Português: Cláudio Manuel da Costa
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sábado, 10 de setembro de 2022

Análise do poema "Vila Rica", de Cláudio Manuel da Costa


     Este poema foi escrito já no fim da sua vida e vem na linha de um outro poema épico, "Uraguai" (Basílio Gama), que trata da conquista dos sete povos das missões. É uma composição elaborada não em função do Brasil, mas de interesses pessoais.
    "Vila Rica" segue um pouco o estilo de "Uraguai", mas é diferente, porque é construído com mais sentimento e onde podemos ver o nativismo de Cláudio. Neste poema, podemos encontrar dois planos:
        👉 um com fundamento épico: história da fundação de Vila Rica;
        👉 outro com um fundamento lírico-amoroso: paixão de uma índia por um colonizador bandeirante.
    Ele não consegue equilibrar os dois planos e chegamos ao fim sem saber qual o mais importante, embora pareça ser o primeiro. Mas o poeta desequilibra o poema, a contar a história amorosa e ao introduzir lendas para marcar a brasilidade do poema. Isto acaba por o desorientar como poema épico.
    Enquanto pertencente ao género épico, tem uma Dedicatória, que é feita dentro e fora do poema, ao conde de Bobadela. É escrito em decassílabos e é constituído por dez cantos. Apresenta uma característica que denuncia a sua inspiração num poema épico francês, Henriade, de Voltaire: a rima emparelhada, que no português dá um péssimo efeito.
    Outra fonte inspiradora foi o já referido poema "Uraguai", de B. Gama, além de ter algo a ver com Iracema. É que é o primeiro poema a celebrar os amores de uma índia com um branco. São os três poemas épicos que, em fins do século XVIII, falam do índio. Ele já nos aparece em Gregório e Bento Teixeira, mas com referências depreciativas.
    O poema começa com a Dedicatória, que se estende por quatro versos, seguida da Proposição (oito versos) e a Invocação, também constituída por oito versos. É uma estrofação irregular. Primeiro, prepara o cenário para a narração e só depois começa a narrar. Traça em rápidas pinceladas a história da descoberta do Brasil, para depressa chegar à história da descoberta de Minas. A fundação de Vila Rica é uma consequência da deslocação da economia para o interior.
    O canto VIII diz respeito ao plano lírico-amoroso do poema, que conta a paixão de uma índia, Aurora (nome clássico), com um bandeirante. A mulher apaixona-se pelo bandeirante e dele recebe uma moeda de ouro  que, mais tarde, quando ambos são mais velhos e se reencontram permite a reconciliação.
    Mas no poema vamos ainda encontrar uma outra história amorosa: Eulina é uma espécie de ninfa que mostra ao bandeirante os tesouros escondidos no leito do rio, que é o Ribeirão do Carmo. O rio tem as águas vermelhas, porque têm o sangue do namorado de Eulina, que se mata por não poder casar com ela.
    Este episódio tem semelhanças com a "Ilha dos Amores" (influência camoniana): Eulina mostra essa riqueza ao bandeirante como recompensa pela sua coragem. Um aspeto que marca a diferença em relação a Camões é que as ninfas andavam enfeitadas não com flores, mas com pedras preciosas, elemento de exploração brasileira.
    Encontramos ainda outra lenda, inspirada pelo episódio do Adamastor, que é a do Gigante Itamonte, que aterrorizava os bandeirantes e lhes barrava o caminho. Mas depois, admirado pela sua coragem, acaba por lhes abrir o caminho e mostrar todas as suas riquezas,
    A composição termina, no canto X, com uma visão de glória e triunfo. Pertence ao primeiro plano já apontado. 
    Em suma, este poema aborda algumas lendas de matéria indígena de forma afetiva, não só pelo espaço que ocupam, mas também pela admiração demonstrada pelo narrador. Esta admiração não aparece no poema "Uraguai", construído por Basílio Gama como uma espécie de alibi para fugir à perseguição do Marquês, falando contra os jesuítas. São precisamente as guerras que os jesuítas travam no Sul que constituem o motivo do poema. Os índios são apenas motivos de decoração. Gama não lhes dá muita importância, embora os seus índios tenham um contorno menos idealizado do que os de Cláudio Manuel da Costa ou mesmo de José de Alencar.

A poesia de Cláudio Manuel da Costa


     Cláudio Manuel da Costa conserva ainda alguns traços barrocos na sua poesia e, por isso, é um poeta de transição. Como bom árcade, tem nome de pastor: Glauceste Satúrnio. O nome arcádico de Gonzaga era Dirceu. Chegou a escrever "Versos a Marília".
    Cláudio Manuel, tendo estudado em Coimbra, mostra na sua poesia, tal como Gregório de Matos, uma ligação muito forte aos cânones europeus, mas também evidencia já uma afetividade para com a sua terra que não aparece em Gregório de Matos. Este fala de assuntos brasileiros, mas não mostra amor à terra, enquanto Cláudio Manuel vem na linha do ufanismo de Botelho de Oliveira e Itaparica.
    Mas, além de Cláudio Manuel, podemos falar noutros poetas, como Domingos Caldas Barbosa e Alvarenga Peixoto. Isto mostra que, enquanto no Barroco tivemos manifestações isoladas de poetas que sobressaíram (Botelho de Oliveira, Itaparica, Gregório de Matos), no Arcadismo temos já uma poesia que se comunica com outra, um sistema literário que se começa a organizar. Por exemplo, António Cândido começa a sua obra Formação da Literatura Brasileiro no campo do Arcadismo, porque é quando a literatura brasileira se organiza como sistema literário. No Barroco, embora tenham surgido as Academias, elas eram reuniões que se constituíam em ocasiões especiais.
    Cláudio Manuel é o homem típico da transição e mostra um desligamento afetivo entre o padrão europeu e o brasileiro. Nele encontramos a dualidade campo/cidade, um sentimento contido sob a forma ou amaneiramento da forma e traços bem barrocos, como a fugacidade do tempo e uma imaginação da pedra (ou seja, sucessão de várias imagens em torno da pedra - ideia que vem de Gregório). Nele vemos ainda uma grande vontade de falar do pátrio rio, que é o Ribeirão do Carmo, rio que banha Mariana, a sua cidade natal. Ele divide-se entre o Mondego e o Ribeirão do Carmo.

    No poema «Leia a posteridade, ó pátrio Rio...» - II, vê-se a atitude de cantar as coisas pátrias, o que não chega a ser ufanismo, mas marca de uma certa afetividade para com as coisas da pátria. Porém, logo na segunda quadra, ele refere elementos europeus, de Coimbra, para logo no primeiro terceto voltar ao pátrio rio, que é um rio aurífero, famoso na época da mineração pelas suas areias amareladas.
    Aqui se manifesta a sua grande dualidade: lembra padrões europeus, mas fala de elementos nacionais.

    Em «Enfim te hei de deixar, doce corrente» - LXXVI, jura fidelidade ao Mondego, aos padrões europeus. É uma fidelidade que não deixa de seguir, mas que divide com a fidelidade ao Ribeirão do Carmo, aos padrões nacionais. Não deixa de usar as estruturas apreendidas na Europa, mas vai impregná-las de um assunto nacional.
    Para os árcades, que falam de paisagens imaginadas, esta ideia encontrou eco em Minas Gerais, porque é uma região que poderia ter alguns pontos de contacto com a antiga Arcádia. Era uma paisagem bucólica (várzea e montanha) que a Baía não tinha. Talvez por isto o Arcadismo se desenvolva mais em Minas. Assim, a ideia de falar de paisagem, gado, não é estranha ao Arcadismo.

    Em «Torno a ver-vos, ó montes...» - LXII, é abordado um dos temas caros ao Arcadismo: a dualidade campo/cidade, com preferência pelo campo. Tudo o que é sofrimento passa a ser alegria ao contactar com o campo. O louvor deste espaço em detrimento da cidade é uma temática semelhante à do primeiro momento romântico, mas isto não quer dizer que Cláudio Manuel fosse um pré-romântico. Pelo contrário, o poeta é tipicamente árcade: prefere o campo e imagina-se pastor e em contacto com outros pastores: Almendro e Corino.

    Em «Já me enfado de ouvir este alarido», faz a apologia do campo e da solidão e coloca-se como pastor: toma as suas vestes e utensílios. Abandona o que é sinónimo de cidade: ostentação, vaidade, roupas de altos prémios.
    O seu apreço pelo campo é bem evidente no último terceto: "Eu não chamo a isto já felicidade / Ao campo me recolho, e reconheço, / Que não há maior bem que a soledade."

    Por sua vez em «Torno a ver-vos, ó montes», Cláudio Manuel volta a contrapor a cidade (lugar de fingimento, louca fantasia) e campo (lugar dos vaqueiros, da simplicidade), mostrando preferência pelo último.

    Cláudio é um poeta onde podemos encontrar uma temática arcádica, mas também barroca. Vejamos os elementos do Barroco presentes no poema «Onde estou! Este sítio desconheço.»: mostra a fugacidade do tempo, temática que vem do Maneirismo e prossegue no Barroco. Ao mesmo tempo que aborda a fugacidade do tempo, também empresta ao poema um tom subjetivo. Ele não consegue manter-se neutro, como era proclamado pelo Arcadismo.

    Cláudio Manuel aborda ainda um outro tema muito caro ao Arcadismo: a dualidade rústico/civilizado. Este tema não aparece desligado da sua condição colonial. Quando fala em padrão europeu, refere-se à corte, à metrópole e, quando fala em afeto ao torrão natal, mostra a sua condição de colono. A isto se liga também a sua subjetividade.
    A sua poesia assenta, assim, em três temáticas principais:
        => oposição campo / cidade;
        => padrão europeu / afetividade ao torrão natal;
        => fugacidade do tempo com olhar subjetivo.
    Todavia, estes temas estão ligados e não aparecem estanques. A sua mistura de estilos vai evidenciar-se num poema que escreve tardiamente e que é uma composição épica: "Vila-Rica".
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