Este poema de José de Anchieta mostra a dupla conversão do índio: à religião católica e à ação portuguesa. Ou seja, quando os Portugueses chegaram ao Brasil, houve tribos que ficaram do lado de outros povos europeus, como os franceses. Então, os jesuítas, ao mesmo tempo que tentavam manter a fé, porque os invasores eram protestantes, procuravam conservar o império, visto que os invasores eram franceses.
Este poema compõe-se de dez subdivisões de duas estrofes, sugerindo, como acontece nas danças que encerram algumas peças, dez pessoas que declamem. Deve ter sido apresentado em Vitória, por ocasião de alguma entrada a incursões protestantes.
Nele, faz-se a exaltação de S. Maurício, santo guerreiro que chefiava uma legião conhecida por "Legião Tebana". Ficou famosa por se ter recusado a participar numa perseguição contra os cristãos, o que lhe valeu a ira do imperador e o consequente massacre, em 286.
A perspetiva que a literatura de finais do século XX nos dá do índio oscila entre o herói selvagem, bravo e cruel, e a quase criança inocente.
Até ao quarto grupo de estrofes, temos a exaltação do santo; a partir daí conta-se a sua história. Da mesma forma que S. Maurício venceu os infiéis pagãos com as suas hostes romanas, também agora os Portugueses o invocam na vitória sobre os franceses, que são protestantes. É uma invocação ao mesmo tempo didática, religiosa e festiva. Temos uma situação de festa motivada pela vitória, que é aproveitada para invocar um herói religioso, para propagar a religião e para ensinar um pouco da história da Igreja. Os franceses são inimigos religiosos e políticos, porque querem a mesma terra. Eles procuravam uma nova terra para fundarem a França Antártida. A vila de Vitória - capital do Espírito Santo - foi consagrada à vitória dos portugueses sobre os protestantes.
As poesias jesuítas, mesmo as que eram destinadas a comemorar algo, apresentam-se com ar festivo, porque a festa era um importante veículo de catequização. Está sempre apresente a ideia de oposição cristão / pagão, a qual vai persistir na literatura para o Brasil, que é uma literatura de conversão, de catequese.
No grupo 8, há uma referência ao «pecado» que pode ser a invasão da terra pelos protestantes ou uma condenação a uma certa maneira de viver dos índios, que tinham várias mulheres, praticavam a antropofagia, trocavam de mulher, andavam nus e amantizavam-se com os Portugueses. Nesta estrofe tão simples, está patente uma ideia importante: a ideia da expansão de um império e da fé não era apenas portuguesa, mas também francesa e inglesa.
No grupo 9, faz-se referência à partida dos jesuítas nas «entradas», que eram incursões feitas ao interior do Brasil, para explorar ouro, trazendo no regresso índios para a catequese. Claro que as cidades foram construídas no litoral, porque era mais fácil a defesa e o abastecimento. Mas a expansão para o sertão era importante para ver se aí havia algum interesse. Muitas vezes traziam índios como escravos, mas que eram libertados pelos jesuítas. Eles participavam nas entradas para darem apoio espiritual aos brancos e prestígio junto dos índios e para evitarem a escravização do índio, que eles pretendiam trazer para os colégios de índios no litoral. As entradas não eram normalmente de grande extensão. As incursões mais longas chamavam-se «bandeiras» e levavam mais pessoas que as «entradas», mas esta é uma distinção didática, porque houve várias confusões. A consequência das entradas e das bandeiras foi a ajuda dada à configuração atual do território brasileiro, porque ambos os processos ultrapassaram em muito a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas e, quando os espanhóis, deram conta, já aí havia cidades com uma cultura portuguesa bem arreigada.
Este tipo de literatura visa a cristianização do índio e daí a constante invocação de Deus. O espírito que rege a expansão da fé entre os índios brasileiros e os filhos dos colonos é um espírito festivo. Mesmo as procissões descritas pelos jesuítas têm um caráter festivo, em que as pessoas vestiam as melhores roupas, havendo ainda uma série de invenções de espírito barroco que chamavam a atenção, o que se vai acentuar com a descoberta do ouro.
A literatura brasileira vai nascer como literatura brasileira no século XVII, sob o signo do Barroco, com autores como Manuel Botelho de Oliveira e Frei Manuel Maria de Itaparica. É uma poesia de transição. A primeira poesia é feita a respeito do Brasil, que é dada como marco do início da literatura brasileira. É uma poesia muito camoniana ainda, uma espécie de Lusíadas «kitsch».