domingo, 17 de setembro de 2023
Análise do poema "Rapariga descalça", de Eugénio de Andrade
terça-feira, 18 de julho de 2023
segunda-feira, 25 de outubro de 2021
Análise de "Que fizeste das palavras"
O poema, de Eugénio de Andrade, baseia-se no recurso intenso à interrogação retórica. Assim, o «eu» começa por questionar um «tu»: “Que fizeste das palavras?” Com esta interrogação retórica, ele reflete sobre o seu ofício de poeta, que é alguém que trabalha com as palavras. Ora, estas são constituídas por vogais e consoantes, resultam da fusão desses dois elementos.
As vogais
são «azuis» (sensação visual), cor que simboliza a tranquilidade e a paz (a cor
azul relembra, por exemplo, o céu e o mar, que reflete aquele), enquanto as
consoantes ardem entre o “fulgor / das laranjas [cor quente] e o sol [símbolo de
vida] dos cavalos” (animais que representam a força e a vitalidade). Assim
sendo, as palavras possuem um grande potencial e diversidade. Por outro lado,
estas metáforas traduzem a relação das palavras com a Natureza.
No terceiro
terceto, o «eu» poético associa, metaforicamente, as palavras a “minúsculas
sementes” (vv. 8-9), relacionando-as novamente à Natureza. Através desta
metáfora (as palavras são sementes), ele sugere que o poeta e uma espécie de
semeador, pois fá-las germinar, ou seja, semeia-as e fá-las nascer e crescer,
isto é, o poeta constrói o poema como se se tratasse de um ser vivo. Então,
isto significa que o poeta é um criador, dá vida (ao poema, à poesia) e tem de
ser muito cuidadoso com o seu ofício.
sábado, 11 de setembro de 2021
Análise do poema "Ver claro"
Este poema de Eugénio de Andrade centra-se na questão poética. Ele tem início com uma afirmação perentória: “Toda a poesia é luminosa” (v. 1). Quer isto dizer que a poesia contém a verdade que lhe é característica; o problema reside no facto de os sentimentos, as emoções ou os preconceitos do leitor (a metáfora “nevoeiro dentro de si”) o impedirem de “ver claro”, ou seja, de compreender o que lê.
Há, porém,
uma solução para essa incompreensão: o contacto contínuo com o texto poético,
ideia traduzida pela reiteração “outra vez”. Esse contacto continuado com a
composição poética, por causa da forma insistente como é feito, acabará por
familiarizar o leitor com os processos característicos do texto poético, o que
fará com que a poesia se torne clara (atente-se na expressividade da hipérbole “ficará
cego de tanta claridade” – v. 10).
Note-se, porém,
que o alcançar dessa luminosidade é apresentado sob a forma de condição,
traduzida pela oração subordinada adverbial condicional presente entre os
versos 6 e 9. Assim sendo, não é certo que o leitor chegue mesmo à compreensão
do texto; pelo menos, se não mantiver o tal contacto ativo e continuado com
ele.
Essa dúvida
permanece no último verso do texto, através do qual o sujeito poético parece
querer abençoar todo o leitor que “viu a luz, a luminosidade” da poesia: “Abençoado
seja se lá chegar”.
Tendo em
conta esta análise, o título do texto torna-se ele próprio claro:
apontará para uma definição de «poesia», dado que remete para o seu principal
objetivo, que passa por observar sem constrições as ideias ou sentimentos
expressos pelo sujeito poético.
sábado, 16 de maio de 2020
Análise do poema "Green God", de Eugénio de Andrade
● Título
O título do poema surge em inglês. O
adjetivo “green” remete para a cor que predomina na natureza – o verde –,
a qual nos remete também para questões ambientais.
O nome “God” associa a figura
descrita no poema a um “deus”, que, no entanto, possui traços humanos: o corpo
(v. 3), os passos (v. 8), os braços (v. 9) e o sorriso (v. 11).
● Análise do poema
▪ 1.ª estrofe
• O corpo do “Green God” é associado, nos dois primeiros versos, à graciosidade das fontes e, nos versos 3 a 5, é comparado a um rio e à sua serenidade.
• As fontes simbolizam a água viva e a pureza, sendo, por isso, símbolo de vida.
• O rio simboliza o movimento, a passagem, a fertilidade, a renovação, a juventude.
• Deste modo, o retrato que a primeira estrofe nos permite traçar do Green God é caracterizado pela graciosidade, pela serenidade, pela juventude e pela vitalidade, em comunhão com a natureza.
▪ 2.ª estrofe
• A segunda estrofe abre com nova comparação: “Andava como quem passa / sem ter tempo de parar” (vv. 6-7).
• De seguida, é descrito
o processo de vegetalização do corpo: o “deus” vai-se metamorfoseando e
fundindo com a natureza, que, por sua vez, se vai transformando à medida que
ele passa:
‑ ervas nascem dos seus
passos;
‑ troncos crescem dos
seus braços;
‑ transforma-se numa flor ao vento, que se vai desfolhando ao dançar (vv. 12-13).
• É um deus, portanto, criador de vida.
▪ 3.ª estrofe:
• Esta estrofe inicia-se com nova comparação: o “deus” sorria como quem dança.
• O vocabulário
predominante na estrofe pertence ao campo da dança e realça a vitalidade, a
graciosidade e a alegria do corpo, dançando e tremendo ao ritmo da música.
● Retrato do Green God
▪ É um deus vivo e criador: os seus passos criam ervas e o seu corpo cria troncos.
▪ É um deus que sorri e dança quando passa, criando uma atmosfera de encantamento.
▪ É um deus que se vegetaliza, que transforma e se funde com a natureza. O processo de vegetalização do seu corpo atesta o seu caráter telúrico.
▪ É um deus associado às artes, nomeadamente à poesia, à dança e à música.
● A tradição literária e a contemporaneidade no poema
▪ O tema da natureza está presente na literatura portuguesa desde a Poesia Trovadoresca, passando pelos clássicos renascentistas, até à contemporaneidade.
▪ O mesmo sucede com a temática do bucolismo, presente na imagem da flauta.
▪ O uso do verso heptassílabo está presente na literatura nacional desde o Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende, e dos clássicos renascentistas.
▪ A modernidade/contemporaneidade deste poema reside na abordagem ecológica da temática da natureza.
Análise de "Quando em silêncio passas entre as folhas"
• O sujeito poético dirige-se a um «tu» que passa, silenciosamente, na natureza.
• Essa natureza relembra, de certa forma, o «locus amoenus» clássico: as folhas, a ave, as espigas e as fontes são os elementos que a representam.
• O «tu» tem
um grande impacto e enormes efeitos na natureza:
▪ faz renascer as aves;
▪ as espigas, maduras, tremem;
▪ as fontes param, contemplando-lhe a face.
Em suma, ele provoca alegria na natureza e é detentor de um poder divino, o de dar vida: ele traz da morte as aves.
• O sujeito poético mostra-se fascinado com esses efeitos que o «tu» tem na natureza.
• Ainda que
curto, o texto é bastante rico em matéria de recursos expressivos:
▪ a personificação da natureza (“comedidas / param
as fontes”);
▪ metáfora:
. “tremem maduras todas as espigas”;
. “param as fontes a beber-te a face”;
▪ comparação: “como se o próprio dia as inclinasse”.
Estes recursos enfatizam a humanização da natureza e os efeitos nela provocados pela passagem do ser descrito.
• O poema é constituído por uma única estrofe, de 7 versos (sétima), todos eles brancos ou soltos e de rima cruzada, de acordo com o esquema rimático ABCDEDE.
Análise de "Agora as palavras", de Eugénio de Andrade
• Ao longo do poema, opõe-se dois tempos: o presente (“agora” – v. 1) e o passado.
• Com a passagem do tempo, a
relação do sujeito poético com as palavras alterou-se e, no presente, é
caracterizada pelo seguinte:
»
passou a sentir mais dificuldade em dominar as palavras (“não fazem / caso do
que lhes digo” – vv. 3-4), que o ignoram;
»
as palavras começaram a resmungar (“A propósito / de nada resmungam” – vv.
2-3);
»
as palavras não lhe obedecem (vv. 1-2) ou obedecem-lhe muito menos;
»
as palavras desrespeitam-no, desrespeitam a sua idade (“não respeitam a minha
idade.” – v. 5);
»
as palavras são “ariscas” e escapam-se-lhe “por entre / as mãos” (vv. 16-17);
» as palavras mostram-lhe os dentes, como forma de protesto (verso 17).
• A referência à idade do «eu» lírico no verso 5, associada aos dois versos finais, significa que, com a passagem do tempo, aquele reconhece que a sua relação com as palavras se alterou e parece não ter a certeza acerca de quem é responsável por essa mudança. De facto, embora ao longo do texto lhas pareça atribuir, a interrogação desses dois últimos versos parece indiciar que não tem a certeza disso.
• Ao longo do poema, predomina a personificação das palavras, a quem são associados atributos humanos e que parecem ter vida própria. Sobretudo no presente, mostram-se independentes, sentem, reagem e lutam com o sujeito poético.
• Por outro lado, é-lhes associado um caráter metafórico, ao serem associadas a animais: elas são desobedientes, arreganham os dentes (como um cão, por exemplo), eram controladas pela rédea (como um cavalo) do sujeito poético. Todos estes recursos, incluindo a personificação, contribuem para dar vida às palavras e sugerir que o ofício de ser poeta é bastante exigente.
• Os versos 6 a 9 permitem-nos compreender perfecionismo e o processo de criação artística sustentado pelo «eu»: é um processo meticuloso e rigoroso – ele trabalha as palavras com rigor (“mão rigorosa” – v. 8), caracterizado também por um controlo absoluto delas (daí o uso do nome «rédeas») e pela recusa dos artifícios (“a indiferença pelo fogo de artifício.”).
• Pelo contrário, no passado, as palavras gostavam do sujeito lírico (“e elas durante muitos anos / também gostaram de mim” – vv. 11-12), eram obedientes, causavam-lhe alegria e entre ambos havia uma relação harmoniosa (“dançavam / à minha roda quando as encontrava.” – vv. 12-13). Esta relação passada entre o «eu» e as palavras é explicitada a partir dos dois pontos.
• A metáfora do verso 14 (“Com elas fazia o meu lume”) estabelece uma associação entre palavra, poesia e vida. O lume, o fogo, equivale a vida.
• A interrogação final, como já foi referido, aponta para uma explicação alternativa para a mudança operada nas palavras: talvez tenho sido, afinal, o sujeito poético quem mudou, visto que passou a procurar as palavras mais difíceis (“Ou será que / já só procuro as mais encabritadas?” – vv. 18-19).
• Ao longo do texto, o sujeito
poético enuncia as possíveis causas para esta alteração de comportamento das
palavras. Em síntese:
▪
1.ª) o envelhecimento do sujeito poético (“não respeitam a minha idade”
– v. 5);
▪
2.ª) o sujeito poético não sabe escolher as palavras mais apropriadas
(vv. 18-19);
▪
3.ª) as palavras cansaram-se do controlo excessivo por parte do sujeito
poético (“Provavelmente fartaram-se da rédea” – v. 6).
● Intertextualidade
Se
relacionarmos este poema com outros de Eugénio de Andrade, como, por exemplo,
“As palavras”, verificamos que, neste último, as palavras se deixavam dominar e
controlar pelo poeta, ao contrário do presente, em que se mostram rebeldes, esquivas
e indomáveis.
● Processo de criação artística
O sujeito
poético relaciona-se de modo quase conflituoso com a sua poesia, em decorrência
da tensão que existe entre a sua vontade de trabalhar as palavras e a
incapacidade de o fazer, como confessa nos versos 16 e 17.
Por outro lado, declara todo o rigor, perfecionismo e recusa do “fogo de artifício” com que encara o processo de criação poética.
Análise do poema "Amoras", de Eugénio de Andrade
● Neste poema, o sujeito poético começa por associar o seu país a algo positivo – as amoras bravas no verão: ambos têm o mesmo sabor.
● De seguida, nos versos 3 e 4, através da personificação, identifica alguns traços negativos do país: a simplicidade e a pequenez (“não é grande” – v. 3), a falta de inteligência (“nem inteligente” – v. 4). Estamos, portanto, perante um país pequeno, fechado (v. 10), pouco inteligente e feio.
● A conjunção coordenativa (“mas” – v. 5) introduz uma outra visão do seu país, novamente positiva, como no início do texto: é doce e alegre, mesmo em circunstâncias difíceis, ideia presente na referência às silvas (v. 6), uma planta selvagem que causador e sofrimento quando nelas nos picamos.
● No verso 7, o sujeito poético declara que raramente falou no seu país e assinala uma possível (advérbio “talvez”) razão que está na base desse facto: a falta de afeto por ele (“nem goste dele” – v. 8), a juntar aos defeitos apontados anteriormente: a ausência de dimensão, de inteligência e elegância.
● O verso 10 associa ao país do sujeito poético um outro traço negativo: o fechamento, o isolamento, a falta de horizontes e liberdade, como se pode inferir da referência a “os seus muros”.
● No entanto, a oferta de amoras bravas por parte de um amigo faz com que o sujeito poético ganhe consciência de que o seu país é humilde e alegre, de certa forma, o que o faz libertar-se temporariamente da contrariedade que constituem os “seus muros”, que limitam os horizontes. Nesse momento de generosidade e amizade, os muros parecem-lhe brancos (paz, pureza) e apercebe-se de que o céu é, ali, também azul, ou seja, também ali é possível ter uma existência feliz.
sábado, 9 de maio de 2020
Análise do poema "A sílaba", de Eugénio de Andrade
● Assunto: o sujeito poético encara o ato
de escrever poesia, por mais ínfimo que seja, como essencial à vida do poeta.
● Título
O título sugere que a poesia está presente em tudo na nossa vida,
desde a realidade mais simples e ínfima, como, por exemplo, a sílaba.
● Análise
▪ O sujeito poético abre o poema, afirmando que passou toda a manhã à procura de uma sílaba. Esta referência sugere que o ato de escrever poesia é um processo demorado, paciente e pormenorizado: a procura ocupa uma manhã inteira, sendo feita, portanto, de forma lenta e cuidadosa. Em suma, a escrita poética é um processo lento/moroso, aturado e demorado. Repare-se, aliás, na relação que se pode estabelecer desde já desta composição com o título da obra de que faz parte: Ofício de Paciência.
▪ A criação poética é um ato de conquista de cada palavra e é exemplificado através da busca da sílaba perfeita ao longo de uma manhã. Essa sílaba é entendida como fundamental, crucial (“faz-me falta. Só eu sei / a falta que me faz.”).
▪ A conjunção coordenativa adversativa («mas») estabelece uma relação de contraste com os três primeiros versos: o sujeito poético mostra que tem consciência («é certo») da aparente «insignificância» da sílaba (“É pouca coisa”, “quase nada”), mas ela faz-lhe falta, é crucial para que o poema esteja depurado (“Mas faz-me falta.” – v. 4). Por outro lado, isto mostra a insatisfação do sujeito poético; além disso, o processo de criação poética, laborioso como é, está atento ao mais elementar constituinte da palavra: “uma vogal, / uma consoante”.
▪ O verso 6 reafirma, ou confirma, que o ato de escrever poesia é “um processo aturado de atenção, pormenor e rigor” (CAMEIRA, Célia et alii, Mensagens): “Por isso a procurei com obstinação.”.
▪ Essa procura obstinada da sílaba é mais facilmente entendida se a relacionarmos com as referências às estações do ano: a sílaba que irá formar a palavra que irá constituir o poema será o princípio do processo de criação de um produto artístico que permanecerá para além do “frio de janeiro” ou da “estiagem / do verão”, isto é, que permanecerá no tempo.
▪ De facto, o verso 7 apresenta a poesia como uma forma de defesa “do frio de janeiro, da estiagem / do verão”, ou seja, da passagem do tempo. Esta referência às estações do ano constitui então uma metáfora precisamente da passagem do tempo e da efemeridade da vida.
▪ Assim sendo, esta sílaba representa a «salvação» do sujeito poético face à voragem do tempo. Para se defender dela, ele necessita de encontra a sílaba certa (“Uma sílaba. / Uma única sílaba.” – vv. 9-10), ou seja, o poema (sinédoque). O poema / a poesia é a forma que o “eu” lírico encontrou para sobreviver à passagem do tempo.
▪ A sílaba representa a construção do poema, que implica uma busca constante da palavra exata, que conduzirá ao poema «perfeito». Não é uma palavra qualquer que serve para um determinado poema; as palavras combinam-se, nos versos, pelos seus sentidos, sons, etc. Como refere Alberto Caeiro no poema XXXVI, o poeta que é artista põe verso sobre verso, como quem constrói um muro, vê se está bem e tira se não está.
▪ O que está aqui em causa é a busca incessante
do sujeito poético pela palavra, pelo verso, em suma, pela poesia que o
salvará. A arte poética, um dos temas poéticos preferidos de Eugénio de
Andrade, constitui, neste poema, uma reflexão sobre a própria composição
poética (aquilo que se costuma designar metapoesia, ou seja, a poesia
sobre a própria poesia), na qual o «eu» procura essa «sílaba» que lhe falta.
● Conceção de arte poética
A poesia é encarada como uma salvação essencial à vida do poeta, uma
defesa contra a passagem do tempo, bem como uma vida para a redenção, um
instrumento na busca pela perfeição.
Por outro lado, o processo de criação poética é uma tarefa aturada,
obstinada, laboriosa e de difícil execução.
● Estrutura formal
▪ Estrofe: uma décima.
▪ Versilibrismo: o poema é constituído por
um número diferente de sílabas métricas.
▪ Rima: ausência de um esquema rimático definido.