Português: 18/08/23

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

A presença do narrador em O Delfim


    O narrador desempenha dois papéis nesta narrativa: personagem e narrador. Além disso, é ainda escritor de profissão e reivindica a autoria do romance.
    Trata-se de um narrador homodiegético, ou seja, é uma personagem secundária que se desloca ali enquanto caçador que veio para a abertura da época de caça e cujos intentos foram malogrados.
    Enquanto personagem, entra em contacto com todas as demais que participam na intriga ou contribuem para o seu conhecimento / desvendamento. Estamos perante uma personagem que é um escritor de profissão, versado em artes e letras, bem como noutros domínios: a política (é um revolucionário – é um «furão», joga ao «olho vivo»); apresenta-se imbuído de um certo espírito científico (a lógica, o afã dos apontamentos, o hábito dos esquemas); conhece a teoria e a crítica literárias; experimenta-se em variadíssimos géneros e subgéneros. Vejamos:
a) é um leitor assíduo de jornais, revistas e muitas obras de autores portugueses e estrangeiros, clássicos e contemporâneos, cristãos e pagãos, eruditos e populares;
b) é um escritor documentalista, preocupado em obter a verdade dos factos e uma expressão isenta, com a frequente ilustração com esquemas facilitadores nas notas de rodapé;
c) é o poeta dos «vaga-lumes», poema visual à moda dadaísta, e autor de prosas poéticas do tipo «fumo»;
d) é o dramaturgo que parece aflorar nalgumas passagens, como, por exemplo, a conversa pitoresca entre o Batedor, o Cauteleiro e o Dono do Café, ou o diálogo que mantém com a estalajadeira no seu quarto, onde não faltam as didascálias;
e) é o copy-writer de algumas páginas do romance: «Visitez la Gafeira…»;
f) é um crítico de literatura que não se poupa à autocrítica;
g) é o orador que faz lembrar o Padre António Vieira;
h) é um etnógrafo, interessado e conhecedor de costumes e tradições, das sentenças e provérbios populares;
i) auto-intitula-se autor do romance.
    Além disso, o narrador é também o contador da história, ou o modo como esta se conta, se revela, e, ao revelar-se, se oculta, e, ao retrair-se, nos atrai, e, ao atrair-nos, nos distrai da revelação essencial. A história do romance é feita apenas das suas versões, que se empilham ao longo do texto.

Simbolismo de Edwin Aldrin

    Aldrin representa tudo o que é exterior à Gafeira, a diferença de mentalidade, o progresso tecnológico e científico do qual a localidade está completamente alheada. Convém ter presente que, quando o ser humano foi à Lua, muitas pessoas não acreditaram (ainda hoje há pessoas, sobretudo de idade mais avançada, que põe o facto em dúvida) naquilo que viram através dos ecrãs de televisão e diziam que era uma ilusão, um truque hollywoodesco.
    No entanto, os astronautas norte-americanos viajaram mesmo e uma bandeira foi hasteada na Lua à maneira do padrão dos Descobrimentos, facto que marca bem a diferença entre Portugal e outros países industrializados.

Simbolismo do retrato de Manolete


    Manolete foi um dos mais célebres matadores de touros de nacionalidade espanhola, tendo sido morto por um touro chamado Islero. O cartaz que anuncia a corrida onde perdeu a vida está exposto no bodegón. Assim sendo, por associação, Monolete é um símbolo de luta e de morte, física e espiritual, sendo esta última ainda mais importante do que a primeira. Além disso, a presença do cartaz no bodegón é uma ilustração do gosto marialva, que cultiva a tourada como espetáculo de coragem e nobreza, associando o Engenheiro aos emblemas rurais. É neste contexto que tem lugar a conversa no bodegón, onde se fala de política, das relações entre homem e mulher, de lutas, de mortes e na qual o Escritor mostra a superioridade socrática do seu discurso (cap. VIII).

Simbolismo dos vaga-lumes


    A personagem-narrador vai dar um passeio noturno, vê o farol das bicicletas dos «camponeses-operários» e faz um poema «poema-galáxia», associando o farol da bicicleta a um vaga-lume, a um pirilampo. Esse poema visual, de inspiração dadaísta, afirma que os vaga-lumes veem sobre a aldeia. Ora, o vaga-lume é como uma estrela que, ainda que produza pouca luz, sempre constitui um obstáculo à escuridão. Note-se que o farol de uma bicicleta pode também simbolizar uma espécie de guia, de sinal, ou seja, é simbólico.
    Observe-se, neste contexto, que o poema tem a forma de uma chave, como se indicasse que a solução para o fim do regime vigente assentava no povo.
    Tudo isto parece ser confirmado pelo Padre Novo, que, quando conta ao Escritor que viu o Engenheiro no posto da Shell, vai acendendo e desligando os faróis do seu carro com um ar distraído, avisando os camponeses-operários que o inimigo foi avistando.

Simbolismo dos cães


    Em virtude da opressão e da repressão ideológica promovida pelo Estado Novo, não havia liberdade de expressão, pelo que era necessário encontrar uma forma de passar a mensagem de modo sub-reptício e não acarretar problemas.
    Os cães representam os donos, tal como na fábula os animais simbolizam os homens. Por exemplo, no capítulo VII, estes animais são associados aos donos, logo são tratados de forma simbólica, enquanto, no oitavo, se volta de novo para o nível mais concreto.
    O narrador conduz o leitor no processo de leitura da obra, instituindo explicitamente alguns elementos como simbólicos ou escrevendo certas palavras em itálico, para as destacar e elas não passarem despercebidas. O leitor ideal, aquele que o autor busca, é o leitor-furão, pois este pode aperceber-se do nível subversivo do texto, porque está atento e vai “juntando as peças deste jogo até completar o seu puzzle narrativo.”

Simbolismo do furão


    Escritor-furão é a metáfora de um escritor que se opõe ao Estado fascista. Um furão é um animal predador da família da marta ou do arminho, extremamente eficiente, que captura a sua presa tão rapidamente que é impercetível ao olho humano, incapaz de ver todos os seus movimentos de ataque.
    A caça com furão é furtiva e, por isso, proibida. O animal é usado para caçar coelhos da seguinte forma: o dono do furão tapa com uma rede todas as saídas prováveis da toca; de seguida, coloca o bicho numa das entradas e, das duas uma, ou o furão mata o coelho e depois vem entrega-lo ao dono, ou então a presa consegue fugir-lhe, acabando por cair numa das redes montadas à saída dos buracos.

Simbolismo do fumo


    A palavra «fumo» e as suas variantes (névoa, neblina ou nevoeiro, bruma, vapor, fumaceira, fumarada) remetem para opacidade, dificuldade de visão. No entanto, se for perspetivado do ponto de vista simbólico, o fumo lembra-nos atmosferas tétricas de filmes de terror do género Drácula e de outros demónios, ideia que acaba por ser corroborada pela série de defuntos, almas penadas e cães-fantasmas que são vistos de noite.
    De igual modo, são recordados os fumos da Índia, ou seja, a empresa dos Descobrimentos. De facto, o nevoeiro está muito associado à figura de D. Sebastião e ao mito que se criou em seu redor – o Sebastianismo –, morto na batalha de Alcácer Quibir, episódio que levou à perda da independência nacional e ao domínio filipino. De acordo com a lenda, D. Sebastião, à semelhança do rei Artur, voltaria numa manhã de nevoeiro para resgatar a glória da pátria.
    Por último, a palavra «fumo», além de contribuir para a caracterização da Gafeira, metonimicamente do Portugal de então, acompanha e mimetiza o desgaste físico e psíquico da personagem-narrador, que fuma continuamente e vai fazendo baixar o nível do seu cantil carregado com a excelente aguardente de peras.

Séries de animação do meu tempo: "Era uma vez..."


    "Era uma vez..." é o título de uma franquia de origem francesa criada em 1978, dirigida por Albert Barillé. A primeira série intitula-se "Era uma vez... o Homem", a que se seguiram outras, como "Era uma vez... o Corpo Humano" ou "Era uma vez... o Espaço".
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