Português: 26/07/23

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Análise do poema "Laço de fita", de Castro Alves


    Este poema foi escrito em 1868 e faz parte da obra Espumas Flutuantes, publicada em 1870, a única em vida do poeta, que faleceu aos 24 anos. Além de cantar o amor nos seus textos, Castro Alves também o viveu. De facto, em meados de 1866, conheceu, apaixonou-se e tornou-se amante de Eugénia Câmara, a “dama negra”, uma atriz portuguesa. Embora não seja taxativo que o poeta tenha escrito este poema diretamente motivado por esta paixão, a realidade é que compôs várias composições lírico-amorosas movido por essa paixão.
    O poema descreve a paixão do sujeito poético por uma jovem mulher que participa num baile e usa como adereço um laço de fita no cabelo. Há que ter presente que a dança é um motivo que acompanha a humanidade deste a Pré-História, por exemplo em rituais religiosos que contemplam elementos dançantes. Além disso, é importante observar que diversos animais, nomeadamente aves, executam movimentos coreográficos relacionados com o acasalamento. Na chamada cultura ocidental, desde os poemas homéricos (a Ilíada e a Odisseia), passando pela própria Bíblia (onde encontramos a performance de Salomé para convencer Herodes a executar João Baptista) até à contemporaneidade, a dança tem acompanhado o ser humano. No caso da literatura, foi a partir do século XIX, através de artistas como Mallarmé, que se deu uma aproximação entre a literatura, nomeadamente a poesia, e a dança.
    O título do poema constitui uma sinédoque que representa o corpo da mulher amada, o qual será envolvido pelo sujeito poético numa valsa ansiosa e palpitante. Observe-se, a este propósito, a forma como o «eu» materializa progressivamente o «abraço» do par enamorado, como se pode comprovar por palavras / expressões como «prendi», «qu’enlaça», «enroscava-se», «prisioneiro», «cadeias», «elos», que estão dispostos no poema de forma a construir a imagem poética do abraço, em função do qual ele se descobre definitivamente “acorrentado” à amada.
    Por outro lado, o “laço de fita” é também a imagem projetada do casal enlaçado no momento da dança: o par amoroso “enrosca-se” suavemente como um laço de fita. Além disso, este é ainda uma espécie de serpente que «enlaça» e «enrosca», que encanta todos os que contemplam a sua beleza envolvente e sedutora, serpente essa que simboliza a descoberta e a revelação do amor e do seu fruto proibido. A tudo isto associa-se a dança como elemento de sedução e desejo que toma parte no ritual de corte e conquista. Basta recordar as singelas cantigas de amigo bailias em que a donzela convidava as amigas para bailar, sabendo que os amigos lá estariam para as ver.
    Na primeira estrofe, temos todos os aspetos importantes, que se vão repetir nas seguintes. Repete-se o motivo e explora-se o refrão, que é uma característica popular. É um poema universal, em que se desenvolve um motivo: o laço de fita como elemento simbólico e sensual. A fita é simbólica e é o elemento mais importantes do poema. A sua construção lembra uma cantiga com refrão e é dotada de uma enorme simplicidade.
    O poema abre com uma interrogação e uma apóstrofe dirigida à mulher que nos mostra que deve ser mais nova do que o «eu»: “Não sabes, criança?” De seguida, confessa-lhe a sua paixão por ela: “’Stou louco de amores”. O objeto que despertou esse sentimento é um adereço usado pela mulher: um laço de fita que ela usa no cabelo durante um baile / uma festa, um objeto metonímico (sinédoque), isto é, designa a parte da “formosa Pepita” que desperta a sua líbido. A referência ao objeto está presente em todas as estrofes, com ligeiras diferenças, mostrando a forma como o sujeito poético está envolvido pelo laço, no qual se esconde um fetiche, um desejo. Atente-se na repetição da locução prepositiva «no» no terceiro verso (“Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?”), que enfatiza a paixão e o modo como o «eu» a «vê» em múltiplos lugares.
    O laço de fita constitui, assim, uma metáfora que se metamorfoseia noutras: é um laço, pois prende, une. Essas metáforas acumulam-se a partir da segunda estrofe, na qual elementos da natureza são associados aos cabelos de Pepita e à sua capacidade de sedução. Assim, a associação das madeixas à “selva sombria” mostra como a mulher tinha cabelos pretos, ondulados e em abundância. Por seu turno, a imagem bíblica da serpente aponta para a ideia do pecado, de acordo com a tradição judaico-cristã: o Diabo disfarçou-se de serpente para convencer Eva a desobedecer a Deus e a comer a maçã. No caso deste poema, é o laço de fita e a forma como está preso aos cabelos que lembra a serpente, sendo o pecado o homem mais velho desejar uma jovem (menina?). Por outro lado, o nome da mulher – Pepita – constitui ao mesmo tempo um apelido e uma metáfora, contribuindo para a construção de um retrato feminino que se distancia do arquétipo romântico da figura feminina inatingível e intocável. No que diz respeito ao cabelo, estes simbolizam a sensualidade feminina. De facto, o seu agitar, o abanar de um lado para o outro, ou o desfazer do penteado, representam a sensualidade feminina. Em quantos filmes já não deparámos com o gesto da mulher sacudir os seus cabelos, com o auxílio das mãos ou não, para chamar a atenção e/ou seduzir o elemento masculino? Neste caso concreto, esta menina-mulher seduz o sujeito poético e torna-o cativo dos seus encantos.
    Na terceira e na quarta estrofes, o «eu» lírico revela que está numa festa (“Meu ser, que voava nas luzes da festa”), na qual viu subitamente a mulher e o seu laço de fita e desta forma se prendem em ambos, ele que era um pássaro livre. Esta metáfora do pássaro, que representa o «eu», mostra como, ao vê-los, deixou de ser livre (“voava”) e foi seduzido pelo adorno do cabelo. Ele tentou libertar-se dessa «prisão» (“Debalde minh’alma se embate, irrita…”), soltar-se do laço de fita, luta (“se embate”), mas é em vão, pois ele não consegue desprender-se do laço, isto é, da sedução e da paixão por Pepita: “O braço, que rompe cadeias de ferro, / Não quebra teus elos, ó laço de fita.” Atente-se no recurso à hipérbole para evidenciar a força da sedução e da paixão em que o sujeito poético se enleou: os braços que quebram cadeias de ferro são incapazes de quebrar os elos com um singelo laço de fita.
    Na quinta estrofe, o sujeito poético, de forma exaltada / entusiástica (“Meu Deus!”), reflete sobre os atributos dos astros, falenas, anjos e, como é evidente, da sua Pepita, que usa um laço de fita que o faz morrer de amor por ela. Esta referência é construído de forma contrastante, evidenciada pelo uso da conjunção coordenativa adversativa no último verso da estrofe: “Mas tu… tens por asas um laço de fita.” Nenhum ornamento, por mais belo que seja, supera o encanto daquele laço de fita.
    A sexta estrofe remete para um momento anterior recente em que a amada dançava a valsa (a forma verbal «voavas» sugere a leveza com que dançava, como se voasse, como se deslizasse no solo, sem tocar com os pés no chão). Com quem dançava ela? Com o «eu» poético ou com outro homem, enquanto aquele apenas observava? A interrogação “Por que é que tremeste?” parece sugerir que é o sujeito lírico quem efetivamente baila com a mulher. Além disso, indicia que não era apenas ele que se deixara seduzir pela mulher, pois a forma verbal «tremeste» mostra que também ela foi seduzida e o desejava, por isso tremeu.
    Por outro lado, esta estrofe confirma que a figura feminina retratada se afasta bastante do já referido modelo romântico da mulher intocável e inatingível, uma espécie de virgem pudica, pois esta tanto seduz como igualmente sente desejo. Pepita não consegue esconder que também deseja o sujeito lírico, uma atitude muito pouco comum na época, incluindo no contexto literário. A atração é mútua.
    A sétima estrofe mostra o entusiasmo e a excitação do «eu», que antevê o cenário em que os dois se encontrarão quando o baile e a festa terminarem. Ele imagina-a a despir-se (“despindo os adornos”) na alcova, isto é, no quarto, desfazendo o laço de fita e o penteado à luz da vela (“N’alcova onde a vela ociosa… crepita, / Talvez da cadeia libertes as tranças”), que ciosamente crepita. Porém, nos dois últimos versos, introduzidos por nova conjunção coordenativa adversativa, através da antítese, o sujeito poético reforça a sua condição de cativo do laço de fita: “Mas eu… fico preso / No laço de fita.”
    A última estrofe esclarece que nem mesmo a morte, anunciada através da perífrase e do eufemismo, apagará a sua atração pelo laço de fita, ou seja, confinar o que sente pela mulher. Além disso, faz-lhe um pedido: ele deseja que, quando morrer, lhe retirem os seus títulos, os seus «louros» (metáfora que traduz a ideia de um feito, uma vitória, a conclusão com sucesso de algo, e da respetiva recompensa) e o honrem com o laço de fita da mulher amada: “E dá-me por c’roa… / Teu laço de fita.”. Recordemos que os heróis da Antiguidade eram reconhecidos através da colocação na cabeça de uma coroa de louros ou de ramos de oliveira.
    À semelhança do que sucede com outras composições de Castro Alves, este poema faz uso de uma linguagem carregada de sensualidade e erotismo, projetada num laço de fita. O amor, em Castro Alves, ao contrário do que sucede com a primeira geração romântica brasileira, não é abordado como um sentimento platónico, puro e idealizado, mas como sinónimo de paixão, de sensualidade e erotismo – o que está em causa é o desejo carnal, a líbido. As mulheres que encontramos nos seus poemas são sensuais, insinuantes, sedutoras, bem longe da idealização de outros poetas.
    Em suma, neste poema, o sujeito poético descreve a sua paixão por uma mulher jovem que encontrou num baile e que usava um adereço que granjeou a sua atenção: um laço de fita. A partir daí, essa figura feminina, uma menina-mulher sensual, vai envolvendo e seduzindo o «eu» por meio desse adereço, que se torna uma espécie de fetiche para ele.
    Por outro lado, habitualmente, no campo do jogo da sedução, é o homem que seduz a mulher, contudo, neste poema de Castro Alves, há uma inversão de papéis, pois é a jovem que seduz um homem mais velho, que se lhe refere como «criança» e regista o processo de encantamento e de sensualidade vivido. Os cabelos são um elemento muito importante a ter em conta, desde logo porque é neles que se encontra o objeto de que se enamora. Neste contexto, é importante ter presente que, na época da elaboração do poema, as mulheres o usavam preso e apenas o soltavam na presença do marido.
    Quem seria esta Pepita? Afrânio Peixoto considera que seria, provavelmente, Maria Carolina de Almeida Torres, uma linda e travessa menina, enteada de uma irmã de Alvares de Azevedo, ou Sinhá Lopes dos Anjos, filha de um médico baiano, de São Paulo, correspondente e amigo de Castro Alves. Mas poderão ser outras: Eugénia, Leonídia, Agnese, Ester, Brasília Vieira, Idalina, Sinhazinha Lopes, Tereza, Joana, Lúcia ou Dalila.

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