Português: Oswald de Andrade
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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Análise do poema "O Capoeira", de Oswald de Andrade


  
– Qué apanhá sordado?
– O quê?
– Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.
 
            Este poema de Oswald de Andrade traz para a poesia um facto quotidiano: nos quatro versos, o «eu» poético sugere um confronto entre um capoeirista e um soldado. Esse confronto sucede, porque o capoeirista provoca o soldado (“Qué apanhá sordado?”) e o chama para a luta.
            Durante muito tempo, os capoeiristas foram vistos de forma preconceituosa, isto é, como arruaceiros, e muitas vezes eram presos por praticar a sua arte. No caso desta composição, o «eu» propõe uma inversão: em vez de o capoeirista ser vítima da arbitrariedade da polícia, é ele quem provoca o soldado.
            O último verso indicia a concretização da luta: o capoeirista investe contra o soldado, derruba-o, provavelmente com um golpe de capoeira. Note-se que o conflito é descrito à maneira cubista, isto é, em partes, como um mosaico de imagens.
            O registo de língua predominante no diálogo é o popular: “qué”, “apanhá”, “sordado”, vocábulos repetidos anaforicamente no terceiro verso, à exceção do último. Qual é o objetivo do poeta ao colocar na boca do capoeirista a linguagem popular? Deste modo, ele reproduz a fala de um indivíduo simplório, uma linguagem dinâmica que traduz a visão da briga, semelhante à capoeira. No último verso, chave de ouro do texto, terminado o diálogo, a sintaxe está correta, isto é, de acordo com a norma gramatical.
            O diálogo e a linguagem quotidiana são características do Modernismo. Temos então a anulação das fronteiras que encontramos no Manifesto. Outra coisa que é típica do Modernismo, mas principalmente de Oswald de Andrade, é a ideia de progresso, de rapidez; é a poesia feita rapidamente. Por outro lado, no poema está presente a visão da literatura nacionalista, fundamentada nas características naturais do povo brasileiro.

Análise do poema "Canto do regresso", de Oswald de Andrade


             Este poema foi escrito por Oswald de Andrade em 1924, quando o poeta regressou ao Brasil após a sua estadia na Europa, e publicado pela primeira vez na revista “Pau Brasil”, aparecendo posteriormente no livro homónimo, de 1925.

            Por outro lado, a composição constitui uma paródia de “Canção do Exílio”, da autoria de Gonçalves Dias, de 1843, uma paródia forte e profundamente crítica contra a alienação social, marcada pelo humor. Dito de outra forma, estamos perante um diálogo entre um modernista do século XX (Oswald de Andrade) e um romântico do século XIX (Gonçalves Dias). O poema deste último, de cariz romântico, foi publicado na obra Primeiros Cantos, de 1857, e apresenta um sujeito lírico que, distante da sua terra natal, expressa a saudade da sua pátria através da lembrança da fauna e da flora características do Brasil. O título é diferente; possuem praticamente as mesmas palavras, mas, em vez de idealizar, ele exagera. Além disso, ambos os textos abordam o nacionalismo ao citarem a saudade da terra natal, paisagens brasileiras e riquezas do país.

            A intenção de Oswald de Andrade ao parodiar o poema de Gonçalves Dias passa por romper com as estruturas do passado, fazer uma revisão crítica histórico e cultural e evidenciar uma nova identidade brasileira, tudo características do Modernismo.

            O tema da composição prende-se com o nacionalismo, outro traço modernista, mas, apesar disso, o poema não deixa de evidenciar os aspetos negativos que fizeram parte da história brasileira ao mencionar o termo «palmares», que constitui uma alusão ao Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência à escravidão. De facto, ao referir-se-lhes, em vez de «palmeiras», faz uma alusão a Zumbi dos Palmares, um escravo fugido, símbolo da abolição, configurando, pois, uma referência crítica à escravidão no Brasil. De forma sintética, a referida substituição vocabular não foi aleatória, visto que «palmares” se refere ao local de resistência em que os negros escravizados se refugiavam, liderados por Zumbi dos Palmares. Assim sendo, este poema aponta para algo que é ignorado na poesia de Gonçalves Dias: o período da escravatura, que marca a identidade nacional (do Brasil). Por outro lado, quando o poeta usa o diminutivo «passarinhos», em vez de «aves», usado por Gonçalves Dias, rompe com a estética do Romantismo, uma forma de aproximar a linguagem da forma mais simples e livre possível, característica do Modernismo.

            Oswald de Andrade joga, logo nos versos iniciais, com os advérbios de lugar «aqui»/«lá», que sugere a distância espacial que separa o «eu» da sua terra, sendo que, no caso deste poema, a sua saudade é delimitada a São Paulo, à Rua 15, ao progresso de São Paulo. Ainda na primeira estrofe regista-se a quebra do canto do sabiá, na palmeira. A “terra” do «eu» “tem palmares”, onde quem gorjeia é o mar, facto geograficamente correto. No terceiro verso, o sujeito poético refere o canto dos passarinhos, desvinculando-os do espaço-referência da canção matriz (o sabiá a cantar na palmeira).

            A segunda estrofe gira em torno de uma ideia nacionalista, visto que o «eu» relaciona as virtudes da sua terra (“mais rosas, mais ouro, mais terra”).

            A terceira estrofe é uma sequência que confirma a ideia da anterior e nela o sujeito poético dirige uma súplica a Deus: que não o deixe morrer sem voltar à sua terra (“Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”). O último verso desta estrofe é retomado / repetido no primeiro da quarta e, no seguinte, em sequência, o «eu» especifica e delimita o «lá»: “Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”. Assim, a sua terra é São Paulo e o que lhe causa saudade é a Rua 15 (“Sem que veja a Rua 15”), símbolo do progresso e da pujança económica do Estado.

            Este poema expressa a saudade da sua terra, mas de modo menos idealizado do que os românticos faziam, já que, por exemplo, os elementos naturais, muitos valorizados pelos poetas românticos, como as “rosas” e os “passarinhos”, são referidos ao lado de elementos característicos do século XX, época em que esta composição foi dada à estampa, como a referência ao “progresso de São Paulo”, a qual sugere a ideia de um país que se industrializava. Por outro lado, São Paulo sintetiza toda a pátria brasileira.

            Outro traço modernista presente no poema prende-se com o uso da forma reduzida da preposição «para» no antepenúltimo do verso do poema, muito comum na oralidade e que se afasta da norma gramatical, em razão de os modernistas subvertem os padrões gramaticais com o intuito de aproximar a literatura da oralidade do português do Brasil.

Análise do "Manifesto Antropófago", de Oswald de Andrade


             O Manifesto Antropófago (ou Manifesto Antropofágico) foi escrito por Oswald de Andrade e publicado na primeira edição da Revista de Antropofagia, lançada em 1928, constituindo o principal texto do movimento modernista brasileiro.

            Este manifesto tem como vertentes a recusa da importação literária e a ideia de uma poesia e literatura realmente brasileiras: “olhar com olhos livres” foi a ideia que ficou como grande marca, pois significa que não se deve seguir nenhuma escola, mas usar as coisas como elas são. De facto, antes a cultura brasileira em geral limitava-se a reproduzir o que era feito no estrangeiro; agora, este texto clama aos artistas brasileiros por originalidade e criatividade, pretendendo celebrar o multiculturalismo, a miscigenação.

            A intenção passava por não negar a cultura estrangeira, mas absorvê-la, processá-la e misturá-la com os elementos da cultura brasileira, visando a promoção de uma independência cultural, a partir da intertextualidade e do beber em diversas fontes.

            O manifesto foi buscar a designação ao grego «Anthropos» (antropo), termo que significava “homem” e que está na origem de múltiplas palavras da língua portuguesa (antropologia, antropólogo, etc.). Por seu turno, “fagia” (fago) advém do grego «phagein», que queria dizer “comer”. Assim sendo, “antropófago” remete para a ideia de canibalismo, que, no manifesto, ganha um sentido simbólico e metafórico. Logo no início, o autor afirma o seguinte: “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Ora, estas frases sintetizam a ideia central do documento. Já no título encontrávamos uma palavra que remetia para o mesmo campo semântico. Neste caso, a ideia é a de que a cultura brasileira deve «comer», «deglutir» a cultura do «outro» (estrangeira) e incorporá-la na brasileira, expandindo-se para outros setores: social, económico e filosófico. Por outro lado, estamos na presença de outro dado simbólico: o canibalismo do índio tinha como objetivo incorporar as características positivas da sua vítima.

            Em sentido semelhante vai a apropriação adulterada de um extrato de Hamlet, peça de Shakespeare (“To be or not to be”): «Tupi, or not tupi that is the question». Trata-se de intertextualidade, da apropriação da cultura de outro povo para a adaptar à realidade local. Por outro lado, estamos na presença de uma forma de homenagem ao autor britânico e um gesto de criatividade ao proceder-se à reinterpretação de uma frase clássica.

            Por outro lado, o termo «manifesto» remete para uma “declaração pública em que se expõem os motivos que levaram à prática de certos atos que interessam a uma comunidade” ou para um “texto programático de uma escola literária ou de um movimento literário” (in Infopédia). Assim sendo, a escrita de um manifesto possui um viés político e ideológico e visa a persuasão.

            A ideia do manifesto surgiu quando Tarsila do Amaral, casada com Oswald de Andrade, lhe deu como presente de aniversário o quadro “Abaporu” (aba = homem; poru = que come), pintado em 1928. Ao ver a pintura, o poeta Raul Bopp questionou Oswald: “Vamos fazer um movimento em torno desse quadro?”


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