Publicada em 1572, numa altura em que o império português
mostrava já sinais claros de crise e ruína próxima, a obra canta a Glória do
povo português (“o peito ilustre
lusitano”), com incidência no seu período de maior fulgor – a época dos
Descobrimentos, representada pela viagem de Vasco da Gama de 1498 – descoberta
do caminho marítimo para a Índia.
Sendo a epopeia considerada a expressão mais alta da
literatura, a necessidade do surgimento de uma epopeia portuguesa que
glorificasse a gesta heroica do povo lusitano vinha a ser sentida e reclamada
desde há muito. A partir do século XV, tinham começado a surgir alguns poemas
de conteúdo histórico, mas sem relevância literária. No século XVI, autores
como Garcia de Resende, no prólogo do Cancioneiro
Geral, João de Barros, Diogo de Teive, Angelo Poliziano e, sobretudo,
António Ferreira. Começaram a alertar para a necessidade de se cultivar o
género épico, estimulando outros poetas à criação da epopeia portuguesa.
E Portugal tinha, de facto, todas as condições para a
criação de um grande poema épico. Com efeito, as andanças pelo mundo, as
descobertas e o heroísmo dos navegantes lusos eram comparáveis às viagens
marítimas descritas na Odisseia e na Eneida. Por outro lado, a empresa dos
Descobrimentos, para além do interesse nacional, revestia-se de carácter
universal. Além disso, o orgulho nacional estimulava a celebração dos feitos
portugueses e à corte interessava a apresentação da política de expansão
ultramarina como forma de dilatação da fé cristã, na tentativa de contrariar a
ideia de que a verdadeira motivação dessa política fosse meramente comercial.
Em suma, todos tinham consciência clara do caráter épico
da história nacional e de que a empresa requeria alguém de génio invulgar. E
esse génio será Camões, que responderá ao apelo e realizará a empresa: dotar o
mundo moderno com uma réplica dos poemas épicos antigos; conferir aos feitos
dos portugueses uma categoria nacional; enobrecer a língua com a realização
nela do género literário considerado máximo. O seu génio fá-lo-á adotando com
originalidade a estrutura clássica da epopeia a narração da viagem de Vasco da
Gama, à volta da qual se inseriu a História de Portugal. Note-se que alguns dos
feitos extraordinários dos portugueses ocorreram durante a juventude do
escritor, o qual também andou pela Índia (a partir de 1553) e deambulou pelo
Oriente durante muitos anos.
Observemos agora o contexto
de produção. A obra demorou, aproximadamente, vinte anos a ser elaborada.
Esse espaço de tempo coincidiu com o momento posterior ao auge da expansão, a
saber:
. após a fase das descobertas
da Índia, do Extremo Oriente e da conquista de Malaca;
. após
a fase da consolidação do Império, que ocorre no tempo dos dois primeiros
vice-reis da Índia – D. Francisco de Almeida (1505-1509) e Afonso de
Albuquerque (1509-1515).
Em meados do século XVI, ocorre uma série de
acontecimentos nefastos para Portugal:
. o
abandono de algumas praças do Norte de África que exigiam um enorme esforço
financeiro (Sanfim e Azamor em 1541; Arzila em 1549; Alcácer Quibir em 1550) –
conservam-se apenas Ceuta, Tânger e Mazagão;
. o
ponto anterior enfatiza as dificuldades sentidas pelo reino português para
manter um império vasto e disseminado, possuindo o reino um diminuto número de
habitantes;
. a
morte, em 1554, do princípio D. João, herdeiro da coroa e filho único
sobrevivente dos dez que D. João III tivera;
. o
nascimento de D. Sebastião, em 1554, em quem são concentradas todas as
esperanças da sobrevivência da dinastia;
. a
morte, em 1555, do infante D. Luís, irmão do rei, figura culta e estimada que
era vista como solução para a sucessão ao trono, morte essa que agravou o
sentimento de insegurança nacional quanto ao futuro da independência nacional;
. a
morte do rei D. João III em 1557, que deu origem à regência da sua viúva, dada
a tenra idade de D. Sebastião;
. a
sobreposição da exploração nacional e dos interesses económicos ao espírito de
serviço e de dedicação à pátria.