Português: 13/02/16

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Os presságios em 'Frei Luís de Sousa'

                Segundo Luís Amaro de Oliveira, o melhor de Frei Luís de Sousa é criar um ambiente de ansiedade, um clímax de negros presságios e em iluminar as almas que Deus ou os fados vão dilacerar.
                Tendo em conta a Memória ao Conservatório Real, Almeida Garrett declara que em Frei Luís de Sousa há toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga, que pretende despertar o terror e a piedade daqueles que assistem ao destino trágico de uma família.
                Assim, o fatalismo aparece marcado ao longo de todo o texto, por indícios ou agoiros que conduzem a um afunilamento em direção à chegada de D. João de Portugal. Toda a ação da peça consiste precisamente na reação psicológica das personagens perante a chegada dessa figura, sendo o Destino o grande impulsionador do drama. Ora, é esta força fatídica que invade os pensamentos das personagens.
                Relativamente a Madalena, logo no início da peça, ela confessa sentir-se aterrorizada, pois receia que algo de mal lhes aconteça: “(...) este medo, estes contínuos terrores; oh! Que amor, que felicidade (...) que desgraça a minha!”.
                Madalena vive em contínuo cuidado por si, por sua filha e, principalmente, por seu marido que teme perder: “Aquele caráter inflexível de Manuel de Sousa traz-me num susto contínuo (...); com efeito é muito tardar (...); salvem-me aquele retrato (...); também tu me desamparas (...) e hoje; todo o meu mal era susto; era terror de te perder (...) e tua mãe, filha deixa-la aqui só, a morrer de tristeza (à parte) e de medo? Tenho este medo, este horror de ficar só (...) de vir a achar-me só no mundo.”.
                Quando Manuel de Sousa Coutinho sugere a Madalena que se mudem para o palácio que fora do seu primeiro marido, surge uma mulher assustada que vê, gradualmente, aproximar-se o reencontro com D. João de Portugal: “Qual? (...) a que foi... a que pega com S. Paulo? Jesus me valha!; parece-me que é voltar ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ali (...); para aquela casa não, não me leves para aquela casa!; mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso ter de entrar naquela casa. Essa aproximação é, posteriormente, confirmada pela descrição em didascália do palácio. O ambiente é pesado, propício a uma tragédia: salão antigo, de gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de família (...).”.
                Assim, quando Madalena deseja que Deus tenha D. João de Portugal em glória, Telmo responde-lhe com um futuro dubitativo que põe em causa a morte de seu amo: “Terá (...)”. Em seguida, confirma os seus pressentimentos: “… tenho cá uma coisa que me diz que, antes de muito, se há de ver quem é que quer mais à nossa menina nesta casa.”.
                Madalena intimida-se com os agoiros de Telmo e pede-lhe que os esqueça: “(...) não entremos com os teus agouros e profecias do costume: são sempre de aterrar (...) deixemo-nos de futuros (...); mas as tuas palavras misteriosas, as tuas alusões frequentes (...) esses contínuos agouros em que andas sempre, de uma desgraça que está iminente sobre a nossa família (...)”. Tenta mesmo demovê-lo emocionalmente a não voltar a falar desses futuros: “não me mates a minha filha”.
                Desta forma, os presságios de Telmo encontram reflexo em Madalena, corroborando os seus temores e aproximando toda a família de um destino irrefutável.
                Maria é também uma espécie de feiticeira – “Então adivinhas, feiticeira” -, que sabe de um saber cá de dentro e que consegue ler nos olhos: “(...) é que vos tenho lido nos olhos, leio, leio!... e nas estrelas do céu também, e sei cousas (...)”. Efetivamente, a intuição de Maria diz-lhe que a inquietação dos pais em relação a si não decorre somente de preocupações ligadas à sua saúde. É o começo da própria intuição do drama que se avizinha. A tentativa de Madalena para que a sua filha não fale de maus pressentimentos não resulta, pois as flores que murcharam conduzem ainda Maria para a suspeita de tragédia através dos sonhos: “(...) não quero sonhar que me faz ver cousas... lindas às vezes, mas tão extraordinárias e confusas (...)”. É igualmente Maria que prenuncia a validade do segundo casamento de sua mãe: “Para que deixou ele o hábito minha mãe...?”. Maria confirma os agoiros de Madalena em relação à perda do retrato: “Ela que não cria em agouros, que sempre me estava a repreender pelas minhas cismas, agora não lhe sai da cabeça que a perda do retrato é prognóstico fatal de outra perda maior, que está perto, de alguma desgraça inesperada, não certa, que a tem de separar de meu pai.”.
                A crença sebastianista de Maria é igualmente um reflexo da vinda de D. João de Portugal – “onde está El-Rei d. Sebastião, que não morreu e há de vir (...)” - que aterroriza a mãe: “voz do povo, voz de Deus, minha senhora mãe”. Esta personagem colabora, de facto, para a construção agoirenta e fatídica própria de uma fábula trágica antiga: “Oh! Há grande desgraça a cair sobre meu pai ... decerto e sobre mim e minha mãe também, que é o mesmo”. Assim, ela pretende esclarecer os terrores de sua mãe em relação àquele retrato: “este retrato e o de meu pai que se queimou são duas imagens que lhe não saem do pensamento; (...) quem é este outro, Telmo? Aquele aspeto tão triste (...)”. É como se Maria pressentisse a solidão de D. João de Portugal.
                Contudo, Manuel de Sousa Coutinho destrói o mistério, dando-lhe uma grande naturalidade: “Aquele era D. João de Portugal, um honrado fidalgo e um valente cavaleiro.”. Confirmam-se, assim, os pressentimentos de Maria: “Bem mo dizia o coração.”.
                É o próprio Manuel de Sousa que explica à filha o medo da mãe face ao retrato: “Tua mãe ainda hoje estremece só de o ouvir nomear; era um respeito...era quási um temor santo que lhe tinha.”. Esta postura esclarecida e iluminada de Manuel não nos surpreende, uma vez que, ao longo da obra, parece querer afastar os maus presságios de forma racional ou até religiosa: “Não senão um temor justo, Madalena: é o temor de Deus; não há espectros que nos possam aparecer senão os das más ações que fazemos; Deus nos deixe gozar em paz de tão boa vizinhança; é o dia da paixão de Cristo, Madalena.”.
                Quando Madalena fala do caso dos condes de Vimioso, - “verem-se com a mortalha já vestida e ... vivos, sãos ... depois de tantos anos de amor (...)” - Manuel distingue as duas situações: “A nossa situação é tão diferente (...)”. Contudo, a necessidade que Manuel de Sousa sente de assinalar a diferença de situações marca bem como o que sente é oposto ao que afirma.
                O próprio Jorge, irmão e conselheiro de Manuel, pressente a aproximação do destino trágico: “A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça (...)”.
                A realização fatídica chega ao seu auge quando um romeiro exige falar com Madalena. Depois de um diálogo sincopado, expectante, recheado de indícios, entre ela e o Romeiro - “Já não tenho família; hão-de jurar que me não conhecem; há três dias que não durmo ... porque jurei ... faz hoje um ano (...)” - , Madalena toma conhecimento de que o seu primeiro marido está vivo, embora julgando que se encontra longe. No entanto, D. João de Portugal tudo faz para que ela o reconheça naturalmente (arrependendo-se mais tarde e depois de assistir às consequências da sua chegada); contudo, somente Jorge faz esse reconhecimento (anagnórise) e dá a conhecer a verdade a seu irmão.
                A descrição em didascália do espaço do terceiro ato é um indício da tomada de hábito: “(...) sua grande cruz negra (...) um castiçal (...) vela acesa (...) um hábito completo (...)”. É, pois, essa a decisão de Manuel - o castigo terrível do meu erro -, a concretização do caso dos condes de Vimioso, incompreensíveis mistérios de Deus.
                Relativamente à doença de Maria, que faz parte igualmente do desenlace trágico, há numerosos indícios que nos preparam para a sua morte. No entanto, essa realidade é negada sucessivamente pelas personagens: a mim não se me pega nada (...), - E não há de morrer: não, não, três vezes não (Telmo); Que febre, que ela tem hoje, meu Deus! Queimam-lhe as mãos ... e aquelas rosetas nas faces (...) (Telmo); Tens, filha (...) se Deus quiser, hás de ter, e hás de viver muitos anos para consolação de teus pais que tanto te querem (Madalena). Nesta frase, a realidade psicológica é dada pela sucessão dos tempos verbais a partir do presente do indicativo «tens», utilizado para sossegar o espírito de Maria. Segue-se uma oração do futuro do conjuntivo (se Deus quiser) que dá um caráter dubitativo aos futuros perifrásticos (hás de ter, hás de viver).
                Quando Maria demonstra uma audição excecional, Jorge prevê algo de trágico em relação à sua sobrinha: “Terrível sinal naqueles anos e com aquela compleição.”. Efetivamente, essa agudez é já um sinal da tuberculose de Maria. Manuel de Sousa tem igualmente a consciência da doença da filha: “E esta testa ...escalda!; aquele sangue está em chama, arde sobre si e consome-se, a não o deixarem correr à vontade; a lançar sangue?...”.
                Depois da anagnórise de Jorge em relação ao Romeiro, também Manuel fica a saber a verdade: o Romeiro é o próprio D. João de Portugal. Nesse momento, deseja a morte da filha, arrependendo-se de imediato: “Eu queria pedir-te que a levasses já... e não tenho ânimo; peço-te vida, meu Deus. Deixa, então, o destino de Maria nas mãos de Deus: (...) e viva ou morta, cá deixo a minha filha (...)”. O mesmo arrependimento é seguido por Madalena: “Oh, a minha filha... também essa vos dou, meu Deus.”.
                E é Maria que se encarrega de concretizar esses indícios: “(...) aqui não morre ninguém sem mim; (...) morro, morro ... de vergonha. (Cai e fica morta no chão)”.

                Pode-se, assim, concluir que a obra constrói ela própria o seu final, edificando um desenlace trágico, tão ao gosto da tragédia grega. O fatalismo alimenta-se em cada cena, em cada ato e, progressivamente, empurra as personagens para a desgraça: foram (como diz Almeida Garrett, na Memória ao Conservatório Real) duas mortalhas que caíram sobre dois cadáveres vivos - jazem em paz no mosteiro, o sino dobra por eles; morreram para o mundo, mas vão esperar ao pé da Cruz que Deus os chame quando for a sua hora.

Fonte: Prof. Lúcia Pedro Vaz (consultar aqui »»»).

Alunos vão (quase) dormir nas escolas


     Aí está o regresso do conceito escola a tempo inteiro. Como não poderia deixar de ser, as associações de pais e das direções escolares / de agrupamento estão de acordo com a medida.
     Em que se traduz este conceito?
     (1) A escola é um depósito de crianças, que passam aí praticamente metade do dia.
     (2) A escola é um enorme centro de acolhimento, um albergue, um parque de diversões e entretenimento onde os alunos se aborrecem e, esporadicamente, acontecem umas aulas para desenjoar. Noutra versão menos rebuscada, a escola é uma prisão.
     (3) A escola é o depósito onde os pais, porque não querem aturar os filhos em casa ou, maioritariamente, porque não têm horários de trabalho compatíveis (viva a desregulação social!) com o acompanhamento e o estar com os filhos a horas "normais e decentes", despejam a sua prole.
     (4) A escola é um espaço cujo foco deixou de ser o de instruir-educar e passou a englobar uma multiplicidade de 'encargos' que caberiam a uma sociedade organizada e estruturada de outra forma, mas a que aquela, porque cada vez mais desregrada, não consegue dar resposta.
     A família, deste modo, passa a uma quase não existência. Os pais geraram as crianças num momento qualquer das suas vidas e, pós-nascimento, o seu papel passa a ser genericamente o de as levantar e deitar. Pouco mais.
     Não há de tardar muito até serem os professores e / ou funcionários das escolas a levarem os petizes para suas casas e fazerem o papel de pais, porque estes, pura e simplesmente, não querem saber da sua descendência, ou estão enterrados no local de trabalho até noite alta. Eventualmente, o ideal seria aqueles pouparem o trabalho aos progenitores e andarem por aí, em visitas ao domicílio, a procriarem junto da metade da família não exausta ou atulhada em trabalho.
     Em tempos, alguém um dia gritou: "Deixem jogar o Mantorras!" (tal era a quantidade de pancada que o rapaz levava dos adversários). Alguns anos antes, certa personalidade da nossa política que, finalmente, vai poder descansar das sucessivas décadas de serviço público sempre desinteressado, rogou: "Deixem-me trabalhar!". Hoje, eu imploro: "Deixem os nossos miúdos brincar!"
     Para concluir todo este manicómio que sucessivos MEC estão a construir, observe-se o quadro seguinte, que nos mostra como nós - Portugal - somos o segundo país cujas crianças mais tempo passam na escola:

     Mais palavras para quê?

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