Português: 11/01/2011 - 12/01/2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Mark Twain - n. 30/11/1835

-, Ben, Joe, -
Becky, TOM, Huck, Amy
     - Tom!
     Ninguém respondeu.
     - Tom!
     Nada.
     - Sempre gostava de saber onde se meteu aquele rapaz. TOM!
     Silêncio absoluto.
     A velhota puxou os óculos para baixo e, por cima deles, olhou o quarto em volta; tornou a puxá-los para cima e olhou através deles. Raras vezes ou nunca procurava de óculos uma coisa tão pequena como um rapaz, mas este par era o de luxo, o seu orgulho; eram só para a vista, e não para serviço, pois via tão bem por eles como através das portas do fogão. Durante um momento pareceu indecisa e, por fim, disse, não muito de rijo, mas em voz suficientemente alta para os móveis a ouvirem:
     - Garanto-te que, se te apanho, te...

                                          Mark Twain, As Aventuras de Tom Sawyer

Objetivos

     O texto argumentativo possui um conjunto de objetivos que confluem em três grandes componentes

          . A Intelectual:
                    - Instrução (docere)
                    - Argumentação (probare)
                    - Edificação ética (monere)

          . A emocional:
                    - Deliberação (conciliare)
                    - Remissão para o próprio texto (delectare)

          . A passional:
                    - fomento de emoções momentâneas (movere, concitare)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Sebastianismo


     A derrota em Alcácer Quibir e o desaparecimento de D. Sebastião em Alcácer Quibir, em 1578, deixaram Portugal na orfandade e sob o domínio castelhano. Esta situação inspirou vários escritores que viram no acontecido o desfazer do sonho de um grande império. Só uma fé messiânica nos poderia salvar da degradante situação.
     Gonçalo Anes, de alcunha o Bandarra, sapateiro de Trancoso, inspirado na Bíblia, cantou em trovas um tempo novo simbolizado pelo rei D. Sebastião, o Encoberto, libertador da opressão e da miséria do povo e da "erronia" do mundo. Compostas entre 1530 e 1540, as Trovas de Bandarra resultariam na expressão mais relevante do messianismo anterior a D. Sebastião, com base no profetismo hebraico (crença na vinda do Messias), no mito peninsular do Encoberto e nas reminiscências das lendas do ciclo arturiano (o rei Artur desapareceu, está guardado numa ilha e regressará), dando origem a uma doutrina e a um mística: o SEBASTIANISMO, de que D. Sebastião permanecerá como símbolo por excelência.
     A sociedade não se reconhecia a si própria e nela confluíram antagonismos e projetos, em refletida crise de identidade nacional potenciada, a partir de meados do século XVI, pelas oscilações vitais na dinâmica estrutural do Império Português. Assim, sublimou em D. Sebastião a vontade de um povo no reforço e dilatação do Império e na reafirmação do seu papel de guardião da fé cristã, retratada nas obras de Camões, Diogo Bernardes e Pêro de Andrade Caminha, que a morte do rei, porém, tão abruptamente obliterou.  Durante o domínio filipino, sob um pulsar nacionalista, suceder-se-iam os episódios de aventureiros que, fazendo-se passar por D. Sebastião ou encarnando a esperança no Encoberto, insidiosa e teimosamente mantiveram vivo e consubstanciaram o desejo de libertação do jugo espanhol em Portugal.

Alcácer Quibir


     No Norte de África eram constantes as lutas entre várias fações marroquinas. O pretexto para a intervenção de D. Sebastião surgiu com a deposição, em 1576, do sultão Mulei Maamede pelo sultão Mulei Moluco, este auxiliado pelos Turcos. Ora, o auxílio dos Turcos era uma ameaça para a segurança das nossas costas e para o comércio com a Guiné, Brasil e Oriente. Por isso, D. Sebastião decidiu apoiar Mulei Maamede, que nos ofereceu Arzila, e procurou apoio de outros reis. Filipe II veio a retirar-se. Da Alemanha, Flandres e Itália vieram soldados mercenários e auxílio em armas e munições. Fez-se o recrutamento do exército português, mas verificou-se muita corrupção, o que fez com que o exército expedicionário, constituído por cerca de 15 000 homens, fosse pouco disciplinado, mal preparado, inexperiente e com pouca coesão.
     D. Sebastião partiu de Lisboa a 25 de Junho de 1578, passou por Tânger, onde estava Mulei Maamede, seguiu para Arzila e daqui para Larache, por terra, havendo quem preferisse que se fosse por mar, para permitir maior descanso às tropas. Seguiram depois a caminho de Alcácer Quibir, onde encontraram o exército de Mulei Moluco, muito superior em número. A 4 de Agosto de 1578, com o exército esgotado pela fome, pelo cansaço e pelo calor, deu-se a batalha. Nestas condições, o exército português, pesem alguns atos de grande bravura, foi completamente dizimado, sendo muitos os mortos, um dos quais o próprio rei D. Sebastião, que preferiu a morte à fuga, enquanto os sobreviventes foram feitos prisioneiros. Esta batalha é conhecida também pelo nome de "Batalha dos Três Reis", pois nela vieram a morrer, além de D. Sebastião, Mulei Maamede e Mulei Moluco.
     O resultado e as consequências desta batalha foram catastróficos para Portugal. Por um lado, morreu o rei, não deixando sucessor, o que levantou uma crise dinástica e ameaçou a independência de Portugal face a Castela, pois um dos candidatos à sucessão era Filipe II de Espanha. Filipe veio efetivamente a ascender ao trono em 1580, após a morte do Cardeal D. Henrique. Por outro, a maioria da nobreza portuguesa que participara na batalha ou morrera ou fora aprisionada. Por último, para apagar os elevados resgates exigidos pelos marroquinos, o país ficou enormemente endividado e depauperado nas suas finanças.

D. Sebastião

     Filho do príncipe D. João e de D. Joana de Áustria, e neto de D. João III, nasceu em Lisboa em 1554 e morreu em Alcácer Quibir em 1578. Décimo sexto rei de Portugal, ficou conhecido pelo cognome de O Desejado.
     D. Sebastião herdou o trono de seu avô, D. João III, porque, apesar de este ter tido vários descendentes, todos eles acabaram por falecer precocemente. Como era menor à data de ocupar o trono, ficou como regente sua avó D. Catarina, apesar de D. João III não ter deixado testamento, mas apenas uns apontamentos em que a indicava como regente. Sua mãe, D. Joana, de acordo com o contrato nupcial, teve de regressar a Castela após a morte do príncipe D. João.
     A regente, D. Catarina, por influência do cardeal D. Henrique, começou por pedir ao Papa a fundação da Universidade de Évora, que entregou aos Jesuítas. Continuou a política de D. João III quanto ao Norte de África, querendo abandonar Mazagão, que, entretanto, teve de defender dos ataques mouros. Acusada de sofrer influências da corte espanhola, pediu a demissão de regente nas Cortes de Lisboa de 1562, continuando, no entanto, como tutora de D. Sebastião. Foi eleito como regente, nessa altura, o cardeal D. Henrique, tio de D. Sebastião. Nestas cortes, o povo manifestou a sua apreensão quanto à educação do rei, sobre a questão da sucessão e sobre a inalienabilidade de todo o território nacional, aspetos que D. Henrique vai ter em conta durante a sua regência, até D. Sebastião completar catorze anos.

Presságios

  • A leitura que D. Madalena realiza do episódio de Inês de Castro, incluso n'Os Lusíadas, que motiva a sua reflexão (no início do ato I), o que alia o seu destino ao final trágico de Inês de Castro;
  • Os agouros de Telmo, que não acredita na morte de D. João de Portugal, colocando a hipótese do seu regresso, e que afirma que uma situação ocorrerá que deixará claro quem nutre maior amor por Maria naquela casa;
  • Os pressentimentos que D. Madalena de que um acontecimento funesto irá atingir a sua família, o que não a deixa viver o seu amor por Manuel de Sousa de uma forma tranquila, motivando a sua insegurança, a sua angústia e impedindo a sua felicidade;
  • O facto de Manuel de Sousa, antes de pegar fogo ao próprio palácio, por considerar a resolução dos governantes espanhóis uma afronta, evocar a morte de seu pai, que caíra "sobre a sua própria espada", indicando o destino funesto da sua família: "Quem sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minas mãos?" (I, 11); por outro lado, o seu ato irá motivar a aproximação da família de um espaço que pertencera a D. João de Portugal e que a ele está ligado metonimicamente;
  • As flores que Maria transporta consigo murcharam, o que deixa antever a tragédia com que encerra a obra (a morte de Maria);
  • Os sonhos estranhos e as visões de Maria (motivados pelo seu temperamento romântico, pela imaginação e aguçados pela tuberculose), dado o seu caráter negativo e o facto de a impedirem de dormir, permitem igualmente antecipar o desenlace trágico;
  • A contemplação do retrato do pai remete para a intuição do malogro do casamento dos pais;
  • A simbologia da sexta-feira, considerada por D. Madalena como um dia aziago e fatal;
  • O sebastianismo de Telmo e de Maria indica a hipótese de regresso de D. João de Portugal, que, tal como D. Sebastião, desaparecera na batalha de Alcácer Quibir;
  • Os indícios de tuberculose de Maria: a febre, as mãos que queimam, as rosetas nas faces e o ouvido apuradíssimo (ouvido de tísica);
  • A leitura que Maria faz da novela Menina e Moça (obra de Bernardim Ribeiro - "Menina e moça me levaram de casa de meu pai.") indicia a sua separação da família (ato II, cena 2);
  • A visita que Maria e seu pai, Manuel, fazem a Soror Joana (ato II), que fora casada com D. Luís de Portugal - o casal decidira, em determinado momento da sua vida, abandonar o mundo e recolher-se num convento;
  • As alterações da decoração dos espaços físicos: no ato I, encontramos um ambiente alegre e aberto ao exterior, que será substituído nos segundo e terceiro atos por uma decoração melancólica e soturna;
  • A localização dos acontecimentos da peça ao início da noite ou de noite (ato I: "É no fim da tarde"; ato II: "É alta noite");
  • Os elementos simbólicos a nível do espaço físico:
  • os retratos de Manuel de Sousa, Camões e D. João;
  •  a substituição do retrato de Manuel pelo de D. João, aliada à substituição de espaço, é um sinal que D. Madalena interpreta como fatal;
  • o facto de o retrato de Manuel de Sousa ser consumido pelo fogo durante o incêndio por si ateado;
  • a mudança do palácio de Manuel de Sousa para o de D. João.

domingo, 27 de novembro de 2011

Marcas românticas de Frei Luís de Sousa

  • A peça não possui unidade de tempo nem unidade de lugar, embora o grande espaço continue a ser o mesmo: Almada.
  • O nacionalismo / patriotismo:
  • de Maria, visível na sua resistência aos governadores castelhanos, o que traduz outro traço romântico: a ânsia de liberdade;
  • o assunto é nacional, eivado de messianismo, que constituía uma força de reação contra o domínio dos espanhóis; uma reação do povo português ao domínio filipino.
  • A linguagem, plena de exclamações, interrogações, reticências, frases curtas, procurando adequá-la ao íntimo, ao estado de espírito das personagens.
  • Caracterização de Maria:
               - a mulher-anjo;
               - os ideais de liberdade;
               - a exaltação de valores de feição popular;
               - a atração pelo mistério;
               - a intuição;
               - a tuberculose, a doença dos românticos.
  • As crenças: os agouros, as superstições, os sonhos, as visões de D. Madalena, Telmo e Maria (cenas II a IV do ato I).
  • O mito do escritor romântico: martirizado, sofredor, solitário, marcado pelo Destino, refugia-se no convento, que lhe proporciona o isolamento indispensável à escrita.
  • A crença no sebastianismo: logo no início (I, 2), D. Madalena afirma a Telmo: "... mas as tuas palavras misteriosas, as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei D. Sebastião, que o seu mais desgraçado povo ainda não quis acreditar que morresse, por quem ainda espera em sua leal incredulidade!". O sebastianismo, representado por Telmo e Maria, reside na crença no regresso do rei D. Sebastião, que conduzirá a uma época de brilho para Portugal e ao início de uma nova era mundial do direito e da grandeza, que será a última no plano da salvação dos homens.
  • A religiosidade: além das constantes referências ao cristianismo e ao culto, a religião surge como refúgio e consolação para o sofrimento trágico, para as almas atormentadas pelo pecado (tomada de hábito de D. Madalena e de Manuel de Sousa). O próprio conflito tem origem, em grande parte, na ética cristã.
  • A obra não possui cinco atos, como era de regra na tragédia clássica, mas somente três.
  • O tema da morte: a morte é um tema típico do Romantismo por ser a melhor solução para os conflitos (Maria morre fisicamente e os pais morrem espiritualmente, para o mundo). Por outro lado, a morte de uma personagem em cena (Maria) admite-se no Romantismo, mas não no Classicismo.
  • A apresentação formal da obra em prosa, porque "repugnava-lhe pôr na boca de Frei Luís de Sousa outro ritmo que não fosse o da elegante prosa portuguesa que ele, mais do que ninguém, deduziu com tanta harmonia e suavidade" (Memória ao Conservatório Real).
  • Algumas personagens, sobretudo Madalena e Maria, embora aristocráticas, são verdadeiras heroínas românticas pelo seu comportamento emocional (por exemplo, Maria é uma personagem romântica pela sua sensibilidade doentia e de imaginação aguçada pela tuberculose - sonhos, visões).
  • As crenças: agouros, superstições, visões e sonhos, bem evidentes em D. Madalena, Telmo e Maria.
  • O individualismo: acentuado pelo confronto entre o indivíduo e a sociedade, entre o código moral estabelecido e o desejo de ser feliz à margem desse mesmo código, entre a fidelidade a um passado que esmaga e o abandono a um presente que abre um sentido para a vida.
  • A linguagem e o estilo: a linguagem é adequada às circunstâncias e às personagens:
  • linguagem carregada de remorso e amor, inquietação e angústia (reticências) em D. Madalena;
  • digna, respeitosa, sem deixar de ser familiar, em Telmo, e ainda paternalista, confessional, agoirenta;
  • carinhosa, familiar e respeitosa entre D. Madalena e Telmo;
  •  nobre e elegante, por vezes de tom didático, em Manuel de Sousa;
  •  agoirenta, fantasista e amorosa em Maria;
  •  confidencial, de tom religioso e moralizador, em Frei Jorge;
  •  fria e espectral, cheia de arrependimento, em D. João;
  • digna e culta, na generalidade, como convém a uma obra com caraterísticas de tragédia. 

Tempo da ação / diegese

     Apesar de, na primeira didascália que antecede o início do ato I, constar a referência à "... caprichosa elegância portuguesa dos princípios do século dezassete", a ação desenrola-se, efetivamente, em 1599, último ano do sécilo XVI. O próprio Garrett declarou, na Memória ao Conservatório Real, lida a 6 de maio de 1843, que os aspetos cronológicos não o preocuparam aquando da escrita da peça, pois considerou mais importante "o trabalho da imaginação", irreconciliável com os "algarismos das datas".
     Com efeito, a ação respeitante ao ato I inicia-se no dia 28 de Julho de 1599, no final da tarde de uma sexta-feira, e terminada na madrugada de 5 de agosto do mesmo ano.

     Cronologicamente, os acontecimentos abordados na peça são os seguintes:
  • 4 de agosto de 1576: casamento de D. Madalena com D. João de Portugal (II, 10);
  • 4 de agosto de 1577: D. Madalena vê pela primeira vez Manuel de Sousa Coutinho (II, 10);
  • 4 de agosto de 1578:
               - batalha de Alcácer Quibir;
               - desaparecimento de D. Sebastião e de D. João;
  • de 1578 a 1585: durante este período de 7 anos, ocorrem as buscas infrutíferas de D. João de Portugal - D. Madalena envida todos os esforços no saber notícias do seu marido, sem, contudo, obter qualquer resultado ("... D. João ficou naquela batalha (...) como durante sete anos (...) o fiz procurar..." - 1578 + 7 = 1585);
  • 1585: D. Madalena casa com Manuel de Sousa, por quem se apaixonara ainda durante o primeiro casamento;
  • 1585 a 1599: 14 anos do segundo casamento ("... vivemos (...) seguros, em paz e felizes... há catorze anos.");
  • 1586: nascimento de Maria ("Então! Tem treze anos feitos..." - I, 2);
  • 4 de agosto de 1598: libertação de D. João de Portugal;
  • 28 de julho de 1599: incêndio do palácio de Manuel de Sousa Coutinho (I, 12);
  • 4 de agosto de 1599: chegada do Romeiro (II, 1-14);
  • madrugada de 5 de agosto de 1599:
               - morte de Maria;
               - tomada de hábito de D. Madalena e D. João de Portugal.

     Tendo em conta estes dados, conclui-se que o tempo da diegese dramática é de 21 anos: 1578 a 1599.

     A ação propriamente dita desenrola-se em cerca de uma semana:
  • Julho:
               - 28 ® ato I ("É no fim da tarde.")
              (sexta-feira)
  • Agosto:
               - 1 a 3 ® D. João aproxima-se da sua casa (três dias)
               - 4 ® ato II  ® 8 dias após o final do ato I e do incêndio
               (sexta-feira)      ® chegada do Romeiro
               - 5 ® ato III ® "alta noite"
                    ® tomada de hábito (morte para o mundo)
                    ® morte de Maria 
                    ® partida do Romeiro


  • Concentração / afunilamento do tempo
     De acordo com os preceitos da tragédia clássica, o tempo de Frei Luís de Sousa sofre uma redução progressiva que contribui para a construção da tensão dramática: 21 anos (1578 a 1599) ® 14 anos (duração do segundo casamento de D. Madalena) ® 7 anos (tempo durante o qual D. Madalena procurou, em vão, D. João) ® 1 ano (tempo que medeia entre a libertação e a chegada do Romeiro a Almada) ® 8 dias (vida da família no palácio de D. João) ® 3 dias (D. João aproxima-se da sua casa) ® 1 dia (4 de agosto - «Hoje» - chegada do Romeiro / D. João) ® 5 horas da madrugada de 5 de agosto (tomada de hábito e morte de Maria).



  • Simbolismo de algumas referências temporais
  • Sexta-feira: é um dia considerado aziago, conotado com a tragédia, de acordo com a tradição popular (por exemplo, a sexta-feira 13). Para D. Madalena, é um dia fatal ("Ai que é sexta-feira." - II, 5; "É um dia fatal para mim..." - II, 10) e foi nele que ocorreram os acontecimentos centrais da sua vida:
                         » primeiro casamento (com D. João);
                         » primeiro encontro com Manuel de Sousa, por quem se apaixona à primeira
                            vista,apesar de ainda estar casada com o primeiro marido;
                         » batalha de Alcácer Quibir;
                         » desaparecimento de D. João e de D. Sebastião;
                         » incêndio do próprio palácio por Manuel de Sousa, seguido da mudança, com
                            a família, para o de D. João;
                         » regresso de D. João, disfarçado de Romeiro.
  • Ambiente crepuscular e / ou noturno, caracteristicamente romântico, está associado à morte que se abaterá sobre a família e sublinha um certo aspeto transgressor que envolve toda a história daquele núcleo familiar:
                         » "É no fim da tarde" (didascália inicial do ato I);
                         » "É noite fechada" (I, 7);
                         » "É alta noite" (didascália inicial do ato III).
  • Número 7 e seus múltiplos:
                         »  D. Madalena procura saber notícias do seu primeiro marido durante sete
                             anos, após os quais se casa com Manuel de Sousa;
                         » o casamento de D. Madalena e Manuel de Sousa durava há catorze anos
                            (2 X 7);
                         » D. João regresso vinte e um anos após o seu desaparecimento / a batalha
                            de Alcácer Quibir (3 X 7).
     Ora o 7 é o símbolo da totalidade: 7 foram os dias da criação do Mundo, 7 são os pecados mortais e as virtudes que se lhe opõem, 7 são os dias da semana, 7 são as cores do arco-íris.
     Assim, o 7 é o número associado à conclusão de um ciclo e ao início de outro: o final da vida do casal e, consequentemente, com a tragédia; o fim de um ciclo (a destruição da família, a morte de Maria...) e o início de uma nova vida (tomada de hábito).
  • Número 9: este número simboliza também o nascimento de uma nova vida (por exemplo, os 9 meses de gestação de um ser humano), a passagem a outro estádio da existência; daí que a tomada de hábito, marcando a transição do mundo profano para o mundo religioso, tenha lugar ao nono dia. 
  • Número 3: o número da perfeição, daí que 21 seja o símbolo da tragédia perfeita (21 = 3 X 7). 
  •  Número 13: o número tradicionalmente associado ao azar (Maria tem treze anos).
  • Mês de agosto: mês do desgosto.
                         » simbologia do mês de agosto »»»
                         »  acontecimentos trágicos acontecidos durante agosto »»»

Caráter ominoso

     O caráter ominoso remete para o clima carregado de mistério e de fatalismo da peça, conferido pela repetição do número 7 (7, 14, 21) e pela sexta-feira, um dia tido como aziago.

Agon

. De D. Madalena:
     * interior, de consciência (I, 1):
               - personalidade aparente, feliz, ligada a Manuel de Sousa pelo amor-paixão;
               - personalidade real ou oculta, infeliz ou "desgraçada", ligada a D. João pela
                  memória do passado, pelo remorso do presente;
     * contínuo e crescente;
     * com Telmo:
          - apesar de lhe ter obedecido durante os 7 anos de «viuvez» como a um pai, D.
             Madalena não segue o conselho de esperar o regresso de D. João, anunciado na carta
             profética, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir;
     * com D. João:
          - nas conversas com Telmo, testemunha da «desobediência» de D. Madalena, conversas
             cheias de reticências, de subentendidos, de duplos sentidos, de alusões, de agouros,
             de «futuros», de pressentimentos de desgraça iminentes (I, 2);
          - a consciência atormentada e o remorso de D. Madalena (I, 1);
          - as reações de aflição, sublinhadas pelas lágrimas, sempre que Maria se refere à
             crença da sobrevivência e possível regresso de D. Sebastião (I, 3);
          - a relutância de voltar a viver no palácio de D. João (I, 7 e 8);
          - a reação tida ao chegar ao palácio do primeiro marido (II, 1);
          - a "confissão" a Frei Jorge (II, 10);
     * com Maria:
          - para Maria, há um enigma que nem a mãe, nem o pai, nem Telmo se prontificam a
             decifrar; são segredos e mistérios intuitivamente pressentidos que não consegue
             desvendar;
          - a razão por que nem a mãe nem o pai, apesar do seu patriotismo ("... que ele não
             é por D. Filipe, não é, não?") acreditavam no regresso de D. Sebastião;
          - a razão por que, quando em tal se falava, o pai mudava de semblante e a mãe se
             afligia e até chorava;
     * com Manuel de Sousa Coutinho (I, 7 e 8): a necessidade de mudança para o palácio
        de D. João após ele ter incendiado o seu próprio lar, mudança a que ela se opõe.

. De Telmo:
     * de consciência: começa a ser evidente o conflito / a divisão de consciência entre o desejo
        do regresso de D. João e o amor a Maria / a incompatibilidade entre o amor a D. João e
        a Maria (III, 4);
     * com D. Madalena:
          - desaprova o casamento com Manuel de Sousa, baseado nos dizeres da carta profética
             de D. João, escrita na madrugada da batalha;
          - desaprova igualmente o casamento baseado na superstição de que, se D. João voltasse
             e aparecesse a D. Madalena, não se iria embora sem lhe aparecer também;
          - daí vieram os «ciúmes», as alusões, os agouros, os «futuros»;
          - este conflito de Telmo com D. Madalena fica sempre sem solução;
     * com Maria (I, 2):
          - a princípio, não a podia ver, por causa do seu nascimento em berço ilegítimo ("Digna
             de nascer em melhor estado");
          - o conflito com Maria termina, porque ela acabou por o cativar;
          - novo conflito (II, 1), no entanto, se pode observar nas evasivas, nas meias-verdades,
             nas reticências, na relutância em revelar a identidade da personagem do retrato;
          - é Manuel de Sousa quem identifica essa personagem (II, 2);
    * com Manuel de Sousa (I, 2):
          - apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua opinião, inferior a D. João;
          - por conta deste tem "ciúmes" e alguma aversão por o considerar um intruso;
          - o conflito resolve-se quando Manuel de Sousa o cativa pelos atos de resistência aos
             governadores, que culminam com o incêndio do próprio palácio (I, 7, 8 e 12),
             chegando mesmo a admirá-lo;
     * com D. João de Portugal (III, 4 e 5):
          - o amor a Maria venceu o amor a D. João;
          - por isso, chega a oferecer a sua vida em troca da vida "daquele anjo" e a desejar a
             morte de D. João.

. De Maria:
     * não tem conflito interior;
     * com D. Madalena:
          - a propósito da sobrevivência e do regresso de D. Sebastião (cena 3, ato I) - D.
             Madalena não acredita, nem lhe convém acreditar nem uma coisa nem outra, enquanto
             Maria acredita firmemente;
          - desconfia que a mãe oculta alguma coisa muito importante; por isso, está sempre
             atenta, a observar os sobressaltos, as reações, a ansiedade da mãe a seu respeito; por
             isso, lê nas palavras, nas ações e nos gestos da mãe e do pai, à procura de indícios, de
             respostas para a sua curiosidade (cena 4);
          - não pode cumprir as esperanças nela depositadas (cena 4, ato I);
          - por isso, desejava ter um irmão;
     * com Manuel de Sousa:
          - duvida do patriotismo do pai (cena 3, ato I), por causa das atitudes que ele toma, ao
             ouvir falar de D. Sebastião ("Ó minha mãe, pois ele não é por D. Filipe, não é,
             não?");
          - a hipótese não tem fundamento.;
     * com os governadores de Lisboa (I, 5): a resistência à tirania, concretizada na ideia de
        lutar e organizar a defesa, para que aqueles não entrem no seu palácio;
     * com Telmo Pais (II, 1), a propósito da identidade da personagem do retrato:
          - as meias-verdades, as evasivas de Telmo, que a todo o transe pretende ocultar-lhe o
             nome do cavaleiro retratado;
          - os indícios observados por Maria, nos momentos que passou ali mesmo com a mãe,
             no dia da mudança para este palácio; a intuição do segredo e a persistência em a
             manterem na ignorância daquele "mistério";
     * com D. João de Portugal:
          - antes da mudança de palácio (cena 4, ato I):
               . pressente intuitivamente que alguém, fazendo sofrer a mãe, também não a deixa
                 ser feliz;
               . por isso, procura uma resposta, com os meios ao seu dispor: a capacidade de
                 "ler nas estrelas" e os sonhos e as visões ("... leio... nas estrelas do céu também,. 
                 e sei cousas...");
          - depois da mudança (II, 1 e 2):
               . fica a saber, a partir da atitude da mãe, que a figura representada no retrato e de
                 quem ignora a identidade, é esse alguém, causador de todos os sofrimentos;
               . daí a curiosidade e a persistência das perguntas a Telmo até à revelação da
                 identidade do retratado; no entanto, ela já o sabia "de um saber cá de dentro";
          - por fim (III, 11 e 12):
               . revela que sempre houve alguém a interpor-se entre ela e a mãe, entre ela e o
                 pai, por intermédio da figura simbólica de um anjo vingador: "Mãe, mãe, eu
                 bem o sabia... nunca to disse, mas sabia-o; tinha-mo dito aquele anjo que
                 descia com uma espada de chamas na mão, e a atravessava entre mim e ti,
                 que me arrancava dos teus braços quando eu adormecia neles... que me fazia
                 chorar quando meu pai ia beijar-me no teu colo";
               - identifica-o: "É aquela voz, é ele, é ele!".

. De Manuel de Sousa Coutinho:
     * não possui conflito de consciência;
     * não entra em conflito com outras personagens, exceto com os governadores;
     * a sua hybris desencadeia e agudiza os conflitos das outras personagens.

. De D. João de Portugal:
     * alimenta os conflitos dos outros:
          - com D. Madalena: a consciência atormentada pelos remorsos;
          - com Telmo:
               . a perda do aio por causa de Maria;
               . a luta contra a resistência de Telmo à sua ordem de mentir para salvar D.
                 Madalena;
          - com Manuel de Sousa Coutinho:
               . pela felicidade de ter uma filha;
               . por se sentir espoliado por ele e por D. Madalena: "Tiraram-me tudo";
          - com Maria:
               . pela felicidade de ter uma filha;
               . por o ter expulsado do coração de Telmo.

Coro

     O coro está presente em diversas circunstâncias:
          - nos agouros e prenúncios de desgraça próxima de Telmo;

Pathos

. De D. Madalena:
     - os terrores que se sente desde a cena I;
     - o sofrimento por causa do adultério;
     - o sofrimento pela incerteza da sorte do primeiro marido;
     - o sofrimento violento pela volta do primeiro marido;
     - o sofrimento cruel após conhecer a existência do primeiro marido (vivo):
          . pela perda do marido;
          . pela perda de Maria.

. De Manuel de Sousa Coutinho:
     - sofre a angústia pela situação presente e futura da filha (III, 1);
     - sofre a angústia pela situação da sua esposa (III, 8).

. De D. João de Portugal:
     - sofre o esquecimento a que foi votado;
     - sofre pelo casamento de sua mulher e pela família que constituiu;
     - sofre por não poder travar a marcha do destino (III, 2).

. De Maria de Noronha:
     - sofre fisicamente, acossada pela tuberculose;
     - sofre psicologicamente:
          . não obtém resposta a muitos agouros;
          . sofre a vergonha da ilegitimidade.

. De Telmo Pais:
      - sofre pela dúvida constante que o assalta acerca da morte de D. João de
         Portugal;
      - sofre, hesitando entre a fidelidade a D. João e a Manuel de Sousa;
      - sofre a situação de Maria.

Hybris

. De D. Madalena:
  • contra as leis e os direitos da família:
  • nunca amou D. João de Portugal;
  • "pecado" / adultério no coração: amou Manuel de Sousa assim que o viu, ainda estava casada com D. João; 
  • consumação do "pecado" pelo casamento com Manuel de Sousa - ela não tem a certeza absoluta da morte do primeiro marido;
  • profanação de um sacramento - o casamento;
  • bigamia;
  • impiedade.
. De Manuel de Sousa:
  • revolta contra as autoridades de Lisboa, recusando-se a recebê-las no seu palácio (I, 8, 11 e 12; II, 1);
  • desafio o Destino ao incendiar o próprio palácio (I, 11 e 12);
  • recusa o perdão dos governadores, "se ele quisesse dizer que o fogo tinha pegado por acaso" (II, 1);
  • inconscientemente, participa da hybris de sua esposa:
  • colabora na mentira;
  • profana um sacramento;
  • comete adultério;
  • passa a viver em bigamia;
  • usurpa o lugar que pertence, por direito, a D. João de Portugal.
. De D. João de Portugal:
  • abandona a esposa / família, ainda que o faça por ideais nobres acompanhar o rei à guerra, em defesa do reino e da Fé);
  • o abandono da esposa é um crime contra as leis e os direitos da família, porque a destrói - é um crime de impiedade;
  • embora vivo, depois da batalha, fica prisioneiro, é levado cativo para Jerusalém. E, durante 21 anos, não dá notícias da sua existência, embora contra sua vontade;
  • aparece quando todos o julgavam morto, arrastando consigo a tragédia.
. De D. Maria de Noronha:
  • a interrupção inesperada e violenta das cerimónias religiosas constitui profanação (II, 11);
  • a insolência e a blasfémia contra Deus: "Que Deus é esse que está nesse altar, e quer roubar o pai e a mãe a sua filha?";
  • a insolência contra os ministros sagrados nas suas funções: "Vós quem sois, espetros fatais?... quereis-mos tirar dos meus braços?";
  • a revolta contra D. João de Portugal - contra os direitos deste à esposa, à família, à própria vida, direitos baseados na lei divina e nas leis humanas: "... que me importa a mim com o outro? Que morresse ou não, que esteja com os mortos ou com os vivos, que se fique na cova ou que ressuscite para me matar?";
  • a invocação de morte violenta sobre si própria: "Mate-me, mate-me, se quer...";
  • o desprezo pelas leis divinas e humanas - o amor e a ternura com que tinha sido criada não suprem a ilegitimidade do matrimónio dos pais;
  • a tentativa de renegar o seu estado de filha ilegítima;
  • a revolta contra a profissão religiosa dos pais;
  • a incitação dos pais à mentira: "Pobre mãe! Tu não podes... coitada!... não tens ânimo... Nunca mentiste? Pois mente agora para salvar a honra da tua filha, para que lhe não tirem o nome de seu pai.".
. De Telmo Pais:
  • afeiçoou-se a Maria;
  • relativamente a D. João:
  • perjúrio e repúdio do amigo e "filho";
  • desejo de que ele tivesse morrido, para não impedir a felicidade e a vida de Maria. 

Destino

     O destino está presente ao longo da obra, desde o seu início. D. Madalena, por exemplo, sente-se perseguida por ele.
     As personagens são vítimas do Destino inexorável que se «diverte» a «brincar» com as suas vidas, antes de sobre elas se abater irremediavelmente. 

Fado: Património Imaterial da Humanidade

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Tipos de argumentos

     O autor de um discurso ou texto argumentativo pode socorrer-se de diferentes tipos de argumentos:
  1. Argumentos de autoridade: recurso às ideias de alguém que, reconhecidamente, domina a matéria de que se fala - o chamado especialista; citação de uma obra, de uma instituição, etc.
  2. Argumentos dedutivos: implicam uma dedução e uma particularização.
  3. Argumentos indutivos: neste caso, procede-se a generalizações, previsões ou probabilidades).
  4. Argumentos universais: saberes universalmente aceites porque foram demonstrados factualmente e / ou cientificamente.
  5. Argumentos de singularidade: algo ou alguém é apresentado pela sua singularidade / diferença.
  6. Argumentos por analogia: argumentos baseados em semelhanças e aproximações.
  7. Argumentos históricos: exemplos da tradição e experiência histórica.
  8. Argumentos exemplares: comportamentos e personalidades vistos como exemplo ou virtude a seguir.
  9. Argumentos proverbiais ou de sabedoria popular: citação da voz e consciência comum (a chamada vox populi).
  10. Argumentos experienciais: experiências já vividas.

Argumentos

     Um argumento é um raciocínio destinado a provar ou refutar uma afirmação, uma opinião, uma tese.
     Os argumentos podem aparecer no texto numa disposição crescente, decrescente ou dispersa, de acordo com a estrutura da argumentação e com os intuitos do seu autor.

Texto argumentativo - Tipologia

     São diversos os momentos e as circunstâncias em que nos socorremos do protótipo textual argumentativo.
     Exemplificam-no o artigo de apreciação crítica, o artigo de opinião, o texto de reflexão, a dissertação, o comentário, na forma escrita.
     Na oralidade, encontramos o debate, a participação numa campanha eleitoral, um discurso político, uma alegação judicial.

Definição de texto argumentativo

     Um texto argumentativo é aquele que visa convencer, persuadir ou influenciar o «outro» do nosso ponto de vista, cuja veracidade se demonstra e prova. Como?
            Argumentar significa defender uma ideia ou uma opinião, alegando um conjunto de razões que justifiquem o nosso posicionamento. A argumentação é o desenvolvimento de um raciocínio com o fim de defender ou repudiar uma tese ou um ponto de vista, para convencer um oponente, um interlocutor circunstancial ou a nós próprios. A argumentação desenvolve-se em função de um destinatário, perante o qual argumentamos para o persuadir, dado não partilhar os mesmos pontos de vista ou as mesmas convicções que nós possuímos.
            Começamos por apresentar o nosso ponto de vista – a tese –, a partir da qual desenvolveremos o nosso raciocínio, a argumentação, constituída por um conjunto de argumentos logicamente encadeados, sustentados em provas e ilustrados e credibilizados a partir de exemplos.
            O texto argumentativo é tão antigo como o próprio Homem, uma vez que argumentar, ou seja, construir um texto (oral ou escrito) com base em argumentos logicamente encadeados está indissociavelmente ligado à actividade humana. Argumentar, persuadir, convencer empregando o rigor e a objectividade sempre fizeram parte do discurso humano, desde que o Homem começou a conviver, usou a palavra como meio de dar a conhecer aos outros as suas mundividências e como forma de convencer o(s) outro(s). A argumentação assume uma importância vital na vida do homem, que faz uso dela para justificar pensamentos, comportamentos, para persuadir os outros do seu ponto de vista, para influenciar o comportamento dos outros, como base para a tomada de decisões.
            Sócrates, filósofo grego (470-400 a.C.), Aristóteles, filósofo grego (384-322 a.C.), Cícero, o mais eloquente dos oradores romanos (106-43 a.C.), constituem talvez os “argumentadores” mais famosos da História da Humanidade. Os dois primeiros criaram mesmo escolas de argumentação. Aristóteles definiu a argumentação como a «arte de falar de modo a convencer».
            Toda a arte tem as suas normas e a argumentação não foge à regra. As suas etapas são:
. encontrar o problema;
. procurar os argumentos e os contra-argumentos;
. dispô-los adequadamente;
. usar as figuras de estilo que mais agradam;
. formular juízos de valor;
. etc.
            As qualidades principais do discurso argumentativo são o rigor, a clareza, a objetividade, a coerência, a sequencialização e a riqueza lexical.
            Para que a argumentação seja correcta, os raciocínios devem estar sujeitos às leis da lógica; daí que a argumentação do padre Vieira se baseie por sistema na Sagrada Escritura.

A argumentação

1. Quando usamos a argumentação?

     No nosso quotidiano, uma parte apreciável dos atos de comunicação possuem um caráter argumentativo, seja para defender um ponto de vista, uma opinião, seja para apresentar uma solução para um problema, para convencer os outros a aceder a um pedido nosso, etc.
     Argumentar é um ato de inteligência que, para ser eficaz, implica a obediência a um conjunto de regras.


2. O que é argumentar?

     Argumentar é expressar um ponto de vista, uma opinião, uma convicção, de forma a convencer e persuadir o ouvinte/leitor/interlocutor. Para que tal suceda, é necessário apresentar e desenvolver um raciocínio lógico, claro, coerente e convincente, bem sustentado em argumentos sólidos e exemplos verdadeiros.

     Por outro lado, argumentar é persuadir racionalmente, embora nem toda a persuasão seja racional. Se pensarmos na cena II do ato I da peça Frei Luís de Sousa, constataremos que D. Madalena de Vilhena, sobretudo na parte final do seu diálogo com Telmo Pais, em desespero de causa, recorre a «argumentos» emocionais para persuadir o velho aio de continuar a atormentá-la e a D. Maria com os seus constantes agouros em torno do regresso de D. João de Portugal. Algo de parecido sucede com a publicidade, quando pretende levar o consumidor a adquirir um determinado produto, não pelas suas qualidades, mas pela sua associação a um determinado modo / estilo / padrão de vida a que teremos acesso através da sua aquisição.
     Em suma, quando argumentamos racionalmente, apelamos à razão; quando argumentamos emocionalmente, dirigimo-nos às emoções, aos sentimentos, aos desejos, às frustrações, etc., do nosso interlocutor.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Texto de reflexão: "A crise económica atual - causas e soluções"

. INTRODUÇÃO

. TESE: Portugal vive um clima de austeridade por razões endógenas e exógenas.

. DESENVOLVIMENTO - ARGUMENTAÇÃO

     . Argumento 1) A corrupção em Portugal.
          . Exemplo 1) Os desvios de dinheiro: nas estradas, nas obras públicas...

     . Argumento 2) A adesão ao Euro.
          . Exemplo 2) A baixa da taxa de juros levou à expansão da despesa pública.

     . Argumento 3) Pouca produtividade interna.
          (Falta o exemplo)

     . Argumento 4) Adoção de medidas que aprofundam a crise.
          . Exemplo 3) Corte nos salários e subsídios dos trabalhadores.
          . Exemplo 4) Empobrecimento generalizado.
          . Exemplo 5) Aumento das falências de empresas.
          . Exemplo 6) Aumento do desemprego.
          . Exemplo 7) Maior desconfiança dos mercados conduz ao aumento dos juros.

     . Argumento 5) Subida da inflação.
          . Exemplo 8) Aumento do IVA na restauração, na cultura...


. CONCLUSÃO

     Soluções:
          1.ª) Cortes na despesa pública e diminuição do número de funcionários públicos.
          2.ª) Dinamização das exportações.
          3.ª) Diminuição das importações.
          4.ª) Melhoria da gestão dos dinheiros públicos.
          5.ª) Emigração.
          6.ª) Auto-emprego.
          7.ª) Recuperação da banca.

Comparação entre D. Madalena e Inês de Castro

     Desde logo, a leitura do episódio de Inês de Castro, de Os Lusíadas, insinua em D. Madalena o drama de um segundo casamento realizado sob a velada ameaça de que D. João de Portugal não tivesse morrido. De facto, estamos perante duas personagens para quem a felicidade não foi total, desde logo por intervenção do Destino. No caso de Inês, essa felicidade foi, sobretudo, breve, culminando com a sua morte. A interrupção da leitura feita por D. Madalena, precisamente nos dois versos que sugerem a efemeridade desse sentimento, remete para a semelhança entre os dois casos.
     D. Madalena procura estabelecer um confronto entre a situação de Inês, feliz "naquele ingano de alma ledo e cego / que a Fortuna não deixa durar muito" - felicidade que, em seu entender, não se mede pela duração, mas pela intensidade ("Viveu-se, pode-se morrer") -, e a sua situação: procura a felicidade pessoal, mas não a consegue alcançar pelos contínuos terrores que a perseguem, isto é, pelos remorsos de consciência moral, recalcada e abafada, mas viva e atuante.
     Por outro lado, antevemos aqui as imagens de duas figuras femininas pecadoras por amor-paixão que, embora diferentes nas suas circunstâncias e motivações, se acabam por sobrepor e ajustar.
     Em terceiro lugar, Inês de Castro representa a heroína trágica no amor, na beleza, na desventura e na morte. D. Madalena é igualmente trágica no amor, na beleza, na desventura e no desfecho infeliz que a destrói, não físicamente como aquela, mas psicologicamente. Ambas são perseguidas pelo Destino, inexorável e cruel, que as irmana na paixão impossível, embora por razões diversas. No entanto, há uma diferença entre as duas situações: a apaixonada de D. Pedro I ainda teve um "ingano de alma", ou seja, um momento de felicidade, ainda que fugaz, enquanto a esposa de Manuel de Sousa nem a esse breve "ingano" teve direito, o que faz com que deseje a felicidade, mesmo que de curta duração, após o que morreria feliz.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Neologismos?

     Três novas palavras, ainda não contempladas, de tão recentes, pelo Acordo Ortográfico:
  • porquausa (= por causa);
  • queram (= que eram);
  • fazas (= faças).

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

domingo, 20 de novembro de 2011

D. João de Portugal

     Filho do conde de Vimioso, D. João de Portugal era um nobre que acompanhou D. Sebastião a Alcácer Quibir, onde, supostamente, terá falecido ("... que Deus tenha em glória?"). Casou com D. Madalena de Vilhena, que muito amava ("Queria-vos muito...") algum tempo antes de partir para o Norte de África. Sobre ele, pouco sabemos até entrar em cena no final do ato II, além de ser um "... espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons...".
     À semelhança de outras personagens, o seu nome de batismo é bíblico, pois evoca o nome do apóstolo João. Por outro lado, é também, desde a época em que decorrem os acontecimentos, o nome de um tipo literário tão do agrado dos românticos: o D. Juan.

Telmo Pais

     Telmo Pais era o aio fiel e honesto de D. João de Portugal que se manteve ao lado de D. Madalena após o desaparecimento daquele, em cuja morte não acredita, daí os seus constantes agouros e profecias, que aterrorizam D. Madalena ("... tenho cá uma coisa que me diz que, antes de muito, se há-de ver quem é que quer mais à nossa menina, nesta casa...") e a afirmação de que o seu senhor continua a ser D. João ("... não sei latim como o meu senhor... quero dizer, como o Sr. Manuel de Sousa Coutinho...").
     Religioso e crente, manifesta a sua adesão às ideias reformistas em voga na época, ao condenar o uso do latim na Bíblia, uma posição protestante.
     Amigo de Maria, ama-a profundamente e possui grande ascendente sobre ela e sobre a mãe ("... tu tomaste (...) um ascendente no espírito de Maria..."), embora inicialmente a tivesse rejeitado ("... era uma criança que eu não podia..."). Presentemente, pretende amá-la mais do que os próprios pais ("... que lhe quero mais do que seu pai.").
     Experiente em razão da sua idade avançada, fiel e honesto ("... o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal."), foi "carinho e proteção, e amparo" de D. Madalena quando esta ficou viúva. Todavia, não aprova o segundo casamento e atormenta-a constantemente com os seus agouros, presságios, acusações e insinuações, configurando a lembrança viva e permanente do remorso recalcado na consciência dela. Neste contexto, é significativa a alusão à carta de D. João de Portugal, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir, onde afirmava o seguinte: "Vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelos menos ainda uma vez neste mundo.".  Por outro lado, atormenta D. Madalena com «ciúmes póstumos», por conta de D. João, o que explica as prevenções de Telmo relativamente a Manuel de Sousa e a sua aversão inicial por Maria.
     É, claramente, sebastianista, por duas razões: crê no regresso de D. Sebastião e acredita que o seu antigo amo não morreu. O único momento em que vacila, na cena II do ato I, é aquele em D. Madalena, desesperada, o atinge evidenciando a contradição que o marca e que provocará a fragmentação da sua alma: pretendendo ser tão amigo de Maria, sustenta uma crença (a do regresso de D. João) que, a concretizar-se, significará a morte dela.
     Note-se que Telmo, desde o início da ação, desempenha a função de coro das tragédias gregas: alimenta o sebastianismo, anuncia desgraças próximas, profere contínuos agouros e alimenta a presença de um passado, um tempo que D. Madalena quereria morto e enterrado, mas que não consegue - ou não a deixam.
     

Manuel de Sousa Coutinho

     Manuel de Sousa, o segundo esposo de D. Madalena, é um fidalgo ("... fidalgo de tanto primor, e de tão boa linhagem..."), um nobre culto que sabe latim ("... acabado escolar é ele."; "... o retrato daquele gentil cavaleiro de Malta que ali está..." - o ingresso na Ordem de Malta era limitado aos membros da aristocracia, aos quais se exigia certificado de nobreza). De acordo com Telmo, é um "guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português...").
     O seu nome é bíblico. Com efeito, «Manuel» é um dos nomes do Messias (Emanuel) e significa «Deus connosco», significado que se aplica, como uma luva, à personagem dada a boa fé com que se casou com D. Madalena, viúva, e a tranquilidade e a paz de espírito que daí lhe advinha, revela em cinco aspetos: a resposta aos melindres de Madalena por ter de regressar ao palácio onde vivera com D. João (I, 8); a vivência cristão da graça de Deus pela contrição do coração (II, 3); o contentamento de viver e conviver com os frades de S. Domingos como de portas a dentro; o desapego dos bens materiais ("... coisas tão vis e tão precárias..."); o desapego pela própria vida ("... vida miserável que um sopro pode apagar." - I, 11).
     De acordo com as palavras insuspeitas de Telmo, Manuel de Sousa é um "fidalgo de tanto primor e de tão boa linhagem, como os que se têm por melhores neste reino em toda a Espanha..." e "... um guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português...".

D. Maria de Noronha

     Personagem nobre (a designação de "dona" e o apelido "Noronha", que indicia alta estirpe), tem 13 anos, mas é precoce ("Tem treze anos feitos (...) está uma senhora..."; "... em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas de seu sexo também..."; ".. em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas de seu sexo também..."; "Compreende tudo! (...) Mais do que convém."). O seu nome evoca o da Virgem Maria: é pura e angélica (Madalena e Telmo apelidam-na constantemente de "anjo") - é a mulher-anjo dos românticos.
     Filha única, manifesta um espírito vivo ("... uma viveza, um espírito..."), é generosa (".... que coração!") e muito curiosa ("... aquela criança está sempre a perguntar, a querer saber..."), mas extremamente frágil / débil fisicamente ("... não é uma criança... muito... muito forte.").
     Muito precoce, quer física, quer psicologicamente, possui uma imaginação e uma curiosidade muito férteis e pouco próprias da sua idade. Ela própria afirma que pensa muito ("... passo noites inteiras em claro a lidar nisto..."; "... a pensar em tudo...") e afirma que tem sonhos estranhos e que lê nos olhos e nas estrelas. Intuitiva, possui um conhecimento íntimo de si que escapa aos familiares ("O que eu sou... só eu o sei, minha mãe... E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia ser não sou..."). Não será casualidade o facto de o tio Frei Jorge lhe chamar, em dado passo da obra (cena 5, ato I), Teodora, nome que significa «sábia».
     Juntamente com Telmo, constitui a dupla de sebastianistas da peça e é uma espécie de porta-voz da sabedoria popular: "Voz do povo, voz de Deus". Tem interesses culturais: lê novelas de cavalaria e romances populares. Deixa transparecer um caráter varonil, revelado no desejo de ter um  irmão ("... um galhardo e valente moço capaz de comandar os terços de meu pai...") e no desejo de resistência aos governantes (cena V, ato I), do qual transparece todo o seu idealismo e patriotismo: "Fechamos-lhe as portas. Metemos a nossa gente dentro e defendemo-nos." (cena VI). Defende o povo e insurge-se contra as injustiças sociais de que ele é vítima: "Coitado do povo!"; "... onde a miséria fosse mais e o perigo maior, para atender com remédios e amparo aos necessitados.".
     Na relação com a mãe, ressalta a bondade e a ternura com que a trata e o sofrimento que sente quando observa a tristeza e a angústia de Madalena, que não compreende. Noutro momento, quando manifesta a tristeza que sente ao ver as flores murchas, revela toda a sua sensibilidade doentia.
     Em suma, Maria de Noronha possui os traços essenciais da chamada heroína romântica:
          . os ideais de liberdade;
          . a exaltação de valores de feição popular;
          . a atração pelo mistério;
          . a intuição;
          . a doença da época - a tuberculose -, cujos sintomas conhecemos desde cedo:
                    - a febre;
                    - as mãos que queimam;
                    - as rosetas nas faces;
                    - a audição a grandes distâncias (cena 6, ato I).
     Note-se que a doença de Maria favorece, ao longo da obra, a sua extraordinária fantasia e a morte no final.

sábado, 19 de novembro de 2011

D. Madalena de Vilhena

     No monólogo que abre o ato I, encontramos D. Madalena, uma mulher nobre (observe-se o tratamento de «D.», dirigido na época às senhoras dessa classe social), só, lendo Os Lusíadas - o que faz dela uma mulher culta -, mais concretamente o episódio de Inês de Castro. Os versos que lhe morrem nos lábios ("Naquele ingano d'alma ledo e cego, / que a fortuna não deixa durar muito...") deixam-na meditabunda e conduzem à expressão, através da sua fala, da tristeza, da angústia, da infelicidade, da insegurança e da infelicidade que a afligem. Toda a sua sensibilidade e fragilidade ficam vincadas quando a própria personagem afirma que vive cheia de medo e continuamente aterrorizada ("... este medo, estes contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor."). Ora, esta última fala deixa transparecer a imagem de uma mulher que ama e é correspondida, porém, ainda assim, vive infeliz: "Oh! que amor, que felicidade... que desgraça a minha!". Qual a causa, então, dessa infelicidade e dos terrores que a devastam?
     Embora ainda não o saibamos apenas pelo conteúdo desta cena inicial, ao longo da obra ficaremos a saber que o estado de espírito de D. Madalena se prende ao receio de que o primeiro marido, supostamente morto em Alcácer Quibir, ainda esteja vivo e regresse, cobrindo-a e à família de vergonha
     Ainda no monólogo, há a salientar a comparação entre as duas figuras femininas que o dominam e que, desde logo, pela tragédia que vitimou Inês de Castro, permite antecipar, enquanto presságio, a desgraça que atingirá D. Madalena, à semelhança do que sucedeu com a primeira. Note-se, porém, que, de acordo com a referida comparação, a situação de D. Madalena é «pior». De facto, enquanto Inês de Castro teve "paz e alegria", ainda que por breves instantes, a esposa de Manuel de Sousa vive em constante desassossego e contínuos terrores, sem conseguir "gozar um só momento de toda a imensa felicidade" que lhe podia dar o amor pelo marido.
     No início da cena II, surge em cena receosa e hesitante no que dizer a Telmo ("Olhai, Telmo, eu não vos quero dar conselhos..."). Ficamos a saber que casou muito jovem e que nutre grande respeito por Telmo, embora critique o ascendente que este possui sobre si e sobre Maria, pedindo-lhe que não insista nesse ascendente ("... não fales com ela desse modo, nessas coisas."). Vive atormentada e aterrorizada pelo passado e pelos agouros de Telmo ("... não entre,os com os teus agouros e profecias..."; "E de passados também...").
     Casou, pela primeira vez, com D. João de Portugal, muito jovem, tendo enviuvado pouco depois, com a singela idade de 17 anos. Nos sete anos seguintes, procurou exaustivamente D. João durante 7 anos, não se poupando a esforços ou gastos de dinheiro. Tendo em conta que a filha do segundo casamento tem, agora, 13 anos, podemos concluir que D. Madalena terá cerca de 38 anos. De facto, a batalha de Alcácer Quibir ocorreu há 21 anos, tinha ela 17; o seu segundo casamento deu-se 7 anos depois, teria ela 24; está casada há 14.
     Desde o início da peça, concluímos que vive constantemente atormentada e aterrorizada pelo passado e pelos agouros de Telmo, que lhe mantêm o passado bem vivo na memória, ou seja, a dúvida de que D. João não morreu e pode regressar a qualquer momento. E, na verdade, o velho aio não se poupa a esforços e recorda-lhe continuamente essa espada de Dâmocles que ela tem pendente sobre a cabeça: atente-se na forma como ele justifica as suas crenças, rememorando a carta escrita pelo seu amo, na véspera da batalha, na qual afirma que vivo ou morto, ainda haverá de voltar a ver a esposa.
     Mas ela própria contribuiu para o seu remorso e a consciência de viver em pecado, pois, além de não ter a certeza da morte de D. João, nunca o amou, embora o tenho respeitado sempre e lhe tenha sido fiel. Em contraste, ama profundamente Manuel de Sousa, dado visível na preocupação que manifesta com o tardar do seu regresso de Lisboa na última fala da cena II. Nesta, é também visível a tendência para o devaneio que a marca e que está de acordo com a sua tendência romântica e a extrema sensibilidade da sua alma.

Didascália inicial (acto I)


     O espaço onde decorre o ato I é um espaço colorido, iluminado pela luz que entra pelas duas amplas janelas voltadas para o rio Tejo (voltado para o exterior, portante) e ricamente decorado, ressaltando o luxo, a riqueza e a modernidade.
     Este espaço, por outro lado, contribui para a caracterização das personagens pois, simbolicamente, representa a liberdade e a felicidade (aparente) que ainda se fazem sentir, visto que a tragédia ainda não se abateu sobre a família.
     Simultaneamente, permite concluir que se trata da casa de uma família com um elevado estatuto social e económico.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Barroco na Literatura

1. O Barroco

          Dá-se o nome de Barroco ao estilo artístico que nasceu na Itália, nos finais do século XVI, e que, até meados do século XVIII, se desenvolveu na Europa, na América do Sul e nas colónias portuguesas do Oriente. Considerado o estilo mais conforme à Contrarreforma da Igreja de Roma e ao absolutismo, caracteriza-se pelo esplendor e pela exuberância.

          Na verdade, poderemos apresentar três causas para o aparecimento e desenvolvimento deste movimento artístico. Em primeiro lugar, a Contrarreforma na igreja católica, que pretendeu criar nos crentes uma exaltação religiosa, através do deslumbramento provocado pelas igrejas exuberantemente ricas e decoradas. Em segundo lugar, a adesão dos papas e dos soberanos europeus a um estilo artístico que, pela sua exuberância, exaltava o seu poder absoluto, através da grandiosidade excessiva dos palácios recheados de obras de arte e de decoração. Finalmente, a insatisfação dos artistas, por natureza seres insatisfeitos, que desejavam manifestar a sua rebeldia contra os limites da arte do Renascimento, cansados que estavam do equilíbrio, da harmonia e da simplicidade racional da Renascença.


2. Antecedentes


          A passagem do Renascimento para o Barroco processou-se através de um movimento designado por Maneirismo, que é um estilo italiano do século XVI, caracterizado por um certo culto da forma, por conceitos subtis, por um sentido negativo da vida, pelo desejo de obter efeitos emocionais, recorrendo a movimentos e jogos de contrastes.
          O vocábulo maneirismo teve origem no vocábulo italiano maniera, donde procede manierismo, termo muito usado pelos tratadistas e críticos de arte italianos da segunda metade do século XVI, com o significado de estilo de um artista -  a maniera de Rafael ou de Miguel Ângelo - ou de estilo de uma época ou de uma nação (maniera greca, maniera bizantina). Assim, os artistas que se preocupavam acima de tudo com a maneira ou que se esforçavam por imitar a maniera di Michelangelo foram naturalmente chamados maneiristas.
          Cronologicamente, os maneiristas nasceram entre 1525 e 1580, enquanto os barrocos nasceram cerca de oitenta anos depois.
          Este estilo veio da transformação dos valores formais do Renascimento. De facto, no século XVI, os escritores, saturados da imitação dos modelos clássicos, sem romperem definitivamente com eles, enveredaram por um caminho mais individual, com maior liberdade de imaginação. Foi a este modo de escrever que se chamou Maneirismo. Os temas prediletos deste estilo foram os que acentuavam as naturais limitações do Homem na Terra, a dor, o desengano da vida, a fugacidade do tempo. Por outro lado, sobressai o gosto pelas metáforas ousadas, pelas antíteses e pelas «agudezas verbais».
          A tendência para o exagero avoluma-se no século XVII, dando origem a uma literatura (e a uma arte) bem identificada e afastada do Classicismo primitivo. Para esta situação contribuíram vários fatores:

  • A partir de Copérnico, a Homem soube pela astronomia como estava longe de ter abrangido o espaço geográfico do cosmos. O tempo (milhões de anos-luz) surgiu-lhe concomitantemente com o infinito. Sentiu-se então demasiado pequeno para dominar a Natureza.
  • Depois da revolta de Lutero, as lutas religiosas e políticas semearam por toda a parte os horrores da dor e da morte. Em terra, múltiplos anos consecutivos de crise económica trouxeram a fome e multiplicaram os maltrapilhos. No mar, piratas cruéis assaltavam navios, roubavam fazendas e vidas.
  • Após a morte de Filipe II, a Espanha começou a mirrar até se converter no esqueleto de um gigante, numa sombra do que fora nos séculos XV e XVI. Portugal, unido a ela, não teve melhor sorte. Uma onda de pessimismo apossou-se então de todos os ânimos, aumentando a angústia provocada pelo desfazer de outros valores.
  • Acresce ainda o papel da Inquisição. Sendo-lhes vedada a análise crítica da sociedade, os escritores refugiaram-se nos malabarismos dos jogos verbais.
          Neste contexto de crise de valores, nasceu uma literatura de evasão, tendencialmente pessimista, exageradamente formalista ou conceptualista.


3. Origem do conceito


          A origem etimológica do termo barroco é discutível.
          De acordo com determinados autores, proviria do nome do pintor italiano Barocci; segundo outros, teria origem em barocco ou barocchio, duas palavras italianos que designam fraude. Outros há que entendem que deriva da palavra baroco, pertencente à lógica escolástica, designando um tipo de silogismo. Porém, a explicação mais comummente aceite é aquele que diz que provém de barroco, palavra portuguesa do século XVI que designava uma pérola de forma irregular. Aquele termo, por sua vez, provirá da palavra latina verruca, que significava uma pequena elevação de terreno; ou do nome da cidade de Barokia, na Índia, onde havia um mercado florescente de pérolas.
          Em suma, etimologicamente, a palavra «barroco» parece derivar do latim verruca, que significava, a princípio, pequena elevação de terreno e até qualquer excrescência ou mancha numa superfície lisa. Será, por isso, que nós temos, com esse sentido, o vocábulo verruga. Do sentido lato, passou-se a um sentido mais restrito: determinadas imperfeições das pedras preciosas. No século XVI, chamavam-se barruecas, baroques ou barrocas as pérolas não redondas ou manchadas. No século XVII, começou a utilizar-se a palavra baroque para significar qualquer coisa de forma irregular, desigual, bizarra; e, neste sentido, passou a qualificar determinada música e determinadas artes plásticas.
          Foi Carducci quem, em 1860, empregou o adjetivo barroco para qualificar a literatura do século XVII. Desde então barroco passou a designar o estilo dos artistas e escritores de Seiscentos.


4. Cronologia do Barroco


          O Barroco não atingiu, ao mesmo tempo, todos os países europeus. Assim:

  • na Itália, desenvolveu-se no século XVI;
  • na Espanha, a partir de 1570;
  • em França, na primeira metade do século XVII;
  • em Portugal, situa-se entre 1580 e 1756 (este delimitação está longe de ser rígida).

Regência verbal

          Certos verbos selecionam complementos que se iniciam por preposição. Esta relação que se estabelece entre certos verbos e os seus complementos designa-se regência verbal.

          Atente-se num velho exemplo: o verbo gostar seleciona um complemento oblíquo que se inicia pela preposição «de»:
                            . Eu gosto do Benfica.


          Veja-se outro exemplo: o verbo viajar seleciona, igualmente, um complemento oblíquo, neste caso introduzido pela preposição para:
                                                    . José Sócrates, graças a Deus, viajou para Paris.


          Quando um verbo que seleciona um complemento introduzido por uma preposição faz parte de uma oração subordinada relativa, a preposição antecede o pronome relativo que inicia essa oração:
                             . O clube de que eu gosto é o Benfica.
                             . A cidade para onde Sócrates viajou é Paris.

          As preposições selecionadas por estes verbos são obrigatórias na frase, visto que, se as omitirmos, ela torna-se agramatical:
                               . * O clube que eu gosto é o Benfica.
                               . * A cidade onde Sócrates viajou é Paris.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Aspeto verbal

     O aspeto verbal é a categoria gramatical que indica o modo como o locutor perspetiva o desenrolar de uma determinada situação presente num enunciado, exprimindo a sua estrutura temporal interna.

     Atentemos nos enunciados seguintes:
  • Já li o Frei Luís de Sousa.
  • Ando a ler o Frei Luís de Sousa.
  • Acabei de ler o Frei Luís de Sousa.
  • Estou a acabar de ler o Frei Luís de Sousa.
     Todas as frases enunciam a mesma ação (ler a peça Frei Luís de Sousa), mas cada uma delas transmite uma noção diferente do desenrolar dessa ação: nos enunciados 1 e 3, está já terminada; no enunciado 4, está a terminar; no 2, está a decorrer.

     O valor aspetual de um enunciado pode ser construído através do significado de uma palavra ou de um conjunto de palavras (aspeto lexical) ou através da combinação do aspeto lexical com vários elementos linguísticos (valor dos tempos verbais, verbos auxiliares, modificadores, etc.) (aspeto gramatical).

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I. Aspeto lexical

     É expresso pelo significado de uma palavra ou conjunto de palavras, independentemente de outros elementos que a acompanhem (modificadores, quantificadores, verbos auxiliares).
     Por exemplo, os verbos conversar, correr, discursar, estudar ou jogar exprimem, pelo seu significado intrínseco, um valor aspetual durativo (não se pode "conversar", "jogar" ou "estudar" apenas num instante, apenas pontualmente).
     Dentre o aspeto lexical, podemos distinguir os eventos e as situações estativas.

Eventos

     Os eventos exprimem ações, factos ou processos dinâmicos em que ocorre a passagem de um estado para outro estado - sendo este novo estado localizado num tempo imediatamente posterior ao evento.

     . Eventos não durativos: são os que expressam situações pontuais (são expressos por verbos como chocar, comprar, chegar, encontrar, entrar, estatelar-se, nascer, morrer, sair, ruir, etc.). Não são compatíveis com adverbiais temporais do género «durante x tempo» ou «em x tempo» (* O Eusébio desmaiou durante duas horas.).
               * O Eusébio desmaiou.
               * O teu filho nasceu às seis horas.


     . Eventos durativos: são aqueles a que se associa duração prolongada no tempo («durante x tempo» ou «em x tempo»).
               * O Carlos Lopes correu durante duas horas e dez minutos.
               * O Presidente da República falou durante meia hora.
               * A minha mãe fez as compras da semana.


     . Atividades: são as situações dinâmicas não delimitadas temporalmente, isto é, de que se não indica o princípio nem o fim.
               * O Pedro tem comido bem.
               * Os meus tios corriam todas as semanas.




Situações estativas


     As situações estativas exprimem situações não dinâmicas bem delimitadas temporalmente, não levando a uma mudança de estado.
     As situações estativas podem exprimir:
          . Propriedades: A Lua é um satélite da Terra.
          . Sentimentos: O Jorge está feliz.
          . Competências adquiridas: Já sei falar inglês.
          . Relações de localização: Ele mora em faro.
     Exemplificam situações estativas os seguintes exemplos:
          * Há gente em tua casa.
          * Eu gosto da tua namorada.
          * Aquele terreno pertence-me.
          * O árbitro viu a falta.
          * A sala de aula está cheia.


     Existem dois testes para distinguir os eventos das situações estativas:
          (1) Teste do progressivo (estar a + infinitivo);
          (2) Teste do imperativo.

     Os eventos são compatíveis com ambos os testes, enquanto as situações estativas tipicamente produzem frases agramaticais com os dois.
          a) O Ricardo comeu uma laranja.
          b) O Ricardo é baixo.
          (1) Teste do progressivo: O Ricardo está a comer uma laranja.
                                                 * O Ricardo está a ser baixo.
          (2) Teste do imperativo: Ricardo, come uma laranja.
                                               Ricardo, sê baixo!
     Assim, pode concluir-se que a) representa um evento e b) uma situação estativa.



II. Aspeto gramatical


     O aspeto gramatical traduz uma forma de perspetivar uma dada situação a partir de elementos linguísticos contidos na frase, como os tempos verbais, advérbios e locuções adverbiais temporais, ou verbos de operação aspetual, verbos auxiliares, modificadores (começar a, deixar de, etc.).

Aspeto perfetivo: apresenta a situação expressa pelo enunciado com concluída, como um todo completo (o tempo verbal habitual é o pretérito perfeito do indicativo).
          * Esta turma fez teste na semana passada.
          * O Miguel acabou de fugir da cadeia.


Aspeto imperfetivo: apresenta a situação expressa pelo enunciado como ainda em curso e não concluída (o tempo verbal habitual é o pretérito imperfeito do indicativo).
          * O Ricardo pintava uma aguarela.
          * Ando a ler a última obra de José Saramago.
          * Vou comer.


Aspeto genérico: a situação expressa pelo enunciado remete para conteúdos aceites como universais e atemporais (as formas verbais associadas a este valor aspetual são o presente do indicativo e o infinitivo impessoal).
          * Penso, logo existo.
          * O cão é o melhor amigo do homem.
          * Um ano tem doze meses.
          * Quem canta seus males espanta.
          * O Guadiana faz fronteira entre Portugal e Espanha.


Aspeto habitual: a situação é apresentada como sendo recorrente (isto é, uma situação que se repete) num período de tempo ilimitado (o presente do indicativo e o pretérito imperfeito do indicativo são os tempos mais associados a este valor aspetual).
          * Almoço em casa todas as quintas-feiras.
          * A Rita e a Catarina costumam estudar juntas.
          * O Cristiano Ronaldo treina todos os sábados.


Aspeto iterativo: o enunciado apresenta situações que se repetem num período de tempo delimitado ou não (o pretérito perfeito composto é o tempo verbal mais associado ao aspeto iterativo).
          * No ano passado, ia ao Estádio da Luz todas as semanas.
          * O Jorge espirrou durante toda a manhã.
          * A minha avó tem almoçado fora.


Aspeto pontual: coincide geralmente com eventos instantâneos e apresenta a realização da ação como momentânea, desprovida de duração temporal.
          * Cheguei, meus amigos!
          * O copo caiu.
          * Parti um copo.


Aspeto durativo: indica que a ação se prolonga (ou prolongou) durante algum tempo. Coincide geralmente com eventos prolongados, estados e atividades.
          * A Maria é tímida.
          * Eu vou lavar a roupa logo à tarde.
          * Continuo de férias.


Aspeto incoativo / ingressivo: a situação é apresentada no seu início (pode ser indicado por um templo simples - entardece, amanhece, etc. - ou por um complexo verbal - começar a + infinitivo, meter-se a + infinitivo, pôr-se a + infinitivo, etc.).
          * A Inês começou a fazer um bolo.


Aspeto progressivo: a situação expressa pelo verbo é apresentada como estando em curso (pode ser indicado por um complexo verbal do género estar a + infinitivo, andar a + infinitivo, etc.).
          * A Inês está a fazer um bolo.


Aspeto terminativo: a situação expressa pelo verbo é apresentada na sua fase terminal, no seu momento de conclusão (pode ser expresso por verbos como terminar, concluir, chegar ou por complexos verbais como acabar de + infinitivo).
          * A Inês acabou de fazer um bolo.


Aspeto resultativo: apresenta o resultado de uma ação / evento / processo.
          * O bolo está feito.
         * A Inês já tem o bolo feito.
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