Português: 19/04/12

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Caracterização de Alencar

     Alencar, o grande amigo de Pedro da Maia (fora o primeiro que vira Carlos depois deste nascer), é o representante do Ultrarromantismo.
     O retrato físico que dele é feito é tipicamente romântico:
          . alto;
          . magro;
          . face escaveirada;
          . olhos encovados;
          . nariz aquilino;
          . calvo na frente;
          . «testa lívida»;
          . «longos, espessos, românticos bigodes»;
          . dentes estragados;
          . vestido de negro.

     Psicologicamente, Alencar
  • aparentava um ar antiquado, artificial e lúgubre (pág. 159);
  • adota poses solenes, pomposas, arrebatas e retrógradas;
  • é considerado um gentleman (pág. 176), generoso (175) e um «patriota à antiga» (167).
     Quanto à sua linguagem, é formal («Vossa Excelência» e a voz «arrastada, cavernosa, ateatrada».

     O episódio do Jantar do Hotel Central revela-nos o defensor do Ultrarromantismo em todo o seu esplendor:
  • opõe-se ao Realismo e ao Naturalismo, que qualifica como «pústula», «pus», «literatura latrinária», «excremento»;
  • incoerente, condena no presente o que cantara no passado: o estudo dos vícios da sociedade;
  • falso moralista, refugia-se na moral por não ter outra arma de defesa e considera o Realismo imoral, ele que tivera um passado em nada exemplar;
  • mostra-se desfasado do seu tempo, numa espécie de fuga ao real: «... escreveu dois folhetins cruéis; ninguém os leu...»;
  • critica o poeta Craveiro (Antero de Quental?), o «paladino do Realismo» e da «Ideia Nova»;
  • defende a crítica literária de natureza académica:
  • feita de ataques pessoais e de calúnias;
  • preocupada com aspetos formais em detrimento dos aspetos temáticos («... dois erros de gramática, um verso errado...»);
  • obcecada com o plágio («... uma imagem roubada a Baudelaire...»).

Dâmaso Salcede

     Dâmaso é retratado em termos disfóricos desde o primeiro momento em que surge nas páginas do romance: gordo e baixo («um rapaz baixote» - notar o diminutivo depreciativo), de mau gosto, o tipo do novo rico, de aspeto ridículo e maneira de vestir pretensiosa: frisado como um noivo de província, de camélia ao peito e plastrão azul-celeste.
      Movido provavelmente por um complexo de inferioridade, faz tudo para se elevar ao nível de Carlos da Maia, procurando atrair, a propósito e a despropósito, a sua benevolência de admiração: «O senhor Dâmaso Salcede, que não despegava os olhos de Carlos...».
     Gabarola e estúpido, declara-se sabedor da vida dos Castro Gomes e de ter um tio em Paris, mas não capta a ironia de Ega: «E que tio! (...) O tio do Dâmaso governa a França, menino!»; pelo contrário, «Dâmaso, escarlate, estoirava de gozo...». Tem a mania do chique («Uma gente muito chique (...) chique a valer!»), mas o ridículo que o envolve desmente essa pretensão de requinte:
  • os seus critérios para avaliar o chiquismo são ridículos: «... criado de quarto, governanta inglesa para a filhita, femme de chambre, mais de vinte malas...»;
  • à pergunta se queria vermute, responde: «Sim, uma gotinha para o apetite...»;
  • caricata é ainda a forma como enaltece Paris: «Aquilo é que é terra! Isto aqui é um chiqueiro. (...) Aquele boulevarzinho, hem! Ai, eu gozo aquilo... E sei gozar, sei gozar, que eu conheço aquilo a palmo...»;
  • tem um discurso profuso e deselegante, pontuado de calão de baixo nível.
     Surgindo os dois retratos de forma consecutiva, é evidente o intuito do narrador fazer contrastá-los. Este facto explica-se pela imagem de dignidade que se pretende dar dela e por ser uma personagem de tragédia e, como tal, teria de ser nobre de caráter. Dâmaso, por seu turno, está marcado para figurante da crónica de costumes. É, portanto, uma personagem plana, uma caricatura, um tipo social, o representante do novo rico.

Episódio do Jantar no Hotel Central

     Este episódio surge no capítulo VI do romance e integra a chamada crónica de costumes. Estamos perante um acontecimento eminentemente mundano, integrado na crónica de costumes (recordar o subtítulo «Episódios da Vida Romântica»), cujo objetivo central é homenagear o banqueiro Cohen, de cuja mulher Ega (o promotor da homenagem) é amante.

1. Objetivos
  • Homenagear o banqueiro Jacob Cohen, uma iniciativa de João da Ega («... o Ega, alargando pouco a pouco a ideia, convertera-o agora numa festa de cerimónia em honra do Cohen...»).
  • Retratar a sociedade lisboeta.
  • Proporcionar a Carlos da Maia o primeiro contacto com o meio social lisboeta.
  • Apresentar a visão crítica de alguns problemas.
  • A nível da ação central: proporcionar a Carlos o primeiro encontro com Maria Eduarda.

2. Intervenientes

          . João da Ega

     Promotor do jantar, uma homenagem ao banqueiro Jacob Cohen, marido da «divina Raquel», com quem mantém uma relação adúltera, João da Ega defende o Realismo / Naturalismo. Ao assumir esta posição, acaba  por convocar o poeta Tomás de Alencar, representante do Ultrarromantismo, e criar uma enorme discussão. A sua postura ao longo do jantar assemelha-se à adotada pelos jovens escritores da Geração de 70, profundamente revolucionários, o que o leva, por vezes, a recorrer a argumentos exagerados para sustentar as suas ideias.

          . Jacob Cohen

     É o homenageado durante o jantar, o marido da «divina Raquel», diretor do Banco Nacional, por isso o representante das Finanças na obra.

          . Tomás de Alencar

     Representante do Ultrarromantismo, é confrontado com os princípios naturalistas / realistas defendidos por Ega.

          . Dâmaso Salcede

     É o tipo do novo rico burguês e a súmula dos defeitos da sociedade: provincianismo, vaidade, futilidade e oportunismo (repare-se como louva Carlos da Maia com o intuito de assumir uma posição mais preponderante na sociedade.

          . Carlos da Maia

     O episódio proporciona-lhe o primeiro contacto com a sociedade, mantendo, durante o evento, uma posição relativamente discreta.

          . Craft

     Representante da cultura artística e britânica, Craft tem uma participação pouco relevante neste episódio.


3. Temas discutidos durante o jantar


          1. Literatura
  • Tomás de Alencar:
  • defensor do Ultrarromantismo;
  • opositor do Realismo / Naturalismo, que qualifica depreciativamente como «pústula», «pus», «literatura latrinária», «o excremento»;
  • incoerente: condena no presente o que cantara no passado: o estudo dos vícios da sociedade;
  • falso moralista: refugia-se na moral por não ter outra arma de defesa, outros argumentos - considera o Realismo / Naturalismo imoral;
  • vive desfasado do seu tempo: «... escreveu dois folhetins cruéis; ninguém os leu...»;
  • crítico do poeta Craveiro (Antero de Quental?), o «paladino do Realismo» e da «Ideia Nova»;
  • defensor da crítica literária de natureza académica:
  • feita de ataques pessoais e de calúnias;
  • preocupada com aspetos formais em detrimento dos aspetos temáticos («... dois erros de gramática, um verso errado...»);
  • obcecada com o plágio («... uma imagem roubada a Baudelaire...»).
  • João da Ega:
  • defensor do Realismo / Naturalismo;
  • distorce e exagera as teses realistas / naturalistas (agnosticismo, positivismo, dependência das anomalias sociais de fatores como a educação, o meio, a hereditariedade, a raça...);
  • defensor do cientificismo na literatura;
  • não distingue Ciência e  Literatura.
  • Carlos:
  • recusa o ultrarromantismo de Alencar;
  • defende o romance como análise social: «Esse mundo de fadistas, de faias, parecia a Carlos merecer um estudo, um romance...»;
  • considera intoleráveis os ares científicos do Realismo: «... o mais intolerável no realismo eram os seus grandes ares científicos (...) e a invocação de Claude Bernard, do experimentalismo, do positivismo, de Stuart Mill e de Darwin, a propósito de uma lavadeira que dorme com um carpinteiro!»;
  • defende que os carateres só se manifestam pela ação;
  • recusa os exageros do Ega. 
  • Craft:
  • recusa o Ultrarromantismo de Alencar;
  • defende a arte como idealização do que de melhor há na natureza;
  • defende o conceito parnasiano da arte pela arte: «E a obra de arte (...) vive apenas pela forma...».
  • Narrador:
  • recusa o Ultrarromantismo de Alencar;
  • recusa a distorção do Naturalismo contida nas afirmações de Ega;
  • defende uma estética próxima da de Craft: «... estilos novos, tão preciosos e tão dúcteis...» - tendência parnasiana.
     Atente-se na proximidade das teses defendidas por Carlos, Craft e pelo narrador das sustentadas por Eça de Queirós, que advoga uma nova forma para a literatura.


          2. Finanças
  • o país tem absoluta necessidade dos empréstimos ao estrangeiro;
  • a ocupação dos ministérios é «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo» (tal como hoje, Portugal vivia de empréstimos ao estrangeiro e da cobrança de impostos);
  • Cohen representa a posição oficial: é calculista e cínico, pois, tendo responsabilidades em razão do cargo que desempenha (Diretor do Banco Nacional), lava as mãos do assunto e aceita "alegremente" que o país vai direito para a bancarrota (120 anos depois, o país enfrenta uma situação semelhante);
  • Ega representa a posição prenunciadora da ideologia anarco-republicana, vendo na bancarrota a oportunidade ideal para levar a cabo uma revolução: «À bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da inscrição, em não lha pagando, agarra no cacete. [...] E, passada a crise, Portugal, livre da velha dívida, da velha gente, dessa coleção grotesca de bestas...».

          3. A história política
  • Ega:
  • aplaude as afirmações do Cohen e delira com a bancarrota como determinante da agitação revolucionária;
  • defende o afastamento violento da Monarquia;
  • defende a invasão espanhola como forma de arrasar, enterrar o velho Portugal e construir um Portugal novo, «sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora... Meninos, nada regenera uma nação como uma medonha tareia...»;
  • aplaude a instauração da República;
  • enumera as consequências do Constitucionalismo:
  • falta de educação e de higiene («... piolhice dos liceus...»);
  • doença e devassidão («... roída de sífilis...»);
  • passividade e inércia («... apodrecida no bolor das secretarias...»);
  • comportamentos rotineiros («... arejada apenas ao domingo...»);
  • perda da coragem e da dignidade («... perderam o músculo...»; «... perderam o caráter...»);
  • centralismo («Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há nada.»);
  • fraqueza física e moral («... a raça mais fraca e mais cobarde...»).
  • Alencar:
  • opõe-se à invasão espanhola, pois considera-a um perigo para a independência nacional, e dispõe-se a despertar o patriotismo do país com os seus poemas;
  • defende o romantismo político: 
  • uma democracia humanitária (de 1848);
  • uma república governada por génios;
  • a fraternidade entre os povos, «os Estados Unidos da Europa»; 
  • repudia o talento dos seus conterrâneos, despeitado com o desprezo «desses politicotes», seus companheiros de farra antes de cumprirem as suas ambições;
  • protesta contra a alegre fantasia dos companheiros afirmando exaltadamente o amor pela pátria.
  • Cohen:
  • defende a existência de gente séria e honesta nas camadas políticas dirigentes;
  • condescende na necessidade de reformas no país;
  • considera Ega e Alencar uns exagerados;
  • em caso de invasão, participaria com o financiamento (as armas e a artilharia comprar-se-iam na América);
  • juntamente com Ega, organizaria a guerrilha.
  • Dâmaso:
  • exemplo de covardia:
  • se se desse a invasão espanhola, «raspava-se» imediatamente para Paris;
  • considera ainda que toda a gente fugiria como uma lebre. 
  • revela grande reverência relativamente a Carlos.


4. Fim do jantar - resolução da disputa
  • Ega e Alencar insultam-se mutuamente;
  • fazem uso de uma linguagem escabrosa e ofensiva;
  • envolvem-se numa zaragata que quase termina numa sessão de pugilato;
  • acabam por fazer as «pazes à portuguesa»: reconciliação e mostras de arrependimento, com abraços e protestos de amizade;
  • ou seja, esgotados os argumentos, passa-se à pessoalização das questões (= Questão Coimbrã, após as primeiras intervenções críticas; o desafio para um duelo entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão).


5. Conclusões - o modo de ser português


     1. A falta de personalidade:
  • Alencar muda de opinião quando Cohen assim o pretende;
  • Ega muda também de opinião quando Cohen o pretende;
  • Dâmaso, cuja divisa é «Sou forte», aponta o caminho covarde da fuga.
     2. A disputa Ultrarromantismo / Naturalismo, reflexo da Questão Coimbrã.

     3. A falta de coragem / a covardia domina a sociedade, «... desde el-rei nosso senhor até aos cretinos de secretaria!...».

     4. A falta de cultura e civismo domina as classes mais destacadas, com exceção de Carlos e de Craft.

     5. O exército:

  • em caso de invasão, teriam de se alugar os generais para defesa da pátria;
  • a falta de disciplina dos soldados, não obstante serem «teso(s)»;
  • a fraqueza física e moral («Um regimento, depois de dois dias de marcha, dava entrada em massa no hospital!»; o episódio do marujo sueco).
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