Português: 04/10/21

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

TikTok: a opinião de Régis Tadeu

Sermão de Santo António aos Peixes - Exórdio (cap. I)


Análise da cantiga "Bailemos nós já todas três, ai amigas"

 
Assunto: num ambiente rural e florido, logo convidativo ao amor e à alegria, as donzelas aprestam-se para bailar e dessa forma atraírem os amigos.
 
 
Tema: o convite às amigas para dançar = sedução dos amigos.
 
 
Sujeito poético: a donzela.
 
 
Interlocutor: as amigas.
 
 
Estrutura narrativa da cantiga
 
• Personagens:
▪ três donzelas / amigas
relação de proximidade: «amigas», «irmanas»
simbologia do número 3: a perfeição das donzelas (jovens e belas), a harmonia e a união entre as figuras femininas
 
▪ os amigos: ausentes, mas sempre presentes (no coração e pensamento das donzelas)
 
Relação entre as donzelas e as amigas:
relação muito próxima;
grande cumplicidade (a variação de «amigas» para «irmanas» evidencia essa cumplicidade).
 
• Ação: o baile debaixo das avelaneiras – dança = sedução
a donzela incita as amigas a bailar
consequência as donzelas amigas, belas e apaixonadas, dançarão como ela.
 
• Espaço
campestre e natural (o campo) – ruralismo (característica da cantiga de amigo):
▪ debaixo das avelaneiras
▪ debaixo das avelãs
▪ debaixo do ramo florido
• Tempo: o ambiente primaveril / a primavera (pois é a época em que florescem as avelanei árvores em flor            ras)
analogia entre o aspeto, a natureza primaveril e o estado de alma da donzela (alegria de viver)
 
 
Estado de espírito do sujeito poético
 


 Caracterização das donzelas


Papel das amigas: confidentes – a donzela apela às amigas que bailem, pois será através da dança que conseguirão atrair os namorados.


Recursos poético-estilísticos
 
1. Aspetos fónicos

• Estrofes/coblas/cobras: três sextilhas (4 + 2) heterométricas.

• Métrica: versos decassílabos, alternando com versos tetrassílabos no refrão.

• Rima:

- esquema rimático: aaabab

- emparelhada e cruzada

- rica (“velidas”/”frolidas”) e pobre (“amar”/”bailar”)

- grave (“velidas”/”frolidas”) e aguda (“amar”/”bailar”)

- consoante (“velidas”/”frolidas”)

• Refrão: intercalado, monorrimo; sugere o ritmo do baile a realizar; reitera o convite à dança realizado nas coblas. Introduzindo a condição «se amigo amar».

• Ritmo: mais rápido no refrão, coincidente com a alternância entre versos compridos e mais curtos.

• Transporte: vv. 1-2, 5-6, etc.

  
2. Aspetos morfossintáticos

• Nomes:

- “amigas”: as donzelas das cantigas de amigo;

- “amigo”: o objeto visado pela ação (a dança) das donzelas, isto é, a figura para quem pretendem dançar e, assim, seduzir;

- “avelaneiras”, “ramo”: indiciam o ambiente (espaço e tempo) em que ocorre o baile.

• Pronome «nós»: indicia uma ação coletiva.

• Adjetivos (“velida”, “louçana”): encarecem a beleza física das donzelas, afinal aquilo que, juntamente com a dança, atrairá os amigos.

• Verbos: encontram-se no conjuntivo/imperativo, na 1.ª pessoa do plural, e traduzem o apelo, a exortação à dança coletiva.

• Numeral cardinal três: especifica o número exato de donzelas; simboliza a harmonia e a perfeição.

• Interjeição «ai»: indicia a alegria do convite.

• Vocativo “ai amigas”: identifica as confidentes, o destinatário do convite para bailar.

• Tipos de frases: imperativas – traduzem o apelo/convite da donzela às amigas para dançarem.

• Anáfora: intensifica o apelo à dança.

• Paralelismo semântico (“louçanas”/”velidas”), estrutural e anafórico (“Bailemos”/”Bailemos”):

- salienta o objetivo do convite, evidente na repetição de “Bailemos nós já todas três” (vv. 1 e 7);

- sublinha a relação de proximidade afetiva entre as donzelas pela substituição da palavra “amigas” por “irmanas”;

- evidencia a consciência, por parte da donzela, de que ela e as suas amigas são belas, através da sinonímia entre “velidas” (v. 3) e “louçanas” (v. 9);

- exprime a passagem de uma visão geral do espaço (campo com avelaneiras onde as donzelas bailarão) para uma visão circunscrita (a árvore e o ramo sob o qual decorrerá a dança), através da substituição da expressão “avelaneiras frolidas” (v. 2) por “aqueste ramo destas avelanas” (v. 8);

- contribui para a cadência melódica da cantiga.

 
3. Aspetos semânticos

• Apóstrofe “Ai amigas”: identifica o destinatário do discurso da donzela.

• Comparações: enfatizam a beleza e a formosura das donzelas; incitam ao encontro, à dança e à celebração do amor pelas donzelas enamoradas.

• Metonímia: a alternância entre a árvore e o fruto permite identificar o sujeito poético feminino e plural com as avelaneiras/aveleiras.
  
 
Classificação
 
1. Cantiga de amigo: o sujeito poético é feminino.
 
1.1. Temática: bailia/bailada, pois nela há referências explícitas ao baile. Esta cantiga pode ler-se como um insistente incitamento à dança, impulsionado pela juventude, pelo amor, pela primavera.
 
1.2. Formal: cantiga de refrão e de estrutura paralelística.
 
 
Valor documental
 
            Esta cantiga reflete a existência de determinados festejos populares que se faziam à base de música e de dança; bailava-se em roda, cantava-se, batia-se com os pés e as mãos. Por outro lado, a dança enformava boa parte das cantigas de amigo dos séculos XIII e XIV. Regra geral, o tema tratado é a alegria de viver e amar.
            A descoberta das carjas, em 1948, veio revelar a existência, no território espanhol, de uma primitiva poesia feminina de extração romântica que se insere no lirismo árabe-andaluz. Quer a canção de mulher moçárabe quer a cantiga de amigo galego-portuguesa radicam num velho substrato lírico da Europa ocidental, que subentende um núcleo sagrado em que à mulher cabe uma relevante função sacerdotal. É talvez desses velhos ritos afrodisíacos, circunscritos ao culto maternal da fertilidade, que derivam as choreas psallentium mulierum que se destacam de entre as manifestações festivas que acolhem Afonso VII, aquando da sua entrada em Compostela em 1117. Seja como for, é no Ocidente peninsular que o tema arcaico da canção feminina, comum a uma remota tradição da România, subsiste com maior vigor e fidelidade a um esquema coreográfico que tem como fundamento a dança ritual. É essa a origem das nossas bailias, nas quais perdura o vestígio da árvore ritual, como exemplifica esta cantiga.
            Por outro lado, esta cantiga permite adivinhar a presença de motivos sexuais nestes poemas que depõem contra a moral sexual cristã. De facto, nesta composição não só temos uma mulher ativa como também uma que incita outras à ação de bailar. Esta atividade perfaz-se no encontro com outros homens (amigos/namorados) para a realização do desejo sexual, uma vez que o “ramo destas avelanas” é uma clara referência ao órgão sexual masculino. Dito de outra forma, a donzela convida as amigas a irem até campo de avelaneiras para encontrarem amigos e com eles terem a coita, estendendo essa possibilidade de realização do ato erótico a todas as jovens belas: “e quem for velida, como nós, velidas, / se amigo amar, / sô aquestas avelaneiras frolidas / verrá bailar”. Assim sendo, estes aspetos imprimem à cantiga uma liberdade sexual feminina, referente aos espaços rurais da Galiza da Idade Média. Isto permite olhar para as cantigas de amigo e as suas potencialidades simbólicas numa perspetiva nem moralista nem moralizante que não fecha os olhos à natureza erótica das mesmas. Por outro lado, permite fugir das generalizações acerca de uma cristianização homogénea e de um domínio absoluto da moral cristã no período medieval, bem como reconhecer o papel ativo da mulher durante a Idade Média.
            Em suma, nesta cantiga Aires Nunes recria um espaço medieval da vida coletiva, o baile e as festas populares, que constituíam os locais privilegiados de encontros amorosos.
 
 
Simbologia
 
• Número 3:
a perfeição das donzelas (belas e jovens);
a união e harmonia das donzelas.
 
• Dança / baile:
ritual que celebra a beleza, a juventude e o amor;
forma de exibição da formosura das donzelas e, portanto, da sedução dos amigos;
o amor, a sedução amorosa, fecundidade.
 
• Primavera e dança: tal como a Natureza, também as donzelas se encontram em «flor», isto é, são jovens, belas e estão na idade propícia ao amor.
 
• “Avelaneiras frolidas”:
ambas se caracterizam pela beleza;
remetem para a alegria e o vigor juvenis / primaveris – a alegria da natureza primaveril é associada à alegria dos jovens, expressa pela dança e pelo amor;
simbolizam a feminilidade, a beleza e a delicadeza;
simbolizam ainda a juventude e a fecundidade das donzelas (as flores).
 
• Ramos.
 
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