Português: 13/04/23

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Análise da Conclusão de Amor de Perdição


  Contextualização
 
            A Conclusão constitui o desfecho da novela, pelo que esclarece junto do leitor o destino de Simão e Mariana, visto que a morte de Teresa ocorreu no capítulo anterior. Não obstante, a sua presença materializa-se na Conclusão através da última carta que escreve ao seu amado.

            A 17 de março de 1807, ao deixar o Porto a caminho do desterro, Simão vê, pela última vez, Teresa, que lhe acena do mirante do convento de Monchique. Desesperado, Simão corresponde ao gesto de Teresa, ficando a saber mais tarde da sua morte pelo comandante da nau. Pouco antes, tinha recebido o embrulho das cartas que escrevera a Teresa, que ela, à beira da morte, lhe fizera chegar através de uma mendiga.


 
Funções da Conclusão
 
            Quando um texto narrativo termina com uma Conclusão, esta desempenha, normalmente, funções muito específicas:

1.ª) Explicitar os grandes sentidos morais, ideológicos ou sociais que a ação e o destino das personagens envolvem.

2.ª) Clarificar a situação em que se encontram as personagens, após o final da ação, completando o relato feito ao longo da novela. É por isso que as personagens que constituem o triângulo amoroso (Simão, Teresa e Mariana) estão presentes na Conclusão (Simão e Mariana em carne e osso e Teresa presentificada através da sua carta).

 
 
Estrutura da Conclusão
 
1.º) A última carta de Teresa

            Simão vela no camarote do comandante do navio. À meia-noite, uma localização temporal do agrado dos românticos, o fidalgo pega no maço de cartas que Teresa lhe enviara e decide ler a última que a jovem lhe escrevera.

Tal como sucedeu em vários capítulos da novela, o género epistolar está presente na Conclusão, constituindo um elemento fundamental para o conhecimento da história e doestado de alma das personagens.

O género epistolar está presente na Conclusão de duas formas:

1.º) Como discurso: a última carta de Teresa para Simão, que este lê em estado de agonia e a caminho da morte.

2.º) Como objeto material com valor simbólico: o maço de cartas trocadas entre Simão e Teresa, que Mariana conserva.

Esta carta de Teresa, a última, é a mais expressiva de todas as do Amor de Perdição, constituindo um documento impressionante.

Teresa coloca-se numa posição especial, como se estivesse situada em vários tempos:

- No presente em que escreve a carta: “É já o meu espírito que te fala, Simão”.

- No passado que ela já será (morta), quando Simão ler a carta: “A tua amiga morreu”.

- No futuro da leitura de Simão e da própria personagem, após a morte de Teresa: “Tu nunca hás de amar, não, meu esposo?”.

Esta questão do tempo permite que passado, presente e futuro convirjam naquela carta, como se Teresa possuísse um poder que se situa além da sua condição humana.

As funções da carta são óbvias: 1.ª) uma despedida de Teresa, visto que nela antecipa a sua morte e estamos perante as últimas palavras que dirige a Simão; 2.ª) a rememoração do amor entre ambos e os seus planos; 3.ª) a formulação de uma mensagem de esperança relativamente à realização do amor de ambos num plano espiritual.

A carta constitui, pois, uma despedida de Teresa relativamente a Simão, um texto profundo, intenso e emotivo. Recorde-se que a fidalga já tinha morrido no mirante do convento de Monchique.

Teresa inicia a carta referindo-se à sua própria morte: “É já o meu espírito que te fala, Simão.” Deste modo, ela parece situar-se numa dimensão não terrena, transcendente. A missiva constitui, portanto, uma confirmação da sua morte e da inevitabilidade da mesma: “… era inevitável fechar os olhos quando se rompesse o último fio, este último que se está partindo, e eu mesma o ouço partir.”

Essa ideia acentua-se quando, no parágrafo seguinte, Teresa se apelida de “esposa do céu”, o que significa que acredita no amor eterno, antevê a possibilidade de realização do amor numa outra dimensão, numa outra vida. Outras passagens da carta confirmam-no: “A infeliz espera-te noutro mundo, e pede ao Senhor que te resgate.”; “À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!”. Ou seja, como é impossível a concretização do amor de ambos na terra, Teresa espera o reencontro com o amado e a união espiritual dos dois numa existência supraterrena.

Na epístola, Teresa recorda os projetos de vida que ambos tinham delineado, evocando um passado feliz, porque era cheio de sonhos e esperança numa vida futura em comum: “A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu ma pintavas nas tuas cartas que li há pouco!” Essa felicidade idílica, numa vivência plena do amor, é acentuada por referências a elementos da Natureza: “Estou vendo a casinha [atente-se no diminutivo carregado de afetividade] que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves.” Esta recordação do passado, da felicidade futura entrevista, confere maior dramatismo à missiva e à situação atual dos dois jovens amantes, visto que essa felicidade idílica e idealizada contrasta profundamente com o presente de ambos: “Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos!”

No final da carta, Teresa pede a Simão que não ame mais ninguém: “Tu não hás de amar, não, meu esposo?” Deste modo, se Simão acatasse o pedido da fidalga, o amor entre ambos seria eterno e concretizar-se-ia no Céu, onde se encontrariam e poderiam viver o seu amor e ser felizes.

Por outro lado, o tom com que a epístola termina é profundamente de desgraça e perdição, apresentando Teresa a morte como a única saída para os dois apaixonados: “Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há três anos? […] a morte é mais do que uma necessidade, é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.” Para Teresa, a morte é a única solução para um amor impossível, e os dois apaixonados encontrar-se-ão na eternidade: “a infeliz espera-te noutro mundo”.

O discurso de Teresa na missiva é marcado por diversos recursos expressivos, como a metáfora e vocabulário associado à dor, ao sofrimento e à morte (“martírio”, “desgraça”, “malfadada”).

 
2.º) Últimos dias de Simão
 
Antes de mais, é preciso referir que a morte de Teresa, ocorrida no capítulo anterior, repita-se, pressupõe a morte de Simão, dado que um não vive sem o outro.

Após a leitura da carta de Teresa, Simão sobe ao convés, cambaleando, e contempla o mirante de Monchique, “que avultava negro no sopé da serra penhascosa em que atualmente vai a Rua da Restauração.” O mirante vazio e negro enfatiza a sua perda, isto é, a morte de Teresa.

A partir deste momento, Simão é acometido de uma febre maligna, de ânsias e delírios, e entra numa lenta agonia que o conduz à morte: “saiu cambaleando”, “segurou entre as mãos a testa, que se lhe abria abrasada pela febre. […] cair o meio corpo.”, “Seguiu-se a febre, o estorcimento, e as ânsias, com intervalo de delírio.”, “era febre maligna a doença, e bem podia ser que ele achasse a sepultura no caminho da Índia.”, “A febre aumentava. Os sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” Sentindo a aproximação da morte, pede a Mariana que, quando fechar os olhos, lance ao mar as cartas que trocou com Teresa.

À medida que a febre vai aumentando, “… os sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” De seguida, é referida uma tempestade que se abate sobre o navio, que traduz ao gosto romântico, a dor física e emocional de Simão (“O navio fez-se ao largo muitas milhas e, perdido o rumo de Lisboa, navegou desnorteado.”), constituindo a morte o apaziguamento, a paz.

Já moribundo, Simão delira e recorda passagens da última carta de Teresa, tendo sempre a seu lado Mariana, a quem se refere como “puro anjo” e a quem diz: “Tu virás ter connosco; ser-te-emos irmãos no Céu… O mais puto anjo serás tu… se és deste mundo, irmã…”. A presença de Mariana torna-se, à semelhança de Teresa, espiritual, não terrena. No seu delírio, Simão sente a presença das duas figuras femininas que o amavam.

A morte de Simão ocorre ao romper da manhã (sugerindo a manhã uma morte redentora), nove dias após a carta de Teresa, apertando a mão de Mariana. Essa morte, ocorrida por um ideal – o amor, contribui para confirmar o estatuto de Simão como herói romântico: Simão morre por amor, porque não pode viver sem Teresa. Por outro lado, o passamento dos dois protagonistas torna-se, assim, consequência da liberdade que desejavam e que a sociedade não lhes concedem. De facto, a morte de ambos pode ser lida como um grito de revolta contra a sociedade da época e um sinal de mudança social a que muitos aspiravam. O seu corpo é atirado ao mar.

 
3.º) Desenlace – as mortes de Simão e Mariana
 
Quando Simão morre a 28 de março, Mariana “curvou-se sobre o cadáver e beijou-lhe a face. Era o primeiro beijo.”, o que mostra que a morte proporcionou uma aproximação física e espiritual entre ambos.

No momento em que o corpo morto de Simão é lançado ao mar, Mariana atira-se à água e abraça o seu cadáver, que uma onda traz até si. Em vida e na morte, a filha do ferrador sempre esteve ao seu lado e nunca o abandonou.

Por que razão Mariana morre? A filha de João da Cruz jamais poderia sobreviver à morte de Simão, dado que o seu destino estava irremediavelmente ligado ao do fidalgo. A decisão de se suicidar no momento da morte de Simão representa uma concretização do seu amor, ou seja, é uma forma de estar (como sempre esteve) ao lado de quem ama. O amor prevalece sobre todos os sentimentos e não é vencido pela morte, à semelhança do que sucede com Teresa e Simão.

• Mariana salta para a água com as cartas trocadas entre Teresa e Simão, cumprindo o pedido que este lhe fizera (“[…] atire ao mar todos os meus papéis, todos; e estas cartas que estão debaixo do meu travesseiro também.”), que os marinheiros acabam por recuperar. Note-se que a apresentação da correspondência trocada entre ambos os protagonistas cria um efeito de verosimilhança no que diz respeito à novela. De facto, para que a ação da novela fosse verosímil, as cartas são poderiam desaparecer na água, antes tiveram de ser recolhidas. Se elas se tivessem perdido, a sua transcrição na obra não seria credível, pois o autor não teria sido acesso a elas. Por outro lado, nessa correspondência está representado um amor que levou à perdição.

• De acordo com o professor Carlos Reis, na Conclusão, o triângulo amoroso dá lugar ao triângulo da perdição, ideia comprovada por vários elementos:

1.º) A carta de Teresa e as expressões de perdição e morte que contém, como, por exemplo, “A tua amiga morreu”, “tua esposa do céu”, “a infeliz espera-te noutro mundo”, “e eu na sepultura”, entre muitas outras.

2.º) A situação de agonia e delírio em que cai Simão, seguida da sua morte.

3.º) O suicídio de Mariana, antecipado pela própria quando, respondendo a uma pergunta de Simão, lhe diz: “Morrerei, senhor Simão”.

Por outro lado, Teresa e Simão vivem um amor correspondido, mas os dois foram-se afastando fisicamente ao longo da obra. Já Mariana ama Simão, porém não é correspondida, mas as duas personagens estão cada vez mais próximos fisicamente. Essa aproximação física culmina com o beijo de Mariana a Simão e o desaparecimento de ambos nas águas do mar, com a filha de João da Cruz abraçada ao corpo do fidalgo.

Na Conclusão, o tempo surge concentrado. A categoria está bem demarcada e o narrador vai anunciando a sua passagem: “Às onze horas da noite…”, “à meia-noite”, “às três da manhã”. A morte de Simão ocorre a 28 de março, pelo que os 11 dias da partida e da viagem são narrados em cerca de cinco páginas.

No final da obra, o destino e o livre arbítrio cruzam-se. Por um lado, o comandante da nau refere que foi a má «estrela» de Simão que o conduziu à morte. Por outro e por oposição, Mariana suicida-se, concretizando uma opção individual premeditada e refletida.

 
 
Relação biográfica

            No último parágrafo da Conclusão, o narrador explicita as relações entre as personagens da novela e a família do autor, reforçando, assim, o caráter biográfico da mesma, anunciado na Introdução. Informa o leitor que Manuel Botelho, irmão de Simão, é o pai do autor da obra, Camilo Castelo Branco. Assim sendo, Simão é tio de Camilo,

            Da família do protagonista, no momento da escrita da novela, a única figura ainda vida era Rita, a irmã predileta do fidalgo e tia de Camilo, que faleceu em 1872.


 
Caracterização de Mariana
 

            Mariana ama Simão e, assim sendo, é-lhe de uma dedicação extrema, cuidando dele doente (“Mariana, que levantava a cabeça ao menor movimento dele.”) e sacrifica-se para o acompanhar (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão.”). Mas, para tal, tem de enfrentar várias provações que se refletem no seu aspeto físico: “Mariana tinha envelhecido”. Não obstante, abnegada como sempre, está ao seu lado sempre, incluindo no momento da morte, com a resiliência que o amor lhe proporciona: “Mariana ouviu o prognóstico e não chorou.”

            Além disso, Mariana mostra-se sempre solidária, humilde e submissa (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão”), abnegada e determinada na luta pelo seu amor e, à semelhança de Teresa, crença no amor eterno (“Viram-na, um momento, a bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços.”).

            Quando o filho de Domingos Botelho mergulha num estado de agonia e delírio, inicialmente, a filha do ferrador declara-se pronta para morrer (por amor) se o mesmo acontecer a Simão (“– Morrerei, senhor Simão.”). Depois, à medida que este fica mais debilitado, Mariana manifesta os efeitos físicos que essa debilidade lhe causa (“Mariana tinha envelhecido.”). Posteriormente, o facto de apertar o embrulho com as cartas de Teresa e Simão à sua cintura, indicia a decisão que tomou e que conheceremos pouco depois. O primeiro beijo que lhe dá acontece com ele já morto, assim de associando amor e morte. Por último, durante o funeral do fidalgo, a sua postura apática e quase indiferente compreende-se tendo presente a dita decisão de se lançar ao mar atrás do corpo do jovem (“[…] e parecia estupidamente encarar aqueles empuxões que o marujo dava ao cadáver…”).

            Em suma, o suicídio de Mariana decorre do amor-paixão que sente por Simão, caracterizado por uma dedicação, um espírito de abnegação e intensidade sentimental tais que abdica da própria vida para se unir ao seu amor para sempre. Deste modo, a morte proporciona-lhe a concretização do amor pelo jovem fidalgo, abraçando o seu corpo para a eternidade, bem como a paz que o amor por ele nunca lhe trouxera. A imagem é bastante sugestiva: o destino atira-lhe para os braços o corpo do seu amado: “[…] que uma onda lhe atirou aos braços.”

            O final da novela é tipicamente romântico, ao apresentar a solução característica para cada um dos amantes infelizes: a morte.



Relação entre Simão e Teresa

            Como já vimos noutros capítulos, Simão olha para Mariana como uma amiga ou uma irmã, ao passo que ela o ama profundamente. Abnegadamente, sofre por ciúmes, por saber do amor de Simão por Teresa, mas, ainda assim, nunca o abandona, nem nos momentos mais difíceis.

            Por seu turno, o académico tem consciência da pureza e consistência dos sentimentos da filha de João da Cruz, bem como do seu espírito de sacrifício, procurando nela o amparo de que necessita nos seus últimos dias.


 
Função dos diálogos

Simão e Mariana, através dos diálogos, comunicam decisões (por exemplo, a jovem declara que morrerá se o fidalgo falecer).

As duas personagens exprimem emoções, sentimentos e preocupações.

Os diálogos servem ainda para apresentar informações e esclarecer factos (por exemplo, o destino da correspondência de Teresa e Simão).

 
 
Espaço físico
 
• A ação da Conclusão decorre a bordo do barco que transporta Simão e Mariana para o degredo, na Índia.

• O espaço referido logo no início da Conclusão é o camarote/o beliche que serve de aposento de Simão. Trata-se de um espaço muito pequeno, que oprime a personagem, levando-a a confessar ao comandante que aí sofre mais do que no convés.

• Como sucede noutros passos da obra, o narrador é muito económico no que toca à descrição do espaço físico. Desta forma, o leitor concentra a sua atenção nas personagens, nos seus dramas, sentimentos e emoções.

• A redução/concentração do espaço, à medida que a ação avança, contribui para adensar a atmosfera dramática/trágica.

 

Concordância entre sujeito e verbo e outras patacoadas


     As chamadas revistas cor-de-rosa são um manancial de homicídios da língua portuguesa.

    Neste caso, destaca-se logo a colocação do sujeito no singular ("Alcoolismo") e o verbo no plural ("fizeram"). Deixando de lado a falha na hifenização (que pode resultar de um problema informático - o Word, por exemplo, não permite o uso de «duplo hífen»), outra calinada que fere os olhos é a ausência de vírgula(s) a isolar a oração subordinada adjetiva relativa explicativa.

    Em suma, o manancial dos nosso «media» é infindável.

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