Português: 12/01/23

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Oração subordinada substantiva completiva


Origem da palavra «golo»

                 Muitas palavras relacionadas com o futebol têm origem inglesa, desde logo a designação — era «football», acabou «futebol». Parece quase igual, mas houve, primeiro, uma certa adaptação fonética e, logo a seguir, uma adaptação ortográfica. A palavra começou por se escrever como em inglês, às vezes com um hífen («foot-ball»), mas acabou por se adaptar à escrita portuguesa.

                Ora, o mesmo aconteceu com «golo»: vem de «goal», a palavra inglesa que significa «objectivo». É, literalmente, o objectivo do jogo. A origem um pouco mais remota de «goal» era uma antiga palavra do inglês médio que significava «limite». Se continuarmos a escavar, acabaremos numa palavra ainda mais antiga que significava algo como «brecha». No entanto, pouco é certo nestas viagens tão profundas. A etimologia é tão interessante quanto perigosa.

                Na nossa língua, e tal como «futebol», a palavra começou por ser adaptada foneticamente e, depois, com o tempo, também ortograficamente. Acabámos com o «golo» em Portugal e com o «gol» no Brasil. As diferenças entre as duas normas do português são especialmente marcadas na área do futebol; afinal, esta foi uma área que se desenvolveu já depois da separação política entre os dois países — as importações e adaptações fonéticas e ortográficas foram feitas em separado.

                Como em tantas coisas na língua, a transformação de «football» em «futebol» e «goal» em «golo» foi um processo gradual. Cada vez mais se escreveu a forma adaptada até chegar ao dia em que já ninguém escrevia a forma original.

                Por outro lado, o futebol mostra que um estrangeirismo não é inevitável. Durante muito tempo, usámos — só como exemplo — a palavra inglesa «corner» nos relatos de futebol. Ora, o «corner» à portuguesa, em vez de se transformar em «córner» — morreu. Alguém se lembrou de «pontapé de canto» e os falantes, pelo menos desta vez, aceitaram bem a expressão portuguesa.

                Outras tentativas de criação de expressões com materiais portugueses falharam. Havia uma proposta antiga, ainda do século XIX, para substituir «football» por «ludopédio». Não pegou. Só por isso não ouvimos hoje relatos do Campeonato Português de Ludopédio.

                Por que razão o «pontapé de canto» caiu no goto dos falantes e «ludopédio» nem por isso? Não sei. A nós, habitantes do século XXI, parece óbvio: mas só é óbvio porque temos décadas e décadas de hábito a dizer «pontapé de canto» e a ignorar «ludopédio».

                A língua é assim: os falantes às vezes hesitam, baralham-se, voltam atrás, mas há momentos em que se decidem, mesmo sem ninguém perceber bem porquê. «Ludopédio» morreu. O «corner» também. Mas «futebol» e «golo» estão vivos e recomendam-se. Quando os falantes, no seu conjunto, se decidem, as palavras passam a fazer parte da língua e nada há a fazer se não aprendê-las.

                E o outro golo?

                Como disse no início, para falarmos da origem de «golo» temos de pensar nas duas palavras que partilham a forma. «Golo» é o que um jogador de futebol quer marcar, mas também é aquele momento em que engolimos algo.

                Neste segundo sentido, a origem é também interessante, embora muito diferente: os falantes pegaram num verbo antigo, de origem latina — «engolir» — e retiraram-lhe partes. Deixaram o «gol-», com um «o» final a compor o nome. Chama-se a isto derivação regressiva — ou seja, os falantes criam uma palavra nova desmontando uma outra palavra maior. Há muitos, muitos exemplos em português. É uma das maneiras que os falantes de português têm para criar palavras novas.

As dimensões política, nacionalista e trágica em Frei Luís de Sousa


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