Português: 10/02/24

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Análise da cena 1 do ato II de Hamlet


    Esta cena, que abre o segundo ato, pode dividir-se em duas partes. Na primeira, encontra os o diálogo entre Polónio e Reinaldo sobre Laertes e, na segunda, o diálogo entre aquele e Ofélia sobre Hamlet. Do conjunto, ressalta o desenvolvimento da personagem Polónio, que é apresentado como um manipulador astuto e um homem sem escrúpulos que quer espiolhar a vida de Laertes. Se é verdade que, frente a frente, Polónio o trata como alguém em quem se pode confiar, quando o jovem parte para França, desconfia do seu comportamento e chega ao extremo de ordenar ao seu espião que lance boatos desabonatórios sobre o filho, usando o engano e a artimanha falsa para o testar, não parecendo nada preocupado que a reputação do rapaz seja manchada e, indiretamente, a sua própria. Por outro lado, o modo como instrói Reinaldo é semelhante à forma coimo Cláudio, na cena 2 do ato I, procurou manipular a corte. Deste jeito, o discurso e as palavras tornam-se peça fulcral na tentativa de manipular os outros e controlar a sua visão dos factos e da verdade. Neste contexto, Shakespeare estabelece uma analogia transparente: se Cláudio assassinou o rei Hamlet derramando veneno no seu ouvido, também as palavras pode constituir um veneno para determinados ouvidos. Assim, as referências aos ouvidos e á audição constituem uma metáfora do poder das palavras na manipulação da verdade.

    O segundo diálogo – entre Polónio e Ofélia – também assenta nesta oposição entre a verdade e o engano, a aparência e a realidade. A relação entre Hamlet e Ofélia é caracterizada por mal-entendidos e suposições sem fundamento. Apesar de a rapariga ter prometido – e cumprido – que se afastaria do príncipe, tal não significa que ela pensasse que seria maltratada por ele. Apenas o faz, porque é uma irmã e uma filha obediente e dócil. Porém, após a mais recente atitude de Hamlet, a jovem fica mais convencida do que nunca que Hamlet sente alfo profundo por si, pois comporta-se como se estivesse terrivelmente apaixonado por ela. Na realidade, todavia, essa postura inscreve-se no plano de Hamlet para vingar a morte do pai, pois ele disse a Marcelo e a Horácio, após o diálogo com o fantasma, que poderia agir de forma estranha nos dias seguintes. Sucede, contudo, que Ofélia não sabe isso, pelo que se estará a iludir com algo que não corresponde à realidade: o príncipe está a comportar-se como um louco. Além disso, será que o casamento da sua mãe com o tio não alterou negativamente a sua opinião sobre as mulheres? Seja como for, por mais estranho que possa parecer. Há uma semelhança entre as duas personagens: Hamlet, de forma astuta, finge ser louco; Ofélia, por sua vez, ainda que forçada, finge desinteresse por ele.

    À semelhança do que sucede noutros momentos da peça, esta cena, articulada com as anteriores, mostra com toda a clareza que a sociedade em que as personagens se movimentam é uma sociedade patriarcal: Ofélia “tem de” obedecer ao pai e ao irmão, que possuem autoridade sobre ela. Apesar disso, tendo em conta o desenrolar dos acontecimentos, os conselhos que lhe dão parecem sensatos. De facto, sendo verdade que Hamlet está a usá-la para um fim que só ele conhece e sendo possível que sinta genuinamente afeto por ela, tudo parece indicar que a rapariga se tornou um peão no seu plano para se vingar de Cláudio.

Resumo da cena 1 do ato II de Hamlet

    De regresso ao castelo, Polónio envia Reinaldo, seu servo, a França, com dinheiro e instruções para seu filho Laertes. Antes de partir, instrui-o no sentido de investigar discretamente o comportamento e a vida pessoal de Laertes, misturando-se no círculo social do jovem. Para tal, deve fazer-se passar por um conhecido casual e espalhar alguns rumores negativos sobre o filho, nomeadamente sobre jogo, bebida, esgrima e linguagem. De seguida, o enviado deverá observar as reações dos amigos de Laertes para determinar se esses rumores correspondem ou não à realidade.
    Quando Reinaldo sai, Ofélia entra em cena, pálida e perturbada. Interrogada por Polónio acerca do seu estado, a rapariga conta que Hamlet foi ao seu quarto desgrenhado e confuso, a agarrou, segurou e olhou intensamente, sem, no entanto, lhe dirigir a palavra. Acreditando que Hamlet está louco de amor por Ofélia, sobretudo por a jovem o ter rejeitado e distanciado dele desde que o próprio Polónio ordenou que ela assim fizesse, pergunta-lhe se disse algo que o tivesse perturbado. A jovem responde negativamente, apenas lhe devolveu as suas cartas e negou-lhe qualquer tipo de contacto, seguindo as instruções de Polónio. De seguida, corre a contar ao rei o que está a acontecer.

Análise da cena 5 do ato I de Hamlet


    A revelação do fantasma de que o velho rei Hamlet foi assassinado pelo próprio irmão, Cláudio, mostra como a ambição pelo poder pode levar algumas pessoas a cometer os crimes mais hediondos. Por outro lado, revela que a corte e a nobreza dinamarquesas estão corruptas e degradadas, pois parece que a ascensão de Cláudio ao trono com base no crime foi bastante fácil e não obteve grande oposição ou objeto de questionamento. Tal como ainda hoje sucede, com os casos de compadrio, corrupção (ou da chamada cunha), que se acumulam por todo o lado, o sistema político e de governo da Dinamarca parecem ser particularmente vulneráveis a este tipo de atos criminosos. Assim sendo, Marcelo parece ter acertado no alvo quando afirmou, na cena anterior, que algo estava podre no reino da Dinamarca. De facto, algo está: o sistema político, a governação, o caráter e a integridade da monarquia.

    O pedido de vingança que o fantasma dirige ao jovem príncipe – justiça retributiva – levanta questões relevantes. De facto, tal pedido seria considerado, hoje em dia, um crime e um ato condenável a todos os títulos. Tal não era o caso na época em que a ação decorre, visto que o gesto de matar o assassino do próprio pai seria não só aceite, como até esperado, e estaria intimamente ligado às ideias de família, honra e dever. Deste modo, é evidente que o jovem Hamlet sentirá, a partir desta cena e do encontro com o espectro, a pressão de concretizar o seu pedido. Não o fazer mancharia a sua reputação e deixaria o nome da família por vingar.

    Juntamente com essa pressão, ou fazendo parte integrante dela, estão outras questões, como, por exemplo, quando e como executar a vingança. De facto, assassinar um rei não é uma tarefa simples e fácil de executar. Além disso, a revelação do fantasma vem confirmar as suspeitas do jovem príncipe, que sempre desconfiou da postura do tio. Teria ele pressentido desde sempre o seu caráter e a sua participação no crime? Seja como for, agora que ouviu da boca do fantasma do próprio pai a verdade, não lhe restará outra alternativa se não executar a vingança.

    Por último, as novas informações permitem estabelecer um paralelo entre Hamlet e Fortinbras, dado que ambos viram os seus pais morrer recentemente e, embora em circunstâncias diferentes, ambos se sentem pressionados a vingá-los.

    Como fica a rainha Gertrudes no meio deste imbróglio? Determinadas referências, ao longo da cena, ao incesto permitem concluir que, na ótica do fantasma do seu ex-marido, a monarca se está a comportar de forma imoral, desde logo pelo facto de ser casado com o irmão do próprio marido, portanto seu cunhado até ficar viúva. Além disso, há a considerar a questão de Gertrudes não ter esperado muito tempo desde a morte do primeiro esposo para voltar a casar. Podemos interrogar-nos: porquê? Desconfiaria ela do até então cunhado e recearia ser a próxima vítima se se opusesse aos seus intentos? Ou tratar-se-ia apenas do caso de uma mulher que vive no seio de uma sociedade governada por homens, que, portanto, não possui uma voz livre e independente e que é pressionada (ou, pelo menos, se espera tal) a casar novamente? Tendo tudo isto em conta, a fúria do fantasma dirigida a ela (que o leva a dizer ao filho que não estenda a vingança à mãe, para que seja ele próprio a exercê-la no Céu) ou é justificada porque o espírito sabe algo que mais ninguém conhece, ou não tem em consideração as pressões que uma mulher na sua situação e posição social sofreria e às quais seria difícil resistir.

    Por último, a finalizar a cena, Hamlet diz a Marcelo e Horácio que não estranhem o seu comportamento nos próximos dias, o que se justifica pela conversa que manteve com o fantasma e tudo o que dela resultou ou resultará. Quem agiria da mesma forma que dantes depois de ter recebido tais notícia?

Resumo da cena 5 do ato I de Hamlet

    Hamlet segue o fantasma até outra parte da muralha do castelo, mas eventualmente cansa-se e exige que lhe diga o que pretende. O espectro concorda e confirma que é o espírito do seu pai e que retornará, em breve, para o purgatório, mas tem algo importante para dizer ao filho. Assim, informa-o que foi assassinado de forma hedionda e antinatural, o que deixa o jovem príncipe horrorizado. O espectro prossegue a sua narrativa: afirma que a morte do rei Hamlet, supostamente causada pela picada de uma serpente, foi, na verdade, causada por Cláudio, que derramou veneno no seu ouvido enquanto dormia no jardim. Esta informação confirma os piores temores do príncipe relativamente ao tio. De seguida, o fantasma pede a Hamlet que o vingue, dizendo-lhe que o tio corrompeu a Dinamarca e Gertrudes, a rainha, tendo-a arrancado do amor puro que vivi no seu primeiro casamento, para a mergulhar na luxúria ignominiosa da sua união incestuosa. Porém, embora insista na exigência da vingança, o espectro diz ao príncipe para não agir contra a sua mãe, devendo “deixá-la para o céu” e para as dores com que a sua própria consciência a atormentará.
    Quando a manhã irrompe, o fantasma desaparece, deixando o príncipe simultaneamente triste, enraivecido e confuso com o que ouviu. É nesse estado que Marcelo e Horácio o encontram e o questionam, ansiosos, acerca do que aconteceu entre ambos. No entanto, abalado e muito agitado, hesita em revelar os detalhas da conversa, temendo uma traição. Assim, pede-lhes que não lhe façam mais perguntas e que mantenham em segredo os últimos acontecimentos, fazendo-os jurar pela sua espada. Além disso, Hamlet avisa-os que poderá agir de forma estranha e fingir-se de louco, mas que não poderão revelar qualquer conhecimento do fantasma ou do seu encontro. A voz do fantasma ecoa três vezes debaixo do solo, gritando-lhes que jurem. Marcelo e Horácio prestam juramento sobre a espada de Hamlet e os três regressam ao castelo. Ao partirem, o príncipe lamenta a responsabilidade que agora carrega nos seus ombros: vingar a morte do pai.

Análise da cena 4 do ato I de Hamlet


    Esta cena curta e de transição permite o primeiro encontro de Hamlet com o fantasma que se supõe ser do seu pai. Além disso, possibilita a mistura de elementos de diferentes cenários, contrariando a tendência verificada até então de se apresentarem cenários diversos separados e individualizados. Hamlet, por exemplo, tinha estado associado aos espaços interiores de Elsinore, porém agora surge enquadrado na escuridão do seu exterior. De modo semelhante, o ambiente de terror ficara circunscrito ao seu exterior e separado do que se passa no interior do castelo, porém, nesta cena, o som da festa de Cláudio rompe as paredes e chega ao exterior, aos ouvidos de Hamlet e dos seus companheiros durante a noite. Note-se que essa folia serve essencialmente para manchar o caráter de Cláudio, dado que está mais interessado em celebrar a sua ascensão ao trono do que em honrar a memória do irmão recém-falecido. Hamlet considera que este tipo de coisas prejudica a imagem da Dinamarca perante as outras nações e considera estas celebrações como um sinal da corrupção do Estado, acrescentando que o álcool leva a que os defeitos de caráter de algumas pessoas se sobreponham às suas qualidades. Apesar de Cláudio não ser o primeiro governante dinamarquês a entregar-se a tal folia, parece ser opinião do jovem príncipe que esta é excessiva.

    A cena muda drasticamente com o aparecimento do fantasma, que também é associado a uma imagem de decadência da nação, nomeadamente quando Marcelo faz a sua famosa afirmação, segundo a qual algo está podre no reino da Dinamarca. Por outro lado, a aparição do espectro permite estabelecer um contraste entre o relacionamento de Hamlet com o seu pai e com o seu tio, de quem está distante e tem uma visão muito negativa.

    Além disso, o episódio permite destacar a tristeza do jovem príncipe e o pouco valor que atribui à sua vida. Convém também ter presente que, como Hamlet não sabe o que existe para além da morte, não consegue ter a certeza se o fantasma é realmente o espírito do seu pai ou se é um demónio vindo do Inferno para o destruir. Essa incerteza condu-lo a tecer considerações dolorosas sobre a moral, já abordadas igualmente na cena inicial, quando se alude ao seu desejo de se matar.

    Por sua vez, o tema da loucura também está presente e é suscitado por Horácio quando procura demover Hamlet de seguir o fantasma e sugere que isso poderá privá-lo da razão e mergulhá-lo na loucura. Assim sendo, esta temática assume um papel relevante na peça, nomeadamente no que toca ao príncipe.

Resumo da cena 4 do ato I de Hamlet

    A cena desenrola-se à noite. Hamlet, Horácio e Marcelo esperam nas muralhas de Elsinore que o fantasma apareça. Do interior do castelo, pouco depois da meia-noite, chegam sons de folia: é o novo rei e os seus cortesãos que festejam e bebem, de acordo com os costumes dinamarqueses. Incomodado, o jovem príncipe mostra-se favorável ao fim desse costume, argumentando que tal celebração mancha a reputação da Dinamarca, tornando-a motivo de chacota junto das outras nações e diminuindo o valor e a importância das suas conquistas. E prossegue a sua fala, aludindo ao modo como as falhas de um indivíduo podem ofuscar as suas qualidades.
    O fantasma aparece e Hamlet questiona-o, perguntando-lhe se ele é o espírito do seu pai e quais são as razões que o levaram a deixar o túmulo e vir para Elsinore. O fantasma faz-lhe sinal para que o siga e, apesar dos avisos dos seus amigos para que não o faça, advertindo-o de que o espírito o pode conduzir ao perigo, Hamlet decide segui-lo alegando que nada teme, pois não valoriza a sua vida. Horácio e Marcelo tentam contê-lo, mas ele exige que o soltem e até desembainha a espada quando os amigos não obedecem e afirma-lhes que os transformará em fantasmas se não o deixarem seguir o espectro. Marcelo e Horácio cedem, Hamlet segue a aparição e desaparece na escuridão, enquanto os dois primeiros veem no acontecimento um mau presságio para a nação. Volvidos alguns momentos, os dois amigos seguem Hamlet e o fantasma. Marcelo comenta, então, que algo está podre no reino da Dinamarca.

Análise da cena 3 do ato I de Hamlet


    A cena é constituída por diálogos entre os dois irmãos e depois entre o pai e os seus filhos. Se a cena II serviu para anunciar o contraste entre Hamlet e Laertes, esta acentua-o e clarifica-o. De facto, na cena anterior, o leitor fica a conhecer a profunda divisão existente no seio da família de Hamlet, em confronto com a normalidade que se faz sentir na casa de Polónio. Ao longo da peça, por outro lado, ficará bem patente a diferença entre Laertes e Hamlet, pois, enquanto este hesita em levar a cabo a vingança do seu pai, Laertes não hesita e mostra-se determinado em vingar a morte do seu. De um lado, temos um jovem príncipe contemplativo e hesitante e, do outro, um ativo, determinado, obstinado e afetuoso Laertes.

    Por outro lado, a cena permite que o leitor fique a conhecer as personagens da família de Polónio. Assim, Laertes, quando questiona a irmã acerca do seu relacionamento com Hamlet e a aconselha, mostra ser o irmão mais velho atento, carinhoso e preocupado com a sua jovem irmã. Além disso, mostra-se confiante e prático, possuidor de um raciocínio direto e uma forma de ser e agir gentil. Sendo mais velho e na qualidade de homem que já esteve para lá dos portões de Elsinore e das fronteiras da Dinamarca, é alguém mais experiente do que a irmã e que tem consciência das questões que a atenção de Hamlet pode causar à reputação de Ofélia.

    Por seu turno, esta última deixa clara a sua juventude e inexperiência, mas também sincera e transparente no que diz respeito ao seu amor pelo príncipe. De facto, quando questionada pelo irmão e pelo pai, Ofélia poderia mentir, porém ela revela o que está a acontecer e é sincera no seu amor por ele, acreditando igualmente na sinceridade do afeto do príncipe. Em contrapartida, esta postura revela uma certa ingenuidade e desconhecimento do lado mais sombrio que pode residir nas intenções de um jovem relativamente a uma mulher igualmente jovem.

    Já Polónio apresenta-se, no diálogo com o filho, como um pai conselheiro, atento, preocupado e paternalista, tendo a forma como o aconselha acerca do modo de se comportar em França. Este discurso permite também estabelecer um contraste entre o amor paternal de que Laertes desfruta e o sentimento de perda e estranhamento de Hamlet, em virtude sobretudo do falecimento de seu pai. Além disso, se os filhos parecem ser sinceros e diretos, Polónio parece ser um homem algo egocêntrico e com uma visão eminentemente político das coisas e da vida, mesmo em situações que envolvem Laertes e Ofélia.

    Por último, a cena releva o contraste entre a realidade e as aparências, a propósito das verdadeiras intenções de Hamlet relativamente a Ofélia. O que quer ele dela? Será sincero ou estará a enganá-la? Neste contexto, a postura e o pensamento de Polónio são muito interessantes. De facto, está mais preocupado com as repercussões que as ações da filha podem ter na reputação dele do que com a sorte dela. Motivações semelhantes parecem estar subjacentes aos conselhos que dá a Laertes: a preocupação essencial centra-se nas aparências exteriores e não no interior de cada personagem.

Resumo da cena 3 do ato I de Hamlet


    Em casa de Polónio, Laertes prepara-se para partir para França. Ao despedir-se da irmã, Ofélia, alerta-a para os perigos de se apaixonar por Hamlet, que, segundo ele, é temperamental e comprometido com as necessidades da Dinamarca. De facto, uma pessoa na posição do jovem príncipe não tem a liberdade de escolher a companheira que entender e o bem-estar de um país pode depender dessa escolha. Retribuir o afeto de Hamlet poderia comprometer a sua reputação, por isso aconselha-a a protege-la, preservar a sua virgindade e evitá-lo e ao perigo, que o desejo configura. Ofélia promete levar a sério o conselho do irmão, mas, atrevida, pede que não lhe dê conselhos que ele mesmo não adota, ao que Laertes retorque que saberá cuidar de si.

    A entrada de Polónio para se despedir do filho interrompe a conversa dos dois irmãos. O pai adverte-o para se apressar e correr para o seu navio, pois já está atrasado, nas acaba por o atrasar ainda mais, dando-lhe inúmeros conselhos sobre como se comportar com integridade e patriotismo. Assim, diz-lhe que deve conservar os seus pensamentos para si; que deve evitar agir de forma precipitada; que deve fazer amigos, mas confiar apenas naqueles que provarem a sua lealdade; que deve evitar envolver-se em disputas, mas lutar corajosamente se for necessário; que deve ouvir mais do que falar; que deve vestir-se bem, mas não de forma espalhafatosa; que deve abster-se de pedir emprestado ou emprestar dinheiro; e, finalmente, que deve manter-se fiel a si mesmo e aos seus princípios.

    Laertes despede-se novamente de Ofélia e do pai e parte, recordando a irmã dos seus conselhos. A sós com a filha, Polónio pergunta-lhe o que conversou com o irmão e ela responde-lhe que tinha a ver com Hamlet. O pai diz-lhe que, de facto, tem notado que Hamlet e Ofélia têm passado muito tempo juntos ultimamente e pede-lhe que lhe revele a natureza do seu relacionamento. A jovem responde-lhe que Hamlet lhe diz amá-la, o que leva Polónio a ecoar os conselhos de Laertes, mostrando-se muito cético relativamente às reais intenções do príncipe. Ofélia insiste na sinceridade de Hamlet, contudo o pai adverte-a de que aquele é muito jovem e a enganou no seu amor por ela e, por isso, deveria rejeitar o seu afeto. Ofélia promete obedecer ao pai e afastar-se do príncipe.

Análise da cena 2 do ato I de Hamlet


    Esta cena começa por nos fornecer uma primeira visão do novo casal real e do seu relacionamento tenso com o príncipe Hamlet. O novo monarca parece procurar vencer a atmosfera sombria que o falecimento do anterior rei instalou no seio da corte. No entanto, a alegria parece superficial, o que é perfeitamente compreensível, dado que Cláudio está a tentar harmonizar um clima de tristeza e dor pela morte do irmão com a felicidade de ter desposado a esposa dele.

    A impressão com que o leitor fica de Cláudio é negativa. Como explicar o conselho que dá a Hamlet no sentido de parar de lamentar a morte do pai e de se adaptar a uma nova vida. Sucede que o príncipe desconfia do tio e não quer os seus conselhos. Mais do que isso, ele olha com estranheza para a morte do pai, o que é acentuado quando fica a saber da aparição repetida do fantasma, pois há a crença de que os espíritos aparecem frequentemente em busca de vingança para as suas mortes. Por outro lado, a sua atitude e comentário hostis durante a conversa com Cláudio parecem indiciar o seu ressentimento e desconfiança relativamente ao tio.

    Outro aspeto interessante desta cena é a relação entre mãe e filho. Assim, por um lado, quando Gertrudes pede ao filho que não regresse à universidade e permaneça em Elsinore mostra que ela gosta de Hamlet e o quer perto de si. O facto de o príncipe acatar o pedido é revelador também da obediência e dedicação à mãe. No entanto, no seu solilóquio, Hamlet revela a deceção com a progenitora por se ter casado tão rapidamente após a morte do primeiro marido, ainda por cima com o homem que era seu cunhado e a imagem que tinha do matrimónio dos seus pais era marcado pelo amor e compromisso entre ambos. Deste modo, o príncipe não consegue compreender que ela possa ter consentido num relacionamento com Cláudio, que Hamlet considera não estar à altura do seu pai.

    Não obstante, Hamlet parece ignorar as circunstâncias que rodeiam a existência da mãe. De facto, Gertrudes, enquanto mulher, não tem nem de perto nem de longe o mesmo poder que o filho ou outros membros da corte. Apesar de ser a rainha da Dinamarca, vive numa sociedade dominada por homens, uma sociedade que esperava que ela casasse de novo. Isto significa que o olhar crítico que o príncipe dirige à mãe é injusto e precipitado, pois não tem em conta as pressões externas a que está sujeita. Estamos ainda bem distantes de um tempo de uma rainha Vitória ou Isabel II. 

    Seja como for, parece claro que Hamlet sente que é desonroso para a mãe ter casado com o ex-cunhado, o que é visível, por exemplo, quando associa esse matrimónio ao incesto, o que significa que viola um certo código de ética, visto que, em termos práticos, não há incesto, dado Gertrudes e Cláudio não serem parentes. Assim sendo, Hamlet critica, sobretudo, aquilo que considera uma falta de respeito para com o seu pai.

    Uma outra questão suscitada pela cena é a imagem da Dinamarca como nação. Tudo o que é exposto aponta para um clima de corrupção, fraqueza e decadência que se instalou na corte, não só a história em torno de Cláudio, mas também o facto de Fortinbras pensar guerrear a Dinamarca por considerar que esta se encontra vulnerável. Outro exemplo que contribui para a construção desta imagem é o facto de Hamlet pôr a hipótese de o fantasma ter algo sujo a revelar. Será por tudo isto que não se mostra disponível para participar na tentativa do tio de construir uma imagem saudável e feliz da corte.

    Por último, há um momento em que Hamlet parece contemplar o suicídio, porém tal não se coaduna com a ideologia cristã que caracteriza a peça. De facto, de acordo com a religião de índole cristã, o suicídio constitui um pecado mortal, logo condena o suicida ao sofrimento terno no Inferno.

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