característico da ourivesaria. É neste ponto que entra a comparação entre a pena, o seu instrumento de trabalho, e o cinzel do ourives: enquanto escritor, ele irá usá-la como o este último usa o cinzel. E desenvolve-a da seguinte forma: a pena corre, desenha, enfeita a imagem (metáfora), veste a ideia (outra metáfora), escreve com tinta azul ("Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem / Azul-celeste"), torce (como o ourives torce o metal, isto é, dá a forma à joia, como a pena dá a forma às letras). Ao terminar ("e enfim"), no «verso de ouro» (o último verso de um soneto clássico), engasta, ou seja, dá o acabamento, cuidando da rima como se se tratasse de um rubi (nova comparação). Isto também significa que a escrita exige a escolha da palavra precisa, a preocupação com a construção das frases/dos versos, com o seu polimento, para que o poema se torne um objeto preciso, semelhante a uma joia rara.

    Por outro lado, a preocupação primeira do poeta (parnasiano neste caso) prende-se com a produção de um poesia formalmente perfeita, isto é, dotada de uma linguagem elaborada, rima apropriada, sintaxe tradicional. Assim sendo, a sua preocupação central parece recair no estilo e não na profundidade das ideias e nas emoções e sentimentos. Ora, neste ponto, Bilac está a seguir um dos princípios do Parnasianismo: o da arte pela arte, ou seja, o culto da forma.

    O seu objetivo, a sua finalidade é que a poesia saia da sua oficina, onde a trabalha, sem um defeito, ou seja, perfeita, graças ao seu trabalho aturado, perseverante e minucioso ("E que o lavor do verso", o que requer tempo ("E horas sem conto passo, mudo"). O sujeito lírico dedica ao seu ofício o tempo que for necessário, por isso é que afirma que «não conta» as horas que gasta, totalmente concentrado no que está a fazer ("A trabalhar, longe de tudo / O pensamento"). Porque é que isto acontece? De acordo com o poema, a escrita, dentre todos os ofícios, é o que exige mais perícia e dedicação ("Porque o escrever - tanta perícia, / Tanta requer, / Que ofício tal... nem há notícia / De outro qualquer").

    Na estrofe 13, o «eu» associa a escrita e a poesia a uma divindade ("Por te servir, Deusa serena") e, nas seguintes, denuncia aqueles que escrevem e poetizam mal ("Blasfemo em grita surda e horrendo T Ímpeto, o bando / Venha dos bárbaros crescendo, / Vociferando...") e roga à Deusa, à Musa, que ignore esse «bando» ("Deixa-o"). Todo aquele que não se dedica ao cultivo da língua de forma aprimorada é apelidado de «infiel». Pode morrer tudo o que rodeia e é importante para o sujeito lírico, mas, desde que fique com a sua língua, sente-se feliz, mesmo que fique só e desamparado.

Análise do poema "Descrição da Vila do Recife"


     Este poema reflete sobre a sociedade de Pernambuco. O poeta fora deportado para Moçambique, mas agora regressa e vai viver para o Recife.
    A imagem da cidade que nos é mostrada é diferente da que nos é dada por Bento Teixeira, embora este já tenha criticado o elemento indígena (a língua dos índios), mas Gregório de Matos fala da sociedade propriamente dita.
    Além disso, o «eu» poético refere a invasão neerlandesa (Mauricestaad), que ocorreu entre 1624 e 1636. Apresenta uma visão portuguesa das «coisas», por exemplo quando chama ao neerlandês «ímpio», visto que professa outra fé, e «tirano», porque está a roubar o Brasil aos Portugueses.
    Outro aspeto tratado na composição é o aspeto da cidade e da população, que come pouco. Dentre a população, foca as mulheres e, a propósito, refere-se à prostituição. Por outro lado, critica o clero, porque são os padres que usam as mulheres e vivem de aparências. É curioso que Gil Vicente, o dramaturgo lusitano, aborda igualmente na sua obra estes aspetos relativos à sociedade portuguesa do século XVI.
    Em síntese, podemos afirmar que Gregório de Matos critica a sociedade da sua época em formação, fruto da Expansão.

Análise do poema "Ao padre Lourenço Ribeiro, homem pardo que foi vigário da freguesia de Passé"


     Este poema mostra bem a má vontade de Gregório de Matos para com os mulatos. O padre Lourenço era um mestiço que teve a ousadia de desdenhar publicamente de versos do próprio Gregório, que lhe responde nesta sátira.

        1. Mostra que a sociedade baiana é uma sociedade totalmente ocupada por mulatos, sem haver quase lugar para os brancos. Chega a usar expressões baixas para satirizar a sociedade baiana como «canaz», isto é, «cão grande».
    Ao gosto barroco, usa o sistema de oposições branco/mulato, coitado/atrevido, encolhido/ousado, etc. Termina com uma síntese. Este é o esquema seguido nas estrofes seguintes.

        2. Temos o mesmo esquema do anterior.
    Outra vertente crítica de Gregório dirige-se contra o clero: além de ser mulato, é padre. O nível de linguagem usado continua a ser de baixo calibre.

        3. Lembra a ascendência mestiça do padre: se da parte do pai poderia parecer branco, a mãe é claramente negra. O que importa a aparência, se o que está por baixo é negro? Mas ele é aceite, porque no Brasil a mestiçagem é bem aceite.
    Na primeira estrofe, generalizou; na segunda, começou a especificar e, na terceira, descreveu as origens do padre.

        4. Fala da família do padre e da sua atividade religiosa. Denigre o público que ouve o padre, dizendo que são negros e da sua família.

        5. Fala da ignorância do padre: nada sabe das Escrituras e o seu sermão é muito monótono.

        6. O cão é o símbolo maior de uma ordem de pregações, mas ele nunca faz sermões. O facto de ser padre resultou de um favor do Senhor, graças aos serviços da mãe.

        7/8. Fala não propriamente das prédicas do padre, mas sim da não vocação poética dele, que gostava de fazer veros.

        9. Apesar de tudo, haverá sempre alguém que defenda o mulato.

        10. Aqui fala da aparência do padre.
    Esta sátira é dirigida especificamente a uma pessoa, mas generalizando.

Análise do poema "Ao mesmo assunto"


     Este poema retrata alguém que, sendo descendente de índios, ostenta uma aparência de oriental, pela semelhança entre ambos. Como não consegue esconder a sua origem, quer radicá-lo no oriente - mascaramento da origem. Porém, a personagem é mais baiana do que oriental, apesar de ter um avô nascido «lá».
    Não obstante não se dizer claramente, pensa-se que o poema é dirigido a alguém da terra, provavelmente mestiço, que costuma criticar os portugueses.
    Gregório de Matos tem uma visão europeia do índio e do mestiço e, por isso, a sua poesia não é totalmente brasileira, embora se debruce em aspetos típicos do Brasil.

A escola do século XIX em imagens - VIII


John Frederick Lewis, Escola árabe (c. 1850)

    Embora a arte europeia tenda a representar sobretudo, como é natural e expectável, o mundo dos europeus, não faltam, a partir do Renascimento e da expansão europeia, exemplos de pinturas e outras obras artísticas que refletem a descoberta e o contacto com outros continentes, civilizações e culturas. Trata-se de um olhar, de início curioso e ocasional, que se vai tornando mais atento e sistemático à medida que as principais potências do Velho Continente constroem ou consolidam, no século XIX, os seus impérios coloniais.

    John F. Lewis, um inglês que viveu a sua infância no Cairo, registou, nesta pintura a guache e aguarela, o ambiente de uma típica maktab, a escola muçulmana que correspondia sensivelmente ao que hoje designamos por ensino básico. Os rapazes que desejassem prosseguir os seus estudos ingressariam depois numa madrassa. Umas e outras são escolas religiosas, sublinhando a ligação umbilical, também patente no mundo ocidental, entre a escola e a religião. Só que, enquanto na Europa a laicização progressiva da sociedade foi abrindo espaço à separação entre a escola pública, destinada a formar cidadãos, e as escolas da Igreja, vocacionadas para a formação do clero, no mundo muçulmano essa distinção entre religião e laicidade tem-se mostrado mais difícil e custosa.

    A pintura, de contornos difusos, mas onde não falta expressividade, foca-se nas figuras do professor, já idoso – a idade avançada é, neste contexto, um símbolo de sabedoria -, e de um dos seus alunos, que se prepara para recitar a lição. O apelo à memória, hoje tão criticado, era um elemento essencial dos sistemas de ensino mais tradicionalistas e conservadores. E será sempre fundamental, embora ninguém defenda hoje o decorar de matérias como um fim em si mesmo: a verdade é que só somos verdadeiramente conhecedores daquilo que conseguimos armazenar, de forma organizada e compreensiva, no nosso cérebro.

Análise do poema "Aos principais da Bahia chamados Caramurus"


     O nome «caramurus» foi atribuído a Diogo Álvares Correia, fidalgo português que naufragou na costa da Baía. Ao encontrar os índios, ficou assustado e puxou de uma arma, mas apenas matou uma ave, que os indígenas chamavam caramuru, deus do fogo. O português foi levado para a tribo índia e acabou por casar com Paraguaçu, filha do chefe. Esta história vai ser explorada no poema "Caramuru", de Santa Rita Durão.
    Começa aqui por especificar a genealogia dos caramurus: a linha materna ou feminina é indígena (uso da metonímia), enquanto a linha paterna ou masculina é obra do acaso: descende de uma índia com um branco reles. Isto mostra que os caramurus, apesar das suas pretensões de que são brancos, têm muito sangue índio. Isto é a síntese do poema.
    Um dos aspetos do ludismo barroco é a sonoridade das palavras indígenas.

Análise do poema "Ilha de Itaparica, Alvas areias", de Gregório de Matos


     Nesta composição poética, Gregório descreve um lugar já descrito por Manuel Botelho: a ilha de Itaparica. No entanto, a forma de concretizar a descrição é diferente, porque usa o grotesco a par de outros estilos. Esta mistura de estilos vem já da origem das artes, pois a própria pintura das cavernas misturava elementos da mitologia com elementos da Natureza (ex.: elementos da primavera com cara de deuses).
    Por outro, neste soneto sobressaem três aspetos:
        👉 louvor da paisagem;
        👉 crítica social em tom satírico;
        👉 tom encomiástico, porque louva a casa do capitão.
    A natureza do poema é, ao mesmo tempo, laudatória da ilha, satírica e encomiástica. Através da sátira, mostra a existência dessas «gentis moças» na Bahia. Se compararmos os textos literários com os documentos históricos, ambos atestam a existência da prostituição feminina. Já os jesuítas evidenciam a preocupação com este problema: as índias, tiradas do seu habitat, eram exploradas pelos brancos, mas também as negras eram aproveitadas como objeto sexual pelos «donos». Existia ainda a prostituição da mulher branca, muitas vezes originada pelo facto de os maridos terem ido morar com outra. Esta situação é mais frequente nos meios pobres e nas grandes cidades e está ligada à miscigenação racial, talvez por sele satirizada. Gregório, ocasionalmente, louva a figura feminina negra, mas isto é apenas o reflexo do petrarquismo no Barroco: louvor da mulher, que, no caso do Brasil, é a negra. Ele critica a miscigenação, sobretudo quando os negros se querem comparar aos brancos.

Análise do poema "Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia", de Gregório de Matos


     Este poema é, no fundo, uma crónica, porque dentro da técnica da dispersão e recolha, ele descreve as pessoas que adoram meter-se na vida alheia, das pessoas metediças, dos bisbilhoteiros e boateiros.
    No primeiro terceto, sai da esfera social para falar do espírito de pequenez na cidade. É o provincianismo da Bahia; fala da quantidade populacional, salientando os mulatos, vistos por Gregório com olhos de europeu.
    O poema termina com a habitual síntese do poema barroco: "E eis aqui a cidade da Bahia". É uma crónica, porque se refere ao espírito de mesquinhez, do provincialismo, da inversão do mundo e da economia. Mas tudo isto é tratado em tom irónico. A sátira pode ser feita em tom elevado ou, por vezes, em tom vulgar.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...