● Assunto: o sujeito poético encara o ato
de escrever poesia, por mais ínfimo que seja, como essencial à vida do poeta.
● Título
O título sugere que a poesia está presente em tudo na nossa vida,
desde a realidade mais simples e ínfima, como, por exemplo, a sílaba.
● Análise
▪ O sujeito poético abre o poema, afirmando que passou toda a manhã à procura de uma sílaba. Esta referência sugere que o ato de escrever poesia é um processo demorado, paciente e pormenorizado: a procura ocupa uma manhã inteira, sendo feita, portanto, de forma lenta e cuidadosa. Em suma, a escrita poética é um processo lento/moroso, aturado e demorado. Repare-se, aliás, na relação que se pode estabelecer desde já desta composição com o título da obra de que faz parte: Ofício de Paciência.
▪ A criação poética é um ato de conquista de cada palavra e é exemplificado através da busca da sílaba perfeita ao longo de uma manhã. Essa sílaba é entendida como fundamental, crucial (“faz-me falta. Só eu sei / a falta que me faz.”).
▪ A conjunção coordenativa adversativa («mas») estabelece uma relação de contraste com os três primeiros versos: o sujeito poético mostra que tem consciência («é certo») da aparente «insignificância» da sílaba (“É pouca coisa”, “quase nada”), mas ela faz-lhe falta, é crucial para que o poema esteja depurado (“Mas faz-me falta.” – v. 4). Por outro lado, isto mostra a insatisfação do sujeito poético; além disso, o processo de criação poética, laborioso como é, está atento ao mais elementar constituinte da palavra: “uma vogal, / uma consoante”.
▪ O verso 6 reafirma, ou confirma, que o ato de escrever poesia é “um processo aturado de atenção, pormenor e rigor” (CAMEIRA, Célia et alii, Mensagens): “Por isso a procurei com obstinação.”.
▪ Essa procura obstinada da sílaba é mais facilmente entendida se a relacionarmos com as referências às estações do ano: a sílaba que irá formar a palavra que irá constituir o poema será o princípio do processo de criação de um produto artístico que permanecerá para além do “frio de janeiro” ou da “estiagem / do verão”, isto é, que permanecerá no tempo.
▪ De facto, o verso 7 apresenta a poesia como uma forma de defesa “do frio de janeiro, da estiagem / do verão”, ou seja, da passagem do tempo. Esta referência às estações do ano constitui então uma metáfora precisamente da passagem do tempo e da efemeridade da vida.
▪ Assim sendo, esta sílaba representa a «salvação» do sujeito poético face à voragem do tempo. Para se defender dela, ele necessita de encontra a sílaba certa (“Uma sílaba. / Uma única sílaba.” – vv. 9-10), ou seja, o poema (sinédoque). O poema / a poesia é a forma que o “eu” lírico encontrou para sobreviver à passagem do tempo.
▪ A sílaba representa a construção do poema, que implica uma busca constante da palavra exata, que conduzirá ao poema «perfeito». Não é uma palavra qualquer que serve para um determinado poema; as palavras combinam-se, nos versos, pelos seus sentidos, sons, etc. Como refere Alberto Caeiro no poema XXXVI, o poeta que é artista põe verso sobre verso, como quem constrói um muro, vê se está bem e tira se não está.
▪ O que está aqui em causa é a busca incessante
do sujeito poético pela palavra, pelo verso, em suma, pela poesia que o
salvará. A arte poética, um dos temas poéticos preferidos de Eugénio de
Andrade, constitui, neste poema, uma reflexão sobre a própria composição
poética (aquilo que se costuma designar metapoesia, ou seja, a poesia
sobre a própria poesia), na qual o «eu» procura essa «sílaba» que lhe falta.
● Conceção de arte poética
A poesia é encarada como uma salvação essencial à vida do poeta, uma
defesa contra a passagem do tempo, bem como uma vida para a redenção, um
instrumento na busca pela perfeição.
Por outro lado, o processo de criação poética é uma tarefa aturada,
obstinada, laboriosa e de difícil execução.
● Estrutura formal
▪ Estrofe: uma décima.
▪ Versilibrismo: o poema é constituído por
um número diferente de sílabas métricas.
▪ Rima: ausência de um esquema rimático definido.