segunda-feira, 28 de novembro de 2022
Análise da Cena 8 do Ato II de Frei Luís de Sousa
● Localização da cena na obra
Esta
cena é antecedida pela preocupação de D. Madalena quanto à deslocação de Manuel
de Sousa e de Maria a Lisboa, esta para visitar a Condessa de Vimioso, e é
seguida por novas observações acerca do bem-estar e da segurança de Maria e constatação,
por arte da mãe, em pânico, da negatividade de que aquele dia se reveste, na
medida em que fora a data em que casara pela primeira vez, a data em que
perdera o primeiro marido na batalha de Alcácer Quibir e que vira e amara
Manuel de Sousa pela primeira vez.
● Assunto: o estado de preocupação de D. Madalena, agravado
pela referência ao exemplo da Condessa de Vimioso, que Manuel de Sousa refere
numa tentativa vã de a tranquilizar.
● Estrutura interna
▪ 1.ª parte – O medo incontrolado de D. Madalena por ficar
sozinha.
▪ 2.ª parte – A tentativa de apaziguamento de D. Madalena por
parte de Manuel de Sousa, referindo outras situações e personagens que,
simultaneamente, se aproximam e distanciam do seu caso.
● Caracterização de D. Madalena
▪ Fraca:
- porque se
deixa abater pelos seus próprios sentimentos – dominada pelos sentimentos → característica da heroína romântica;
- porque não
luta para ultrapassar a sua insegurança: “Que queres? Não está na minha mão.”;
- porque não
se considera detentora de coragem semelhante à da Condessa de Vimioso, que
ingressou num convento.
▪ Insegura,
tensa, inquieta e receosa de ficar só: “Tenho este medo, este horror de ficar
só…”.
▪ Sentimental
e emotiva, bem ao gosto romântico.
▪ Mãe
desvelada: preocupa-se com a saúde débil de Maria.
▪ Mostra-se
espantada e até indignada com a atitude tomada pela Condessa de Vimioso: espantada,
pois os esposos separaram-se sem razão aparente; indignada, já que essa
separação não lhe parece razoável.
▪ Por outro
lado, mostra admiração pela força e pela virtude que a Condessa demonstrou ao
abdicar dos bens e amor terrenos, até porque não se vê capaz de tais
«perfeições», considerando a atitude dos condes como uma assunção de morte em vida.
● Caracterização de Manuel de Sousa
▪ Começa por
repreender a esposa por esta continuar a mostrar-se crente em achar-se “só no
mundo”, como o demonstra a exclamação «Madalena!».
▪ É mais
racional e sensato do que a esposa, firme, decidido e objetivo, como o demonstra
o facto de tentar afastar os agouros, as crenças e as superstições desta,
fazendo-lhe notar o exagero dos mesmos: “Olha se ela faria esses prantos,
quando disse o último adeus ao marido…”.
▪ Mostra-se
dedicado, carinhoso e apaixonado pela esposa, o que se nota nas formas de
tratamento utilizadas: “Oh! queria mulher minha”.
▪ Mostra-se
também preocupada com a fragilidade e a insegurança de D. Madalena ao tentar
apaziguá-la e ao deixar seu irmão Jorge fazendo-lhe companhia: “Jorge, não a
deixes”.
▪ É um homem
seguro, pois sente-se protegido por Deus e convicto de que nada lhes
acontecerá: “A nossa situação é tão diferente (…) Em todas nos pode ele abençoar”.
● Elementos trágicos da cena
▪ O pathos constante de D. Madalena (o sofrimento da
personagem que impregna a obra de um cariz trágico e nefasto).
▪ Os presságios:
- O receio de
D. Madalena de ficar só no mundo.
- Os terrores
de D. Madalena.
- O
comentário premonitório de Frei Jorge, que antecipa a separação de Madalena e a
sua entrega à vida religiosa: “É perfeição verdadeira; é a do Evangelho: «Deixa
tudo e segue-me».”
- A história
dos condes de Vimioso, referida pela boca de D. Madalena: “Vivos ambos… sem
ofensa um do outro, querendo-se, estimando-se… e separar-se cada um para sua
cova! Verem-se com a mortalha já vestida e… vivos, sãos… depois de tantos anos
de amor… e conveniência… condenarem-se a morrer longe um do outro, sós, sós! E
quem sabe se nessa tremenda hora… arrependidos!” Esta referência antecipa a
separação de D. Madalena e Manuel de Sousa, que serão obrigados a seguir o
exemplo de D. Joana e do marido, estabelecendo-se um paralelo entre os dois
casais. De facto, a semelhança entre os dois casos é evidente: tanto D. Madalena
como Manuel de Sousa optaram pelo afastamento da vida mundana, decidiram
professar, tal como sucedeu à condessa (que entrou no Convento do Sacramento em
1607) e a seu esposo (que professou pouco depois em S. Domingos de Benfica). A
reclusão conventual parece ser a alternativa, na época, para os responsáveis por
atos de menor dignidade ou nobreza – a constatação do adultério de D. Madalena
e a ilegitimidade de Maria e Manuel de Sousa naquela família.
● Características trágicas da cena
▪ A
importância conferida a aspetos religiosos.
▪ A
importância atribuída ao amor, centro dos problemas que afetam as personagens.
▪ A
interioridade e os conflitos individuais patentes em D. Madalena, quer nos seus
monólogos, quer nos seus diálogos.
▪ A linguagem
utilizada, que pretende ser um espelho fiel da emotividade, do estado
psicológico das personagens.
▪ A
espontaneidade da oralidade: as pausas, as frases suspensas e as repetições.
● Linguagem
▪ Gradação: “Tenho este medo, este horror de
ficar só…”.
▪ Repetição do determinante demonstrativo «este».
▪ Hipérbole: “… de vir a achar-me só no mundo…”.
▪ Reticências nas falas de D. Madalena.
▪ O vocábulo «cuidados»
possui um duplo significado:
- por um
lado, traduz a preocupação de D. Madalena quanto à saúde débil de Maria;
- por outro lado,
refere-se aos temores, receios, que a atormentam a partir de uma passagem da
sua vida que a inquieta.
▪ Trocadilho: “Eu não tenho já cuidados” – na verdade, D. Madalena
só sente / tem “cuidados”, preocupações, medos. A ironia aqui
presente reforça o seu estado de extrema inquietação, que a faz quase chegar a
um estado de demência ficando consternada, perturbada com a existência e
a razão de tais cuidados.
▪ Comparação: “… parece que vou eu agora embarcar num galeão para
a Índia…” – sugere a grande angústia de D. Madalena.
▪ Ironia trágica das palavras de D. Madalena e Manuel de
Sousa quando se referem aos condes de Vimioso: “E que temos nós com isso? A
nossa situação é tão diferente.” O casal comenta a entrada dos condes de
Vimioso para o convento como sendo um sacrifício de que eles mesmos não seriam
capazes: “… não sou capaz de chegar a essas perfeições”; “E que temos nós com
isso?” A ironia reside no desconhecimento de estarem tão próximos de uma
situação que julgam muito diferente da sua.
Labels:
11.º Ano
,
Almeida Garrett
,
Análises
,
Frei Luís de Sousa
Subscrever:
Mensagens
(
Atom
)