Este poema é
constituído por seis estrofes, três quadras e três tercetos intercalados entre
si (o que exprime o ritmo monótono e regular do baloiço), nu cair no poço e m
total de 18 versos, todos em redondilha maior, com rima cruzada e versos
brancos (o 5, 11 e 17).
Aparentemente,
a composição descreve uma situação “simples”: uma criança brinca num baloiço
situado à beira de um poço, correndo perigo de vida desde logo, aumentado pelo
facto de a corda estar a esgarçar-se. A criança em questão é de tenra idade,
dado que está de bibe, está sempre a brincar e revela total inconsciência do perigo
a que está sujeita, como é evidenciado pela sua atitude negligentemente
perigosa: baloiça perto de um poço, num baloiço em mau estado, cuja corda está
esgarçada e, portanto, se encontra prestes a partir. Não obstante a
probabilidade de cair no poço e morrer afogada, continua a baloiçar
tranquilamente.
O sujeito
poético observa a situação e reage de forma indiferente e displicente, já que
tem noção de que a corda está esgarçada, mas isso não parece incomodá-lo. Além
disso, nada faz para retirar a criança da situação de perigo e até acaba por
ironizar, ao afirmar que, se ela morrer afogada, se acabará a «folia», a
brincadeira. Mais: acrescenta que poderia, se quisesse, mudar a corda, mas não
o fará, pois essa mudança exigiria um grande esforço (“Seria grande estopada…” –
v. 12) da sua parte. Perante a possibilidade de o menino morrer afogado, o
sujeito poético não encara o facto como grave nem a possibilidade de o salvar.
Pelo contrário, defende que deve continuar a baloiçar, isto é, a divertir-se
enquanto está vivo. E conclui o poema (re)afirmando que seria fácil mudar a
corda, mas admite que tal ideia nunca lhe ocorreu.
O título
é outro elemento bastante importante para a perceção do poema. De facto, se
atentarmos na palavra de forma isolada, o nome «recreio» remete para um espaço
que está associado a crianças, no qual estas brincam alegremente. Assim sendo,
trata-se de um local conotado com a alegria e a diversão. As referências, no
início do poema, ao «balouço» e ao «menino de bibe» parece, comprovar essas
características do espaço do recreio. Contudo, à medida que a composição
poética se desenvolve, a noção de recreio passa a estar associada à noção de
perigo e eventual morte, inclusive da aceitação natural da mesma.
Note-se,
porém, relendo o primeiro verso, que o «balouço» está a baloiçar na alma do
sujeito poético. Ora, isto significa que a leitura do texto não será tão
simples como à partida pareceria. A imagem da Alma como sede de um baloiço
(metáfora de instabilidade), à beira de um poço (símbolo de uma situação de
risco), com a corda «esgarçada» (reveladora de perigo iminente) e utilizado por
uma criança (totalmente inconsciente do perigo), configura uma forma insensata
e insegura de viver. Esta noção é acentuada pelo movimento do baloiço, que pode
traduzir o vazio repetitivo da sua vida.
Neste
contexto, o título terá uma dupla dimensão: descritiva (o baloiço, o
menino a brincar) e irónica (a recusa da vida adulta e a aceitação da morte
prematura).
As duas
primeiras estrofes descrevem a situação presente, no entanto, a partir da
terceira, somos projetados para o futuro e para a incerteza que o caracteriza.
Esse contraponto entre passado/presente e futuro é sugerido por várias
antíteses e contrastes: presente/futuro, criança/adulto, sonho/realidade,
ilusão/desilusão, vida/morte. Estes contrastes, por outro lado, são traduzidos
pela ideia do movimento do baloiço, no seu constante vaivém.
A corda que
prende o sujeito aos polos positivos (a infância, o sonho, a ilusão) está a
romper-se. Note-se que o verso entre parênteses remete para o interior do
sujeito poético: o «eu» reconhece a situação perigosa em que se encontra, mas
nada fará (mudar a corda) que a altere. Tratar-se-á de orgulho ou de uma saída,
drástica, mas definitiva, para o seu problema existencial. Que tudo isto remete
para a infância (enquanto tempo da ingenuidade, da inconsciência, da ausência
de pensamento e de razão, e da alegria e felicidade) é confirmado pela
expressão «Era uma vez» (v. 9), uma fórmula usada nos contos tradicionais
populares e nas históricas infantis, traduzindo um tempo indefinido e
indeterminado.
O sujeito
poético prefere a morte a uma mudança de vida e prefere morrer enquanto
criança, em vez de no estado de adulto: “Mais vale morrer de bibe/Que de casaca…”
– vv. 14-15). É preferível continuar a ser feliz enquanto se vive. Tratar-se-á
de uma situação em que o «eu» recusa a vida adulta («de casaca») e prefere
morrer prematuramente («de bibe»). Se quisesse, poderia mudar a corda, mas
recusa tal ideia; ora, isto metaforicamente significa que o «eu» não quer mudar
o seu «interior», não quer deixar de ser criança e tornar-se adulto, dado que
as crianças não têm preocupações como os adultos, são ingénuas e felizes.
Estas ideias
são desenvolvidas em estrofes que alternam entre a quadra e o dístico (cada um
iniciado por travessão): nas quadras descreve-se a situação, enquanto os
dísticos constituem uma espécie de apartes, onde o sujeito poético revela a sua
indiferença, o seu cinismo e até sadismo relativamente ao perigo e à morte.
Esta alternância regular de três quadras e três dísticos gera um ritmo (binário)
que traduz o movimento balanceado da imagem poética e, ao mesmo tempo, do
desdobramento temático em duas instâncias: o narrador e a personagem (o
«menino»). Por outro lado, tendo em conta as leituras do poema, o tom do texto,
à primeira vista, ser ligeiro e inocente, na realidade, é de profunda tristeza
e amargura.
Note-se,
ainda, que a composição poética contém uma estrutura narrativa, dado que
o texto é desenvolvido com quem conta uma história, com as categorias próprias
da narratividade:
• espaço: a «Alma»
com o seu «balouço» e o seu «poço»;
• tempo: «sempre»,
«um dia» (presente – futuro);
• ação: os atos de
baloiçar e brincar por parte da criança;
• personagens: o
sujeito poético (o narrador) e o «menino de bibe».
Esta caráter narrativo do poema cria um efeito de
distanciação, sugerindo o desdobramento do «eu».
Estilisticamente,
há a assinalar, além dos recursos já identificados, o apelo às frases
reticentes, que deixam por concluir os comentários do sujeito poético, podendo
também sugerir a sua indiferença. Por outro lado, são visíveis marcas de
oralidade de registo familiar e expressões típicas da linguagem popular («Era
uma vez»; «Cá por mim»; «Grande estopada»).