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domingo, 21 de maio de 2023
terça-feira, 13 de setembro de 2022
O Romantismo no Brasil
     Em finais do século XVIII e princípio do XIX, houve uma série de fatores sociais que provocaram uma nova forma de escrever com novos valores: Revolução Francesa, Revolução Industrial, que vai originar a ascensão da burguesia. Foram factos que marcaram uma época e uma nova maneira de pensar, que se vai contrapor ao Classicismo. Por exemplo, à fixação de regras contrapõe-se o espírito criativo do escritor.
    A nível social, dá-se o desenvolvimento de certas classes a par da queda de outras: ascende a burguesia e decai a nobreza. Temos ainda outras classes sociais, como o campesinato, a classe operária, que vai influenciar a geografia e o modo de vida nas cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro. E conforme se definem as classes, assim surgem novas formas de pensar:
        = a nobreza vive em função de um sentimento de saudade do que perdera;
        = a burguesia surge como uma visão eufórica do que havia adquirido (uma nova liberdade);
        = o operariado tem uma visão de existência inquieta e de liberdade;
        = o campesinato mantém uma atitude inconsciente, sem se aperceber das modificações que se vão operando.
    Concretamente no Brasil, no século XIX as coisas não eram como tinham sido nos séculos anteriores. Com a independência, as ligações com a metrópole desaparecem, mas mantêm as estruturas que tinham a nível agrícola, social e económico: predomínio dos grandes latifúndios, escravatura e uma economia baseada na exportação. Os latifúndios eram importantes, porque representavam o poder dos grandes senhores que cultivavam a terra mediante a força de trabalho negra. O país não podia desenvolver-se porque tudo era exportado e nada revertia a favor do país.
    Apesar de se ter manifestado antes, é com a independência que o Romantismo se vai constituir e desenvolver. Eram essencialmente os filhos destes grandes latifundiários que procuravam as grandes cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Baía) ou portuguesas (Lisboa, Coimbra) para receberem uma instrução mais profunda, como é o caso de José Alencar. Com efeito, sendo a costa brasileira tão extensa e irregular, ela apresenta pontos que se aproximam mais de Portugal, o que leva alguns poetas e escritores a optarem por Lisboa para se enriquecerem culturalmente, por ser mais perto. Além dos filhos dos grandes senhores, também outros procuravam instrução: filhos de comerciantes e profissionais liberais (ex.: Gonçalves Dias e Castro Alves); e de pessoas mais humildes (ex.: Manuel António de Almeida, que teve de lutar muito para conquistar um lugar na literatura brasileira). Estes três tipos de sociedade respondem às questões mundiais da mesma forma que os europeus.
    Como um dos temas do Romantismo era a procura do passado, José Alencar e G. Dias sentem a necessidade de fundamentar a burguesia e a nova nobreza e, assim, surge Iracema, para fundamentar essas classes num passado mítico. Como eles não tinham um passado medieval como os portugueses para radicarem as suas raízes, voltaram-se para o mundo índio. Também aí aparecem outras temáticas típicas do Romantismo, como o sonho, o exotismo e o evasionismo.
    Castro Alves pertence a um outro momento do Romantismo, que era um movimento mais de caráter oratório; não tinha uma verdadeira preocupação pelo que se passava. Mas claro que em Castro Alves nós vamos encontrar uma escrita preocupada com a defesa do negro e a abolição da escravatura, mas uma escrita muito imbuída de oratória.
        Alguns temas do Romantismo
        1. Exotismo e Medievalismo: o romântico é um ser desiludido com a realidade envolvente, que para ele representa algo de efémero, finito e imperfeito. Entra, então, em conflito com essa realidade e procura uma evasão no tempo e no espaço. A evasão no espaço conduz ao exotismo, ou seja, à busca de paisagens estranhas; uma fuga no tempo condu-lo ao medievalismo, ou seja, a época preferida para a evasão é a Idade Média.
    Por outro lado, o romântico procura fazer uma reprodução fiel e pitoresca do país, região ou época, ao que se chama «cor epocal». Ele procura a valorização do espírito do povo: volksgeist. Cada povo tem um espírito e uma genuinidade que devem ser respeitados e as suas características deviam passar para a literatura.
        2. Atitude egocentrista: o sujeito é o fulcro, que entra em conflito com a sociedade e daí procurar uma evasão no tempo e no espaço. Outro modo de solucionar esse conflito é procurar a solidão.
    Na base de todas as teorias românticas, encontramos a doutrina do «eu absoluto», caracterizado como possuindo uma energia infinita e um dinamismo infinito.
        3. A natureza é expressiva, ou seja, tem um significado próprio. A natureza aparece em função do estado de espírito do sujeito, que não é alegre; pelo contrário, o romântico manifesta o gosto pelo anoitecer, pelas florestas, castelos, abismos, etc. É um tipo de natureza que favorece a imaginação, a evasão, o sonho e a contemplação. A natureza chega a encarnar expressões anímicas. Por exemplo, em Gonçalves Dias aparecem expressões como "silêncio do ocaso", "ímpeto do vento", etc. Estas expressões, que são sentidas pelo homem, passam a ser sentidas pela natureza com os românticos.
        4. Saudade do que se julga perdido.
        5. «Sehnsucht» e «mal du siècle»: a busca do «eu absoluto» é um incentivo para o romântico, só que esta também se torna um drama porque surge o desencanto quando não se alcança esse absoluto. No Romantismo, há sempre uma busca, o que traduz um estado de permanente ansiedade, porque se caminha para algo longínquo. Aqui, surgem os dois lados da moeda, isto é, a procura da realização das potencialidades consideradas infinitas do «eu» - sehnsucht - e, por outro lado, temos a frustração por não se conseguir essa realidade absoluta - mal du siècle.
        6. Amor e morte: estas duas realidades, para os românticos, andam sempre ligadas. O amor surge como destino, que eleva o poeta a sofrer. O amor raramente é felicidade; é sempre dor, sofrimento e ciúme. Além disso, o amor há de levar à morte (ex.: Iracema).
        7. Herói e nação: para os românticos, a ideia de nação é muito forte, porque representa uma força edificante. Daí a preocupação que o romântico manifesta ao intervir na vida política do seu país. Veja-se em Portugal o exemplo de Alexandre Herculano e Almeida Garrett. A ideia de nação está sempre presente, até porque vínhamos de um período de lutas liberais, que no Brasil vão fortalecer a ideia de nação.
        8. Florescimento da História.
        9. Valorização de elementos indígenas e culto do folclore: os românticos procuram sobretudo uma revitalização das línguas com os seus elementos específicos.
    Isto vai originar no Brasil dois movimentos importantes: indianismo e regionalismo, que se ligam ao aspeto da «cor epocal», o que vai definir sobretudo o Romantismo de Alencar, que apresenta uma visão totalmente diferente do índio, não referindo a cor da sua pele.
    Quanto ao herói, ele é a pessoa que traz a verdade e que deve cumprir grandes missões, isto não só em relação às personagens das obras, mas também em relação ao poeta, que tinha a obrigação de modificar o que estava mal na sociedade. Claro que estes temas não aparecem todos na literatura brasileira, onde há características que definem cada um dos temas gerais do Romantismo.
    A nível estético, o Romantismo traz consigo importantes modificações. A obediência a regras e a formas fixas desaparece em face da necessidade de liberdade dos românticos, que viam as regras como um corte no ímpeto dos poetas.
    Os estudantes brasileiros não vêm agora para Portugal, mas vão para outros países europeus, como a França e a Inglaterra. Começam mesmo a afastar-se dos modelos estéticos portugueses. Aliás, não foi em Portugal que o Romantismo primeiro surgiu, mas sim em alguns países da Europa e, por isso, é natural que algumas ideias que surgem no Brasil não tenham chegado a Portugal, mas resultassem do contacto dos brasileiros com o Romantismo europeu. Surge uma nova escrita que reflete a liberdade expressiva do sujeito.
    A nível de formas, o soneto e a ode e a epopeia são substituídos por formas representativas do movimento: a balada, a canção, que eram tipos de poemas sem forma fixa. A rima é um pouco deixada de lado, bem como a divisão em estrofes. É também com o Romantismo que surge o romance histórico, que tinha a mesma função da epopeia, mas sem regras fixas. Surge ainda o género dramático e aqui foi fundamental a negação da lei das 3 unidades, que era importantíssima no teatro clássico e, assim, surge o drama romântico.
    A nível métrico, retoma-se a forma medieval da redondilha maior e menor com ritmo regular e a quadra. Como já disse, aparece ainda o romance, que é um dos géneros mais importantes do Romantismo: romance autobiográfico, epistolar, histórico, etc. O romance é privilegiado por ser mais acessível ao público, que aí procurava encontrar a projeção dos seus conflitos pessoais e das suas realizações. Surge também a novela.
    Houve uma primeira forma de introdução ao Romantismo, que surge em França e que foi introduzido por G. Magalhães. É um romantismo muito artificial, ou seja, usam-se os temas românticos, mas de forma artificial, porque não está ligado ao Brasil. Por exemplo, o tema do amor surge de forma abstrata e sem ligação à realidade brasileira.
    São importantes dois tipos de publicações:
        » Saudades e suspiros poéticos (1836);
        » Revista "Niterói" (1836).
    A data de 1836 corresponde à primeira data, em que um brasileiro escreve algo com características românticas, mas sem ligação à realidade brasileira. Ele continua ligado a formas fixas, a manifestações neoclássicas. Além de não retomar os temas principais do Romantismo, não usa certos princípios como a liberdade de expressão. Escreveu poesia, romance e um poema épico chamado "Confederação dos Tamoios". Mas entretanto Alencar já tinha escrito Iracema e, por isso, o seu objetivo de escrever um poema indígena ficou em segundo lugar.
    A segunda forma surge no Brasil com Gonçalves Dias e José Alencar. Apresenta os seguintes subtítulos:
        » A busca dos elementos que definem a nacionalidade.
        » Retorno ao medievalismo e orgulho das raízes do Brasil, que radicam no índio.
    Porém, esta evolução cultural resulta de uma mutação política. Tudo começou em 1808, quando D. João VI se muda para o Brasil, levando consigo a corte, fugidos das Invasões Francesas. Este facto vem dar um grande poder ao Brasil, além de que D. João abre os portos ao comércio estrangeiro, o que é importante, porque todo o comércio era feito antes através de Lisboa. O rei levou também um património cultural importante. Liberaliza também a economia brasileira e Portugal fica sem a sua principal fonte de riqueza. Em 1822, seu filho, D. Pedro I declara a independência do reino, o "Grito do Ipiranga", que se reflete ao nível da literatura. A independência literária manifesta-se no falar das coisas e das origens e na linguagem falada.
    A sintaxe de Gonçalves Dias é diferente da de Alencar.
    Dentro desta segunda forma, temos dois momentos:
        » O primeiro momento é marcado por Alencar e G. Dias (índio).
        » O segundo momento é o de Castro Alves (negro).
    Na Europa, o operariado evidencia-se; há a luta pela defesa do homem e da mulher. Tudo isto são questões sociais que influenciam a literatura romântica. Nos EUA, surge o abolicionismo, que vai influenciar o Brasil com Castro Alves, que escreve uma poesia abolicionista, que vai defender o negro, sendo contra a escravatura e a exploração do negro. Ele vai assim constituir o segundo momento.
    Em todo este movimento, há outros autores importantes, como Manuel António de Almeida, Álvares de Azevedo, Laurindo Rabelo, etc.
    Embora ainda haja um compromisso com temas e valores europeus, a literatura brasileira romântica apresenta já uma faceta a nível de temas e linguagem. Dentro do Romantismo brasileiro, há autores com diferentes facetas:
        » Gonçalves Dias: nasceu no Maranhão e estudou em Portugal. A sua poesia é formada pelos cânones clássicos, tendência europeia e uma sintaxe portuguesa resultante do facto de ter feito os seus estudos em Portugal.
        » José Alencar: nasceu no Ceará e deslocou-se para o Rio de Janeiro, São Paulo, onde se formou. É um poeta brasileiro sem preocupação pelos modelos portugueses.
        » Castro Alves: é natural da Baía.
    Um tema muito caro aos românticos brasileiros é o indianismo, com as suas características e valores.
        Indianismo
     Esta é uma das principais características do Romantismo brasileiro, ou seja, é um item identificador do Romantismo brasileiro. A independência foi um fator fundamental no desenvolvimento do Romantismo, sobretudo a independência política e cultural. Mas para o desenvolvimento do Romantismo contribuíram outros fatores:
        - expressão do orgulho de ser brasileiro;
        - extensão do antigo nativismo (indianismo), tema relacionado com poetas como Bento
           Teixeira, Santa Rita, etc.;
        - desejo de criação de uma literatura independente e diversa, em que teria parte funda-
           mental a atividade intelectual.
    Havia, assim, a necessidade de criar uma literatura brasileira e nacional e uma das formas mais justificadas da literatura brasileira verdadeira radica no indianismo (anos 40-6o), cujos principais autores foram Alencar e Gonçalves Dias.
    Quanto às origens do indianismo, este resulta da busca de algo que fosse específico do Brasil e, assim, surge uma crescente utilização alegórica do índio. Esta utilização veio a servir como passado histórico, mas também como passado místico e lendário. O índio é utilizado enquanto protagonista de factos verídicos, mas também de lendas. É interessante a utilização do tema indígena como compensação pela inexistência de um passado medieval. Houve a necessidade de os autores brasileiros suscitarem um mundo poético que fosse digno e estivesse a par do manancial poético suscitado pelos europeus. Se estes procuram o passado no medievalismo, os brasileiros iam buscar o passado histórico ao índio e às suas lendas e, por isso, surge uma idealização do índio. Esta utilização do indígena como motivo corresponde a um desejo de individualização nacional e esta corresponde a uma individualização pessoal, que se reflete numa autonomia estética e política e no direito de exprimir direta e abertamente os sentimentos pessoais.
Bibliografia:
    - BOSI, História concisa da literatura brasileira (pp. 99-108).
    - COUTINHO, Afrânio, Literatura no Brasil.
    - CÂNDIDO, António, Formação da literatura brasileira, vol. I (pp. 9-22).
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
Características do Romantismo
| 
Público
  leitor | 
            O Liberalismo deu lugar à ascensão
  da burguesia e alargou o público leitor. 
            O Romantismo é a expressão
  literária e plástica da ascensão da burguesia. 
            O Romantismo democratiza a literatura, pois esta deixa de
  ser um privilégio de reis ou fidalgos e de se circunscrever a círculos
  fechados de eruditos, chegando ao POVO, embora este continue esmagadoramente
  analfabeto, e sobretudo à burguesia, a classe que lê e à qual o Romantismo se
  dirige. Por outro lado, é curioso notar que a literatura romântica, especialmente
  a ultrarromântica, invadiu as famílias burguesas, ficando profundamente ligada ao
  mundanismo, à vida cívica: escreviam-se versos em álbuns, acompanhavam-se
  poemas a canto e piano nos salões, havia recitais poéticos em festas de
  beneficência e patrióticas, promoviam-se saraus literários. 
            Acresce
  ainda o facto de a obra literária não ser já um mundo fechado de valores para
  eleitos; é uma comunicação franca de ideias práticas e vitais a todo o
  leitor. Envereda até, uma vez ou outra, pelos caminhos da denúncia social
  e do empenhamento político | 
| 
Romantismo
  na Europa | 
            Teve origem na Escócia e na
  Inglaterra, países pouco permeáveis ao Classicismo, devido às suas arraigadas
  tradições. 
            Na Alemanha, o individualismo,
  exacerbado na luta contra a hegemonia napoleónica, favoreceu o clima
  romântico. 
            Em França, foi tardio porque o
  Classicismo estava muito implantado; os filósofos da Enciclopédia e
  sobretudo Rousseau, criador de uma literatura confessional, prepararam o
  terreno. Foram as influências vindas da Alemanha que aceleraram a sua
  implementação. 
            Em Portugal, o Romantismo está
  ligado às guerras liberais; os primeiros grandes mestres – Garrett e
  Herculano – foram soldados liberais. | 
| 
Génio
  criador | 
            O Romantismo
  privilegia a emoção, o sentimento em detrimento da razão e do espírito
  ordenador dos clássicos; isto é, vai sobrepor-se o culto do «eu» e dos
  direitos do coração às imposições orientadoras da inteligência (reacção
  contra o racionalismo clássico). | 
ESTÉTICA ROMÂNTICA
CONTEÚDO / TEMAS
| 
O
  individualismo / o egotismo | 
            O homem romântico, contra a
  estética neoclássica, contra a imitação dos modelos, defende a independência,
  a afirmação do indivíduo em si mesmo, o culto da personalidade, do “eu”. O
  “eu” é o pólo centralizador e o valor máximo. O mundo exterior serve para que
  o “eu” projete nele os seus sentimentos ou de pretexto para a evasão para
  mundos imaginários. É a apologia da imaginação e do devaneio poético sem
  limites. | 
| 
A aspiração ao infinito | 
            O escritor romântico afirma a sua
  rebeldia e insatisfação. Ele tende para o infinito, aspira a romper os
  limites que o constringem, numa busca incessante do absoluto, mas este
  permanece sempre como um alvo inatingível. Procura quebrar os seus limites;
  limitado como é, nunca conseguirá os seus intentos, considerando-se vítima e
  perseguido do e pelo destino. | 
| 
A
  sacralização do amor | 
            O amor, sentimento absolutizado,
  exagerado, coloca o amante em permanente insatisfação e contradição, porque
  nada no mundo pode preencher os seus desejos incontroláveis. A mulher ou é um
  ser angelical bom (anjo) ou um ser angelical mau (diabo), exercendo uma atração
  irresistível sobre o homem. Idealizada, é fonte de contradições e conflitos,
  nunca permitindo harmonia entre os amantes. | 
| 
A
  ânsia de liberdade | 
            Do acentuado individualismo brota
  naturalmente o desejo de quebrar todas as cadeias que coarctam a liberdade do
  “eu”, quer sejam políticas, morais ou sentimentais. Por isso, o escritor
  gritará contra os tiranos, sejam reis ou imperadores, aproximará a literatura
  do povo, a quem considera a essência da Nação, interessa-se pelos temas
  populares como manifestação espontânea da alma popular. O romântico
  deixar-se-á conduzir pelo instinto, pela paixão, pelo sentimento, pelo
  idealismo religioso, procurando pela natureza a visão da perfeição absoluta,
  da verdade absoluta e de Deus. A liberdade é um valor absoluto: “Abaixo
  a razão! Viva a Liberdade!” é o grito
  que se repete. 
            O
  herói romântico comporta-se como um rebelde, altivo e desdenhoso, desafia a
  sociedade e o próprio Deus. Prometeu, o deus rebelde, é, assim, a figura
  mítica exaltada como símbolo e paradigma da condição do homem. 
            A
  aventura do “eu” romântico apresenta uma feição de declarado titanismo, configurando-se o herói romântico
  como um herói rebelde que se ergue, altivo e desdenhoso, contra as leis e os
  limites que o oprimem, que desafia a sociedade e o próprio Deus. Prometeu é a
  figura mítica que os românticos frequentemente exaltam como símbolo e
  paradigma da condição titânica do homem, pois que, tal como Prometeu, é o
  homem um ser em parte divino, «um turvo rio nascido de uma fonte
  pura», cujo destino é urdido de miséria, solidão e rebeldia, mas que
  triunfa deste destino pela revolta e transformando em vitória a própria
  morte. | 
| 
O “mal du siècle” | 
            Da impossibilidade de alcançar o absoluto a que o
  romântico aspira, nascem o pessimismo, a melancolia, o cansaço, o desespero,
  a volúpia do sentimento, a busca da solidão. O mal du siècle, a
  indefinível doença que alanceia os românticos, que lhes enlanguesce a
  vontade, entedia a vida e faz desejar a morte, exprime o cansaço e a
  frustração resultantes da impossibilidade de realizar o absoluto, das paixões
  sem objeto, consumidas num coração solitário, roído pela angústia de viver. | 
| 
A
  fantasia | 
            A fantasia desempenha um papel
  desmesurado para o romântico: o sonho e a evasão são constantes, resultando
  da insatisfação do presente. | 
| 
A
  angústia metafísica | 
            A vida é, para o romântico, um
  problema constante; o seu egotismo fê-lo perder a confiança nas suas
  potencialidades. A sociedade não o compreende e daí ele voltar-se para o
  infinito e, como não o alcança, vive num permanente estado de angústia. | 
| 
O
  sentimento religioso – panteísta | 
            A aspiração dos românticos por um
  ideal encontra, por vezes, eco na tendência religiosa: Deus responde ao
  enigma da vida, à paz e esperança. A sua religiosidade é sobretudo de
  natureza sentimental e intuitiva; o seu diálogo com a divindade tende a
  dispensar a mediação do sacerdote e o formalismo dos ritos, desenrolando-se
  na intimidade da consciência. 
            Os românticos afirmam também
  sentir Deus na natureza; a sua sensibilidade leva-os a amar o Cristianismo
  dulcificante, salvador, em detrimento de uma mitologia cruel e distante. De
  facto, na senda da Profession de foi du vicaire savoyard, de
  Jean-Jacques Rousseau, os românticos descobriram e cultuaram Deus nos astros
  e nas águas do mar, nas montanhas e nos prados, no vento, nas árvores e nos
  animais. Por isso, o panteísmo representa
  a forma de religiosidade mais frequente entre os românticos. 
            Renasce, por outro lado, o mito de
  Satanás (satanismo), co-símbolo do mal
  e da desgraça. | 
| 
A
  Natureza | 
            Os clássicos tinham idealizado a
  natureza como o locus amoenus, cenário cristalino e primaveril,
  bucólico, harmonioso, equilibrado e proporcionador de sensações agradáveis,
  bucolicamente matizado de flores e de águas puras, paisagem doce e agradável,
  despertadora de sensações aprazíveis; era uma natureza simétrica,
  equilibrada, como simétricas e equilibradas eram as suas formas poéticas. 
            Os românticos criam um outro modelo
  de natureza – o locus horrendus –, natureza em tumulto, de imagens
  sombrias, noturnas, capaz de provocar sensações violentas: é constituída por
  realidades como a sombra, a noite, as trevas, a lua, o cemitério, as ruínas,
  a tempestade, o vento agreste, o pôr do Sol, o abismo, o mocho, o sapo,
  realidades essas capazes de provocar violentas sensações em escritores
  dominados pelo sentimento. Entre a natureza e o “eu” estabelecem-se relações
  afectivas; as coisas, os objectos associam-se aos seus estados de alma. O
  escritor projecta sobre todas as coisas os seus estados emotivos, os seus
  sonhos e devaneios. A natureza é amiga e confidente e funciona como ser afetivo
  e animado. 
            O locus horrendus provoca
  sentimentos exagerados, às vezes mórbidos, de acordo com o estado de espírito
  do “eu”, o desejo de evasão para outros mundos e até o desejo da morte. | 
| 
O
  exotismo | 
            Desgostado com a realidade que o
  rodeia – encarnação do finito, do efémero e do imperfeito –, em conflito com
  a sociedade ou dilacerado pelos seus conflitos interiores, o romântico
  procura ansiosamente a evasão: no sonho e no fantástico, na dissipação, no
  espaço e no tempo. 
            A evasão no espaço conduz ao
  exotismo e o romântico parte à procura de lugares exóticos, palco para a sua
  imaginação ilimitada; busca a evasão em países estrangeiros com as suas
  personagens, habitantes e costumes novos; por vezes, conduz ao gosto pelo
  bárbaro e primitivo. 
            Entre os países europeus, a Itália
  e a Espanha, países de paisagens e costumes característicos, de contrastes
  violentos e de paixões arrebatadas, representam as grandes fontes europeias
  do exotismo romântico; fora da Europa, é o Oriente, com o seu mistério, o
  fascínio dos seus costumes, das suas tradições, o objecto do exotismo
  romântico. 
            A evasão no tempo conduziu à
  reabilitação e à glorificação da Idade Média, época histórica particularmente
  denegrida pelo racionalismo iluminista. | 
| 
Interesse
  pela Idade Média | 
            Abandonando os modelos
  greco-latinos e consequentemente a mitologia, os românticos apaixonaram-se
  pela Idade Média porque fora essa época o momento da afirmação das
  nacionalidades em que o povo ajudava os reis a criar as nações, porque fora o
  tempo cheio de peripécias e de prodigiosas aventuras. A evasão no tempo
  conduziu à reabilitação da Idade Média, denegrida pelo racionalismo
  iluminista. Os castelos antigos, os monges, os cavaleiros, os momos
  despertavam a imaginação exacerbada dos românticos. A Idade Média era um
  manancial inesgotável de lendas, poesia, canções de gesta, feitiçaria,
  tradições, folclore, etc. 
            A evasão no tempo conduziu à
  reabilitação e glorificação da Idade Média, épica histórica particularmente
  denegrida pelo racionalismo iluminista. A Idade Média atraía a sensibilidade
  e a imaginação românticas pelo pitoresco dos seus usos e costumes, pelo
  mistério das suas lendas e tradições, pela beleza nostálgica dos seus
  castelos, pelo idealismo dos seus tipos humanos mais relevantes – o
  cavaleiro, o monge, o cruzado... –, mas solicitava também o espírito dos românticos
  por outras razões mais ponderosas. 
            Ora, a Idade Média, época de
  gestação das nacionalidades europeias, aparecia como a primavera do «espírito
  do povo» característico de cada nação, como o período histórico em que tal
  espírito se revelara na sua pureza originária, sem ter sido ainda maculado
  por qualquer influência alheia (a Renascença, portadora de vastas influências
  greco-latinas, alheias ao espírito das nações medievais, será duramente
  criticada pelos românticos). | 
| 
O nacionalismo e o popular | 
            A cultura francesa do século XVIII
  tinha unificado espiritualmente a Europa e Napoleão tentara a sua unificação
  política. Como reação a este desejo imperial, os escritores românticos
  procuram exaltar tudo o que é nacional e popular: o folclore, os costumes, as
  tradições, as figuras nacionais, a história pátria; a literatura popular e as
  grandes obras da literatura nacional. E creem que a alma dos nacionalismos
  europeus incarna no povo da Idade Média, daí o prestígio do popular e do
  folclórico. Foi por isso que a literatura romântica cedo adquiriu um caráter
  cívico e patriótico e enveredou gradualmente pelo historicismo,
  tratando com muito carinho figuras nacionais. | 
| 
A
  emoção | 
            O romântico expressa
  espontaneamente as suas emoções: liberto de convenções, ele dá vazão ao que
  lhe vai na alma, transporta o seu estado de espírito para a Natureza e para a
  escrita. | 
| 
A
  mulher | 
            A mulher, para o romântico,
  apresenta uma dupla faceta: pode surgir como mulher-anjo que veio do
  céu para purificar o coração do amante, enobrecer e animá-lo na sua missão
  poética, ou como mulher-demónio, que seduz e encandeia o homem, o
  perde e desgraça. | 
| 
Herói
  romântico | 
. Aparece carregado de aleijões, indisciplinado, doente, irrequieto e
  egocentrista, sem grandes preocupações morais e pessimista. 
. É um ser revoltado contra a sociedade, individualista e solitário. 
. Surge rodeado de incertezas e carregado de insatisfação e angústia. 
. É um D. Juan (D. Juanismo), um diletante que se apaixona por todas
  as mulheres, infligindo nas que por ele se apaixonam um destino terrível, espalhando
  à sua volta o sofrimento e a destruição. 
. É um ser fragmentado interiormente. | 
| 
A
  realidade humana total | 
            Se para o escritor clássico a
  beleza residia na imitação da natureza (no universal e não no particular),
  idealizando seres com todas as perfeições e sem quaisquer defeitos, o autor
  romântico, pelo contrário, semeia nas suas obras todos os tipos humanos.
  Deste modo, ao lado dos heróis, coloca os marginais, os fora da lei, os
  aleijões (físicos e morais): o ladrão, o assassino, o traidor, o perjuro, a
  prostituta, o corcunda, o cego, o adúltero, etc. Ocasionalmente, alia a
  elevação de sentimentos à hediondez física (como acontece, por exemplo, nas
  personagens o sineiro Quasimodo de Nossa Senhora de Paris, de Vítor
  Hugo, e o jardineiro Belchior de A Escrava Isaura, de Bernardo
  Guimarães). | 
FORMA
| 
Independência
  criativa | 
            O génio romântico não pode estar
  sujeito a regras, como o génio clássico, pois ele voa no imaginário, nos seus
  sentimentos, nos seus instintos. Daí a abolição do rigor rítmico, rimático e
  estrófico, o verso livre e branco, a variedade estrófica. 
            O Romantismo libertou a criação
  literária das coações advindas das regras, condenou a teoria neoclássica dos
  géneros literários, reagiu violentamente contra a conceção dos escritores
  gregos e latinos como autores paradigmáticos, fonte e medida de todos os
  valores artísticos. | 
| 
Linguagem | 
            É acessível, mesmo coloquial e
  oralizante, nada convencional. O vocabulário é corrente e familiar. O poeta
  usa as reticências, a pontuação em abundância, o verso cortado, pois ele não
  atende a convenções, mas põe no papel os sentimentos que lhe brotam da alma
  sem correntes nem previsões. A frase é sensorial, musical, imitando a voz; os
  adjetivos são novos; o tom retórico e declamatório, com repetições,
  apóstrofes e exclamações. | 
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Hibridismo
  de géneros | 
            Com os românticos aboliu-se a separação
  dos géneros; valorizam-se novas formas literárias e aliam-se o
  sublime e o grotesco. 
            Muitas formas literárias
  características do Neoclassicismo, como a tragédia, as odes pindáricas e
  sáficas, a écloga, etc., entraram em decadência no período romântico, ao
  passo que se desenvolveram novas formas literárias como o drama romântico, o
  romance histórico, o romance psicológico e de costumes, a poesia intimista e
  a poesia filosófica, o poema em prosa, etc. | 
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11.º Ano
                                              ,
                                            
Almeida Garrett
                                              ,
                                            
Frei Luís de Sousa
                                              ,
                                            
Romantismo
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
A Geração de 70 e a Questão Coimbrã
& O
Realismo e a Geração de 70
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            1. A Geração de 70 
            A segunda geração romântica,
  geração ultrarromântica, liga-se ao
  período da Regeneração, fase de estabilização aparente da vida social e
  política, conseguida através da: 
.
  eliminação da ala esquerda do Liberalismo; 
.
  criação duma oligarquia que deturpou as reformas sociais de Mouzinho da Silveira,
  degradou os ideais do Liberalismo e deu lugar a uma nova classe dominante. 
            Esta geração romântica, despojada
  da pureza dos ideais que tinha caracterizado a primeira geração, vivia num
  compromisso assumido e proveitoso com o governo, ocupava cargos privilegiados,
  dominava a administração pública, a imprensa, a política e a literatura. Tudo
  parecia querer traduzir a vontade e os princípios orientadores do governo. A
  Literatura é mais do que nunca um fenómeno oficial, marcado pelo conservadorismo
  ideológico e pela deterioração duma estética cada vez mais estereotipada. 
            O paternalismo / autoritarismo
  destes valores tem em Castilho o seu representante máximo. Este poeta ultrarromântico,
  com uma formação neoclássica e conservadora, é a figura venerada, o patriarca
  dos ultrarromânticos a cuja apreciação sujeitam toda a produção literária com
  o objetivo de obterem a sua adesão, a sua avaliação favorável, condição suficiente
  para os impor junto dos editores e do público em geral. Castilho alimentou
  este clima, este estado de espírito medíocre que nada tinha de promissor e de
  fecundo, tornando-se um dos grandes responsáveis pela decadência do
  Romantismo português e pela rutura polémica que lhe pôs fim. 
            Esta situação literária, que tem
  como suporte o enfeudamento ao poder, o elogio mútuo, o protecionismo e a
  consequente falta de qualidade e de criatividade, dá azo a que um grupo de jovens
  intelectuais, ligados à Universidade de Coimbra assuma a coragem da
  "rebelião" contra os literatos de Lisboa e o seu mestre e protetor.
  Este grupo ficou a ser conhecido por Geração de 70. 
            A Geração de 70 é, basicamente, um
  grupo de jovens intelectuais estudantes na Universidade de Coimbra, do qual
  fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho
  Ortigão, Guerra Junqueiro e outros, que surge a contestar os excessos do
  Ultrarromantismo, representados por uma plêiade de escritores sob a égide de
  António Feliciano de Castilho. 
            2.
  Questão Coimbrã 
            O primeiro sinal da renovação
  literária e ideológica foi dado na Questão Coimbrã, onde se defrontaram os
  defensores do statu quo literário e
  um grupo de jovens escritores estudantes em Coimbra, mais ou menos
  entusiasmados pelas leituras e correntes estrangeiras. 
            O motivo da "Questão"
  foi aparentemente trivial. O conjunto de acontecimentos que a rodearam pode
  resumir-se da seguinte forma: 
-»
  Publicação, em 1862, do poema D. Jaime,
  de Tomás Ribeiro; 
-» A Conversação
  preambular, escrita, em 11 de Julho de 1862, por António Feliciano de
  Castilho, para apadrinhar o poema D.
  Jaime, ultrapassa todos os limites, traçando um confronto entre essa obra
  e Os Lusíadas, considerando-a uma
  epopeia superior à epopeia camoniana. 
-» Leitura a Castilho dos poemas, até então
  inéditos, de Antero e Teófilo, que os acolheu com hiperbólica ironia. 
-» Escaramuças jornalísticas entre Pinheiro
  Chagas, crítico dos «coimbrões», e Germano Meireles, seu apologeta. 
-» Em agosto de 1865, Antero de Quental
  publica Odes Modernas, influenciado
  por escritores e filósofos franceses, afirmando no prefácio que “A poesia é a voz da Revolução”. 
-» Em 27 de setembro de 1865, Castilho (uma
  espécie de padrinho oficial de escritores mais novos, tais como Ernesto
  Biester, Tomás Ribeiro ou Pinheiro Chagas, à volta do qual se constelou um
  grupo de admiradores e protegidos ‑ «escola
  do elogio mútuo», chamar-lhe-á Antero ‑ em que o academismo e o
  formalismo anódino das produções literárias correspondiam à hipocrisia das
  relações humanas, e em que toda a audácia tendia a neutralizar-se), em carta
  ao editor António Maria Pereira que serve de posfácio ao Poema da Mocidade, ingénua biografia lírica em quatro cantos,
  típica do saudosismo ultrarromântico, escrita por Pinheiro Chagas, aproveita
  a oportunidade para fazer o elogio deste escritor, recomendando Pinheiro
  Chagas ao rei D. Pedro V para a cadeira, então vaga, de Literaturas Modernas
  no Curso Superior de Letras, e censurar um grupo de jovens de Coimbra,
  acusando-os de exibicionismo livresco, de obscuridade propositada e de
  tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia. Os escritores mencionados
  eram Teófilo Braga, autor dos poemas Visão
  dos Tempos e Tempestades Sonoras
  (futuro candidato a essa cadeira de Literatura); Antero de Quental, que
  publicara Odes Modernas; e Vieira
  de Castro, um jovem e verboso deputado. 
-» Antero responde, em novembro de 1865,
  com um folheto intitulado Bom Senso e
  Bom Gosto (as duas virtudes que Castilho negara aos dois academistas).
  Nele defendia a independência dos jovens escritores; apontava a gravidade da
  missão dos poetas na época de grandes transformações em curso, a necessidade
  de eles serem os arautos do pensamento revolucionário e os representantes do
  «Ideal»: ridicularizava a futilidade, a insignificância e o provincianismo da
  poesia de Castilho. Estava despoletada a Questão
  Coimbrão e estavam também lançadas as sementes do Realismo em Portugal. 
            Os sequazes de Castilho replicaram
  de imediato e os folhetos começaram a chover de ambos os lados. Quental
  arremeteu com novo opúsculos nesse mesmo ano, sob o título A dignidade das Letras e as Literaturas
  Oficiais, enquanto Teófilo replicou com Teocracias Literárias (1866). Castilho não reagiu publicamente,
  mas teve como defensores figuras ilustres. Um deles foi Ramalho Ortigão, que
  mais tarde se haveria de integrar no grupo de Coimbra, mas que nesta altura
  saiu à liça como paladino de Castilho em Literatura
  de Hoje (1866), repreendendo Antero com ásperos adjetivos pelo seu
  desrespeito, o que provocou um duelo entre ambos. Note-se, porém, que nesse
  folheto Ramalho marcou uma posição de independência, criticando também a fuga
  de Castilho às lutas das ideias. Outro combatente das hostes de Castilho foi
  Camilo, que, em Verdades Irritadas e
  Irritantes (1866), com o seu temível sarcasmo polémico, veio atacar a
  nova geração. 
            De notar que a Questão Coimbrã se alimentou de
  incompatibilidades literárias, que se foram juntando as sociais, políticas e
  filosóficas e, por último, as pessoais. Por exemplo, Antero e Teófilo não
  deixaram de causar estupefação com a brutalidade das alusões à idade e à
  cegueira de Castilho. 
                        2.1. O significado
  da Questão 
            A Questão, embora aparentemente literária, denunciava
  incompatibilidades mais profundas. De facto, os jovens universitários de 1865
  reagiram contra a falsidade que representavam muitos outros aspetos da vida
  portuguesa, produto da adaptação das formas alienígenas do Liberalismo à
  velha estrutura tradicional do País. A revolta da Geração de 70 eclodiu num
  movimento político, filosófico e literário, cuja amplitude ultrapassou talvez
  a do próprio Romantismo. 
            Este grupo que se sublevou contra Castilho
  era o mesmo que, acrescido de personalidades com tendências paralelas, havia
  de tratar, em 1871, nas Conferências Democráticas do Casino, de colocar
  Portugal a par da atualidade europeia, ligando-o "com o movimento
  moderno", estudando "as condições de transformação política,
  económica e religiosa da sociedade portuguesa". 
            Da ânsia de renovação cultural dos
  universitários dessa época dá Eça de Queirós uma boa ideia, ao relembrar a
  Coimbra do seu tempo: "Pelos caminhos de ferro que tinham aberto a Península,
  rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha (através da França),
  torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos,
  interesses humanitários. Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que
  fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo
  tornado profeta e justiceiro dos Reis; e Balzac com o seu mundo perverso e
  lânguido; e Goethe, vasto como um universo; e Pöe, e Heine, e creio que já
  Darwin, e quantos outros! 
            Naquela geração nervosa, sensível
  e pálida como a de Musset (por ter sido talvez como essa concebida durante as
  guerras civis) todas estas maravilhas caíam à maneira de achas numa fogueira,
  fazendo uma vasta crepitação e uma vasta fumarada!" 
            De toda esta problemática, fácil
  se torna concluir que esta geração surgida à vida pública na famosa
  "Questão Coimbrã" avulta como uma das mais brilhantes constelações
  que a cultura portuguesa produziu em qualquer época. 
            3.
  As Conferências do Casino 
            Assim designadas por terem
  decorrido na sala alugada do Casino Lisbonense, as Conferências do Casino
  foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa, na primavera de
  1871, pelo chamado grupo do Cenáculo, constituído por jovens escritores e intelectuais
  de vanguarda (Geração de 70), que passaram a reunir-se em Lisboa depois de
  concluídos os seus estudos em Coimbra, restaurando a antiga fraternidade
  académica num Cenáculo com sede em
  casa de um deles. Do grupo faziam parte Antero, Teófilo, João Augusto Machado
  de Faria e Maia, Manuel de Arriaga, Eça de Queirós, e mais tarde Jaime
  Batalha Reis, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Adolfo Coelho, Augusto
  Soromenho, Guilherme Azevedo e Guerra Junqueiro. 
            Das discussões do Cenáculo, em que
  se aliavam a literatura e a boémia, tinham saído de começo obras de pura
  ficção, como as últimas Prosas Bárbaras
  de Eça de Queirós e os «satânicos» Poemas
  de Macadam, atribuídos a um imaginário Carlos Fradique Mendes; a chegada
  de Antero vem disciplinar as leituras e os interesses e dar um objetivo mais
  preciso ao grupo. 
            O grande impulsionador das Conferências foi Antero de Quental,
  que, a partir de 1871, regressando de viagens a França, América e à ilha de
  S. Miguel, logo começara a influir nos gostos e interesses do grupo,
  iniciando-o na leitura de Proudhon. A ideia das Conferências surgiu na Casa
  da Rua dos Prazeres, onde o Cenáculo reunia então. Antero e Batalha Reis
  alugaram a sala do Casino Lisbonense, no largo da Abegoaria, hoje de Rafael
  Bordalo Pinheiro. O jornal A Revolução
  de Setembro encarregou-se da propaganda. A 18 de maio surgiu naquele jornal
  um manifesto (que já fora distribuído em prospeto), assinado por doze nomes,
  onde se indicavam as intenções dos organizadores das chamadas Conferências Democráticas. 
                        3.1.
  Programa das Conferências 
       «Ninguém
  desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e
  todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como
  deve regenerar-se a organização social. 
       Sob
  cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que
  constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e
  o porquê dos movimentos. 
       Pareceu
  que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos
  tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias
  e a legitimidade desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela
  deve ser; como as Nações têm sido, e como as pode fazer hoje a liberdade; e,
  por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as
  correntes do século. 
       Não
  pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais
  do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também
  ser o assunto das nossas constantes meditações. 
       Abrir
  uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento
  do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política
  dos povos. 
       Ligar
  Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais
  de que vive a humanidade civilizada; 
       Procurar
  adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa; 
       Agitar
  na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna; 
       Estudar
  as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade
  portuguesa; 
       Tal
  é o fim das Conferências Democráticas. 
       Têm
  elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a
  opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo
  que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma
  segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma
  sólida garantia à ordem. 
       Posto
  isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas
  aquelas pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam
  a sua atenção aos que pretendem ter uma ação ‑ embora mínima ‑ nos destinos
  do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado
  dos seus estudos e trabalhos. 
            Lisboa,
  16 de maio de 1871 ‑ Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto
  Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo,
  Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga,
  Teófilo Braga." 
                        3.2.
  Significado das Conferências 
            Encaradas no seu conjunto, as
  Conferências do Casino integram-se num largo, embora vago, plano de reforma
  da sociedade portuguesa e representam entre nós a afirmação dum movimento de
  ideias que contagiara os intelectuais portugueses, através dos livros vindos
  de fora. Era o historicismo, o interesse pelas ciências políticas e sociais,
  a crítica positivista à maneira de Taine, o evolucionismo de Darwin, um alvorecer
  de interesse pelas teorias de Marx e Engels, os ecos da Internacional, o realismo
  em Arte como expressão dum novo ideal de vida, a crença no progresso das
  sociedades, conseguido através das ciências ‑ das positivas, cujo prestígio
  crescia a cada instante. E, embora as preleções de Soromenho e A. Coelho se
  tenham mantido alheias a este espírito revolucionário, e apenas tenham
  marcado uma posição de ácido negativismo quanto às coisas portuguesas ‑ a verdade
  é que o espírito das Conferências do Casino foi este. Como Eça afirmava nas Farpas, «era a primeira vez que a Revolução
  sob a sua forma científica tinha em Portugal a sua tribuna». 
            Para compreender todo o alcance
  das Conferências, convém notar que se estava então num ano de grandes
  acontecimentos ‑ 1871: remate da unificação de Itália, queda do II Império
  francês, guerra franco-prussiana, Comuna de Paris, que Antero e Guilherme de
  Azevedo aplaudiram publicamente. No plano interno, este é o ano em que a
  Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, se estende a
  Portugal, com a cooperação de Antero. O principal promotor em Portugal desta
  organização, um empregado da livraria Bertrand, José Fontana, tem contactos
  com o Cenáculo, e participa, como organizador administrativo, nas
  Conferências. 
            É fácil, desta forma, compreender
  a importância que lhe dedicaram as autoridades oficiais, até ao seu
  encerramento compulsivo por ordem do ministro do reino, António José de
  Ávila, após os ataques de jornais conservadores, que acusavam os
  conferencistas de intenções subversivas e de serem adeptos da Comuna. A
  motivação próxima da ordem de encerramento parece ter sido a de impedir a
  realização de uma conferência que ia pôr em causa a religião católica,
  constitucionalmente ligada ao Estado. | 
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