A psicologia de
William James, difundindo o conceito de corrente da consciência, revelando a
existência de recordações, pensamentos e sentimentos fora da «consciência
primária», e a psicanálise de Freud, fazendo emergir da sombra as estruturas
ocultas do psiquismo humano, impulsionaram poderosamente essa nova espécie de
romance - o romance das profundidades do eu.
A
desvalorização da diegese, acompanhada de um singular aprofundamento da análise
psicológica da personagem, caracteriza particularmente o chamado romance
impressionista de James Joyce e de Virgínia Woolf. É muito possível que, no
romance impressionista, tenha atuado como poderoso estímulo o desejo de reagir
contra o cinema mudo, semelhantemente ao que sucedera na pintura, onde o
impressionismo representara uma reação contra a fotografia. O cinema, na
verdade, podia traduzir um enredo movimentado e rico de peripécias, mas não
conseguia apreender a vida secreta e profunda das consciências. É esta vida
recôndita que o romance impressionista procura devassar, através do ritmo
narrativo extremamente lento, tão peculiar de Virgínia Woolf, e através da
técnica do monólogo interior, tão cultivada por James Joyce. Virgínia Woolf
esforça-se cuidadosamente por exprimir, de modo subtil, minudente e não
deformador, os estados e as reações da consciência, embora tais conteúdos subjetivos,
muitas vezes, pareçam e sejam absurdamente fragmentários e incoerentes. O homem
não se preocupa apenas com as suas relações pessoais, com a maneira de ganhar
dinheiro ou de adquirir um lugar na sociedade: «uma larga e importante parte da
vida consiste nas nossas emoções perante as rosas e os rouxinóis, as árvores, o
pôr do sol, a vida, a morte, e o destino». O romancista tem de se ocupar destes
estados fluidos, nostálgicos e iridescentes, razão por que, segundo Virgínia
Woolf, os romances «que se escreverem no futuro, hão de assumir algumas das
funções da poesia. Dar-nos-ão as relações do homem com a natureza, com o
destino, as suas imagens, os seus sonhos. Mas o romance dar-nos-á também o riso
escarninho, o contraste, a dúvida, a intimidade e a complexidade da vida».
O Ulisses de James Joyce
constitui uma das tentativas mais audaciosas até hoje realizadas no domínio
romanesco para apreender a «intimidade e a complexidade da vida» de que fala
Woolf. O seu enredo, no sentido tradicional do vocábulo, é mínimo: limita-se a
ser a história de tudo o que acontece, no dia 16 de junho de 1904, a Leopold
Bloom, um judeu de Dublin. E tudo o que acontece a Bloom não sai fora dos
limites habituais da vida estereotipada de um burguês daquela época -
acompanhar um enterro, passar pela redação de um jornal, entrar numa taberna,
frequentar um prostíbulo... O Ulisses é o romance destes acontecimentos
anódinos e de todas as reminiscências caóticas, das reflexões, das frustrações
e das raivas de Leopold Bloom, mas faz ascender este trivial acervo de matéria
romanesca a um plano de significações simbólicas e esotéricas, pois o romance
está modelado segundo a Odisseia, existindo um paralelismo estrito entre
as figuras e os acontecimentos do Ulisses e daquele poema homérico.