Português: Shakespeare
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quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Motivos de Hamlet


1. Incesto
 
    O motivo do incesto percorre toda a peça e vem à baila sobretudo através de Hamlet e do fantasma, nomeadamente em conversas sobre Cláudio e Gertrudes, o antigo cunhado e a antiga cunhada, que são agora um casal. Outro motivo subtil de desejo incestuoso pode observar-se no relacionamento entre Laertes e Ofélia, pois dirige-se à irmã em termos sugestivamente sexuais e, no seu funeral, salta para o seu tumulo para a segurar nos braços. No entanto, as tintas do incesto são carregadas na fixação de Hamlet na vida sexual de Gertrudes e Cláudio e a sua preocupação genérica com ela.

2. Misoginia

Destruído psicologicamente pela decisão da mãe de se casar com Cláudio quase imediatamente após a morte do marido, Hamlet torna-se cínico sobre as mulheres em geral, mostrando-se obcecado acerca de uma possível relação entre a sexualidade feminina e a corrupção moral. Essa misoginia é um fator inibidor decisivo no caso do relacionamento de Hamlet com Ofélia e Gertrudes. Por exemplo, em determinado momento, aconselha a filha de Polónio a ir para um convento, em vez de experimentar a corrupção da sexualidade.

Género literário de Hamlet

    Hamlet é uma tragédia, por isso exibe algumas características desse género de peça de teatro. Se atentarmos no final da peça, deparamos com a catástrofe, claramente traduzida pela morte sucessiva de todas as personagens centrais da obra: Polónio, Ofélia, Laertes,, Gertrudes, Cláudio e Hamlet. Por outro lado, o jovem príncipe comporta alguns dos traços característicos do protagonista trágico: é de estirpe nobre, elevada; as suas ações impactam toda a Dinamarca; é uma personagem rica interiormente (é pautado pelo cumprimento do desejo de vingança do pai, pelas hesitações e questionamentos morais acerca da execução da vingança, finge e age como um louco); desafia as leis da sociedade, que esperava que agisse em nome da honra familiar. Enquanto herói trágico, mostra a sua tristeza e melancolia pela morte prematura do pai; é um jovem inteligente e de enorme potencial, que acaba por não realizar por razões óbvias; ao longo da peça, vai-se isolando progressivamente.
    Não obstante, e peça foge ocasionalmente às convenções da tragédia. Em muitas das obras de índole trágica, o herói escolhe perseguir algo que não deveria – no caso de uma peça cujo foco é a vingança, ele sucumbe a um desejo de vingança assassina. Concretamente, com Hamlet, estanos na presença de uma personagem que possui todas as razões para se vingar de outrem, pois o tio, Cláudio, assassinou o seu pai e usurpou o seu lugar no trono, porém hesita e protela a sua concretização, pois, antes de tudo, pretende conhecer a verdade e certificar-se que o fantasma é mesmo quem diz ser e que o rei matou efetivamente o rei Hamlet. Além disso, ele escolhe isolar-se das restantes personagens, comportar-se de forma errática e finge estar louco, o que acarreta várias consequências trágicas, como, por exemplo, o enlouquecimento e a morte de Ofélia.
    Outro traço ambíguo prende-se com a falha trágica de Hamlet: a sua indecisão. Essa característica leva-o a repreender-se mesmo a si próprio por não concretizar a vingança. Nesse contexto, contrasta fortemente com Laertes e Fortinbras, personagens decididas, atuantes e determinadas a agir. Esse caráter indeciso não explica a razão por que Hamlet rejeita Ofélia, manipula psicologicamente Gertrudes, se isola e mata Polónio. Na realidade, a sua indecisão é o motivo por que tende a evitar agir.
    Por último, Shakespeare parece usar Hamlet para satirizar o género trágico. Nas tragédias tradicionais, o herói é uma figura ativa e decidida que persegue obstinadamente um antagonista, um vilão, superando diversos obstáculos colocados no seu caminho, até executar a vingança. No caso de Hamlet, este luta essencialmente consigo mesmo e os seus obstáculos são a sua própria indecisão e hesitação, obstáculos esses que o levam a deixar passar várias oportunidades para se vingar, como, por exemplo, quando encontra Cláudio a rezar e decide não o matar. Além disso, Hamlet só liquida o tio quando a sua própria morte é certa, o que quer dizer que retira pouca ou nenhuma satisfação com a vingança.

Presságios em Hamlet

    Um dos poucos presságios presentes em Hamlet relaciona-se com a morte de Cláudio, que é parcialmente anunciada pelo fantasma, ou, se se preferir, causada por ele. De facto, quando aparece ao filho, exige-lhe que vingue a sua morte, o que implica assassinar Cláudio, portanto o leitor / espectador fica a «saber» que o atual monarca da Dinamarca irá encontrar a morte em breve.
    Outro passamento prenunciado é o de Polónio, quando este diz que fez parte da representação da peça Júlio César, nomeadamente que desempenhou o papel do imperador romano, que foi morto por Brutus, que o apunhalou.

Análise deHamlet

I. Introdução

    1.1. Primeira edição e representação de Hamlet.

    1.2. Fixação do texto.

    1.3. Fontes.

    1.4. Significado de Hamlet.


II. Ação

    2.1. Resumo

    2.2. Análise da ação

    2.3. Estrutura


III. Estrutura externa

    . Cena 1, ato I: resumo; análise.

    . Cena 2, ato I: resumo; análise.

    . Cena 3, ato I: resumo; análise.

    . Cena 4, ato I: resumo; análise.

    . Cena 5, ato I: resumo; análise.

    . Cena 1, ato II: resumo; análise.

    . Cena 2, ato II: resumo; análise.

    . Cena 1, ato III: resumo; análise.

    . Cena 2, ato III: resumo; análise.

    . Cena 3, ato III: resumo; análise.

    . Cena 4, ato III: resumo; análise.

    . Cena 1, ato IV: resumo; análise.

    . Cena 2, ato IV: resumo; análise.

    . Cena 3, ato IV: resumo; análise.

    . Cena 4, ato IV: resumo; análise.

    . Cena 5, ato IV: resumo; análise.

    . Cena 6, ato IV: resumo; análise.

    . Cena 7, ato IV: resumo; análise.

    . Cena 1, ato V: resumo; análise.

    . Cena 2, ato V: resumo; análise.


IV. Personagens

    1. Caracterização

        1.ª) Hamlet

        2.ª) Cláudio

        3.ª) Gertrudes

        4.ª) Polónio

        5.ª) Laertes

        6.ª) Ofélia

        7.ª) Fantasma

        8.ª) Horácio

        9.ª) Fortinbras

        10.ª) Rosencrantz e Guildenstern


V. Temas

    1. Vingança - ação e inação.

    2. Aparência versus realidade e verdade versus engano.

    3. Loucura.

    4. Corrupção.

    5. Honra, religião e valores sociais.

    6. Representação.

    7. Papel da mulher numa sociedade patriarcal.

    8. Morte.


VI. Simbologia

    1. Crânio de Yorick

    2. Flores de Ofélia

    3. Fantasma

    4. Vestuário de Hamlet


VII. Presságios


VIII. Ponto de vista


IX. Género literário


X. Motivos

Ponto de vista de Hamlet

    Hamlet centra-se no ponto de vista do jovem príncipe que dá nome à peça e que faz com que, enquanto protagonista, tenha muito mais falas do que qualquer outra personagem, as quais revelam os seus pensamentos, sentimentos e reflexões sobre questões como o sentido da vida, a morte, o amor, a religião, entre outras.
    Apesar das suas inúmeras falhas enquanto ser humano – como a indecisão, a crueldade, a misoginia ou a imprudência –, ele é uma personagem fascinante para o público, pois este tem acesso ao seu interior e compreende as suas motivações ao longo da peça. Além disso, o príncipe dinamarquês continua até ao fim a questionar-se e às suas ações.
    O ponto de vista da peça é tão semelhante ao do próprio protagonista que por vezes se torna quase impossível ter a certeza se algo está a suceder realmente na peça ou se o príncipe apenas pensa que está a acontecer. É o que sucede com as aparições do fantasma. Embora Marcelo, Horácio e Bernardo avistem o espectro, apenas Hamlet o ouve falar e, quando se dá o terceiro aparecimento, somente ele o consegue ver. Esta sucessão de dados permite questionar se a fala do fantasma não passa de uma alucinação.
    Não obstante tudo isto, há vários mistérios sobre o príncipe que nunca encontram solução. Por exemplo, nunca se sabe o quanto enlouquece ou simplesmente finge, tal como jamais se conclui o que o deixa tão infeliz: a morte do pai, o casamento da mãe com o cunhado, o fracasso em se tornar rei, a incapacidade de se vingar. De igual modo, o espectador nunca conhece os reais sentimentos por Ofélia. Tudo isto parece sugerir que a intenção de Shakespeare é mostrar que a essência da natureza humana é incognoscível.

Simbolismo do fantasma

    O fantasma é uma figura ambígua, desde logo porque não fica claro se ele é realmente o espírito do pai de Hamlet, um demónio que quer enganar o príncipe, ou um simples produto da imaginação do filho. A sua aparição prende-se com o desejo de obter vingança pela sua morte, por isso surge vestido com uma armadura, preparado para a batalha, porém, como é um espírito, necessita da força física de Hamlet para a executar.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Simbolismo das flores de Ofélia

    Após a morte de Polónio, o estado mental de Ofélia deteriora-se drasticamente e a jovem começa a agir como louca (ato IV, cena V). A partir daí, sem ter ninguém com quem confiar e sentindo-se atacado por aquele que amava, vagueia por Elsinore, entoando canções que oscilam entre temáticas infantis e outras de forte cariz sexual e sombrio e distribuindo flores (reais ou imaginárias) a quem encontra, nomeadamente a Cláudio, a Gertrudes e a Laertes, guardando algumas para si. Essas flores são variadas e têm um significado específico: a Gertrudes, oferece erva-doce e aquilégias, que representam o seu suposto adultério, a afeição partilhada entre os amantes; a Cláudio, dá margaridas e arruda (esta última flor é oferecida também a si mesma), que simbolizam respetivamente a inocência e o amor e o arrependimento; oferece ainda alecrim (uma flor presente frequentemente em funerais), amores-perfeitos (lembranças, pensamentos). Em determinado momento, declara que também queria oferecer violetas, porém todas tinham murchado quando pau morrera. As violetas são símbolo de fidelidade (o que indicia que a fé ou a bondade da Dinamarca foram corrompidas com o assassinato de Polónio), da humildade, da virtude e da modéstia, implicando que a morte do pai a levou a desligar-se do cumprimento das normas sociais da época.
    Esta variedade de flores e, consequentemente, dos sentimentos que simbolizam, associa-se aos seus desejos vários que possui e que foram reprimidos pela sociedade e suas normas. Esta noção é ecoada pelo afogamento de Ofélia, rodeada de grinaldas de flores que mostram que, nos seus derradeiros momentos de vida, a jovem escolheu cercar-se de símbolos de tudo o que ela era e poderia ter sido, caso não tivesse sido impedida. Ou sejam as flores são uma espécie de lembrete de tudo o que lhe foi roubado.

Simbolismo do vestuário de Hamlet

    Hamlet enverga frequentemente roupas de cor preta, as quais simbolizam a sua tristeza e dor pela morte do pai. Os reis consideram que, desse modo, o jovem espalha um clima triste sobre o palácio, por isso pedem-lhe que se anime, ou, no mínimo, mudar a roupa que costumeiramente vestia, no entanto o príncipe recusa, afirmando que as suas vestes representam apenas uma parte da sua verdadeira tristeza, o que significa que elas refletem o seu estado de espírito.
    Esta não é, todavia, a única ocasião em que Hamlet usa o seu guarda-roupa para sugerir o seu estado de alma. Por exemplo, na cena I do ato 2, muda de roupa para dar nota de outra forma de sentir e, pouco depois, surge nos aposentos de Ofélia apenas parcialmente vestido e com o vestuário desalinhado, agarra-a, olha-a ferozmente e vai embora, deixando-a confusa e assustada. Esta cena segue-se à conversa entre o príncipe e Horácio, durante a qual expõe o seu plano para descobrir a verdade sobre a morte do pai, que inclui agir como se tivesse enlouquecido para disfarçar as suas verdadeiras intenções. Toda a situação deixa Ofélia com a imagem de um príncipe mentalmente desequilibrado.

Simbolismo do crânio de Yorick

    Na primeira cena do ato V, Hamlet e Horácio deparam-se com dois coveiros preparando a sepultura que irá receber o corpo de Ofélia e, no cenário, destaca-se o crânio de Yorick, o antigo bobo da corte do falecido rei Hamlet, o qual simboliza a inevitabilidade da morte e o vazio existencial que resulta dessa consciência. O jovem Hamlet relembra a sua figura e a sua forma de ser animada e divertida que agora não passa de um monte de ossos espalhados na terra. Esta observação enfatiza a ideia da inevitabilidade da morte e o fascínio de Hamlet pelas suas consequências físicas, nomeadamente a decadência / degradação do corpo, que é apenas temporário. De facto, são várias as referências do príncipe à decomposição do corpo humano, como, por exemplo, a observação de que Polónio será comido pelos vermes, o mesmo acontecendo com os próprios, exemplificados pela figura de Alexandre Magno, cujo corpo se transformou em pó que pode ser usada para tapar um buraco num barril de cerveja. Todas estas constatações levam-no a concluir que não interessa a forma como as pessoas vivem as suas vidas, o poder e a riqueza que possuem, o «status», pois, mais tarde ou mais cedo, transformar-se-ão em pó. O final da peça, como se fosse necessário, confirma essa noção.

O tema da morte em Hamlet

    A morte está presente na peça de várias formas: o fantasma do velho rei Hamlet; a contemplação de Hamlet sobre o suicídio; a performance dos atores de O Assassinato de Gonzago; a tendência de Hamlet para se vestir de preto; a morte de Ofélia; os coveiros e o túmulo de Ofélia; a contemplação do crânio de Yorick; o funeral de Ofélia; as inúmeras mortes do final da obra.
    A morte do pai desencadeia em Hamlet a obsessão pelo tema, levando-o a ponderar as suas consequências, tanto espirituais, incarnadas pelo fantasma, como físicas, suscitadas pela contemplação do crânio do antigo bobo e dos cadáveres em decomposição no cemitério, aquando dos preparativos para o funeral de Ofélia. Por outro lado, a ideia da morte está conectada com as questões da espiritualidade, da verdade e da incerteza. Além disso, a morte é tanto a causa quanto a consequência da vingança, daí que esteja intimamente ligada aos temas da vingança e da justiça. O assassinato do rei Hamlet às mãos de Cláudio desencadeia a busca de vingança, constituindo a morte do soberano o fim dessa procura.
    A sua própria morte atormenta-o igualmente, a partir do momento em que contempla o suicídio e reflete se constitui ou não uma ação moralmente legítima num mundo que lhe causa imensa dor. De facto, a dor e o sofrimento do príncipe são tão intensos que chega a contemplar a morte como solução par pôr fim a esse estado de alma, porém receia que, se se suicidar, será condenado o sofrimento eterno no inferno. Convém ter presente que este pensar é determinado pelos princípios religiosos cristãos.
    Outro momento marcante neste diálogo de Hamlet com a questão da morte é a contemplação do crânio de Yorick, um antigo bobo da corte cuja inteligência, valor e atributos físicos o príncipe recorda e constata que a morte levou para sempre. A passagem do tempo, o envelhecimento, a decadência e a morte são inevitáveis. Hamlet toma consciência disso, bem como de que se aplica a todos os seres humanos, independentemente do seu estatuto. Metaforicamente, esta obsessão pela morte mostra a impotência de Hamlet de impedir o que está a acontecer e a corromper a Dinamarca. No final, é um líder estrangeiro, Fortinbras, que assume o trono e o poder no país para o recuperar. A nação teve que se decompor completamente antes de poder renascer, à semelhança do que sucede com a carne humana, que se decompõe e nutre o solo.

O papel da mulher numa sociedade patriarcal em Hamlet

    Gertrudes e Ofélia são duas mulheres a viver numa sociedade feita para e dominada por homens, daí serem sujeitas à opressão e à injustiça. A peça situa-se nos anos 1600, uma época em que às mulheres não era permitido subir ao palco, e a obra revela as limitações e os preconceitos de que eram vítimas, incluindo as de origem nobre. Assim, o seu comportamento é condicionado pela sociedade misógina em que vivem, que lhes dá poucas opções para sobreviver ou prosperar.
    Tendo estes dados em conta, ninguém estranhará que Gertrudes e Ofélia sejam frequentemente ignoradas e a sua ação / vida condicionada pelos homens e seus interesses. Os comentários que Hamlet lhes dirige, carregados de acusações, refletem a misoginia da época e ignoram o facto de elas serem vítimas do meio em que habitam e necessitarem de tomar decisões que lhes permitam adquirir segurança num mundo masculino. Gertrudes exemplifica na perfeição este quadro. Após a morte do marido, casa com o seu irmão (e assassino) e a peça nunca esclarece o seu grau de envolvimento e o seu eventual conhecimento do crime, embora se possa deduzir que não participou no crime, não obstante provavelmente ter conhecimento do plano de Cláudio. É uma hipótese, mas, seja como for, aquiesceu a casar com Cláudio, possivelmente por recear as consequências de uma recusa. Afinal, o estatuto de rainha conferia-lhe uma segurança que não estava ao alcance das demais mulheres. É uma decisão que simboliza a tentativa de sobreviver numa situação muito precária.
    Quanto a Ofélia, a sua situação não difere muito da de Gertrudes, desde logo porque é forçada a tomar decisões e a envolver-se em situações que não controla e / ou não deseja. Cláudio e Polónio usam-na como peão para espiar Hamlet e tentar descobrir a veracidade e o motivo da sua loucura. Obediente, a jovem segue as instruções do pai e recusa-se a vê-lo e a falar com ele, o que motiva a ira do príncipe- Quando o pai é assassinado por Hamlet, perde a sua sanidade. De um lado, está o seu pai, do outro, o homem que ama. Para acentuar a sua situação desesperada, tem de enfrentar estes acontecimentos sozinha, pois o irmão está em França. No final, se entendermos a sua morte como produto de um suicídio., seremos levados a concluir que, nesse instante, Ofélia assume o controlo do seu destino.
    Em suma, Gertrudes e Ofélia vivem uma vida de qualidade superior à das restantes mulheres, apesar de todos os condicionalismos e opressão a que estão sujeitas, mas têm plena consciência de que podem perder essa posição social privilegiada se não cumprirem as expectativas a que o género a que pertencem está sujeito. Assim sendo, a sua ação é motivada pelo desejo de sobrevivência.

O tema da representação em Hamlet

    Intimamente ligado à temática da loucura está aquilo que poderemos designar por representação.
    No momento em que surge em cena pela primeira vez, Hamlet faz uma distinção entre comportamento externo e sentimentos reais. Na cena V do ato I, afirma que vai fingir estar louco e, na inicial do segundo, Ofélia alude ao comportamento louco do príncipe como uma performance cómica. Mais tarde, quando declara a Ronsencrantz e Guildenstern que perdeu toda a alegria, parece genuinamente triste e deprimido. A questão central prende-se com a determinação se Hamlet está realmente louco ou apenas encena a sua loucura.
    A questão da representação relaciona-se também com a da peça dentro da peça. Por exemplo, o próprio texto de Shakespeare recorda frequentemente ao público que está a assistir a uma representação teatral. Quando Polónio refere que na universidade encenou Júlio César, pode estar a aludir à própria peça da autoria de Shakespeare, escrita na mesma época de Hamlet.

Os temas da honra, religião e valores sociais em Hamlet

    A sociedade dinamarquesa norteia-se por um código de valores assente na religião e na honra aristocrática.
    O fantasma do rei Hamlet exige que o filho do antigo monarca vingue a sua morte e tal passa pelo assassinato de Cláudio. No entanto, o príncipe hesita ao refletir sobre as consequências de praticar um crime daquele calibre e acaba por não agir. Esta postura não sinaliza necessariamente cobardia de Hamlet ou medo, mas uma reflexão acerca do modo como a vingança e a violência praticada para restaurar a honra podem não ser a resposta adequada. Estas considerações são bem exemplificadas pela cena em que Hamlet encontra Cláudio sozinho a orar, o que configura uma ocasião perfeita para consumar a vingança. Contudo, hesita e reflete que, se assassinar o tio enquanto ele ora, enviará o assassino do pai para o céu. Esta reflexão leva Hamlet a reconsiderar o que uma sociedade que glorifica hipocritamente a vingança e a piedade religiosa espera dele. Em simultâneo, apercebe-se da artificialidade que caracteriza a sociedade e de que a vingança não casa com os valores cristãos.
    A parte final da peça mostra um Hamlet a caminhar em direção a um certo niilismo, reconhecendo que o mundo se caracteriza pela aleatoriedade e pelo caráter arbitrário de vários padrões da sociedade. As suas reflexões levam-no a constatar que todos os seres humanos, independentemente do seu estatuto, do seu poder, da sua classe social, têm o mesmo fim, daí que ignore o conselho de Horácio para ter cautela quando duelar com Laertes. Essa sua imprudência provém da perceção de que os códigos morais que ele considerava decisivos não são aplicáveis e caminham para a irrelevância.

O tema da corrupção em Hamlet

    A Dinamarca é frequentemente descrita como um corpo físico adoecido pela corrupção moral que a tinge e que deriva dos seus soberanos, Cláudio e Gertrudes. Vários estudiosos da obra de Shakespeare apontam a personagem do fantasma como símbolo da podridão que se vai entranhando o país. De facto, quando Marcelo afirma que algo está podre no reino, após avistar o espectro, está a aludir a uma superstição medieval, segundo a qual a prosperidade de uma nação está ligada à legitimidade do seu rei. E sabemos que Cláudio não é um rei legítimo, pois assassinou o seu irmão para usurpar o poder.
    Desde o início da obra, instala-se um sentimento de medo na corte. De facto, quando Marcelo, Bernardo e Francisco, os três vigias de Elsinore, mostram-se hesitantes, inquietos e nervosos no momento em que se encontram, por causa da aparição do fantasma do rei Hamlet no castelo. Da investigação em torno do porquê desse evento resulta a sensação de que Cláudio assassinou o irmão para se apossar do trono, sinal de que a corrupção moral e política tomou conta da nação e, curiosamente, o facto afeta profundamente Hamlet, de tal forma que acaba por desenvolver uma obsessão pela corrupção física, pela decadência e pela morte. Essa obsessão traduz os seus medos sobre a deterioração da própria saúde, bem como o declínio do bem-estar da família e da própria nação.
    O falecido rei Hamlet é retratado como um governante corajoso e forte que governa um estado saudável, ao contrário de Cláudio, um político manipulador e perverso que corrompeu e comprometeu a saúde da Dinamarca para satisfazer as suas ambições políticas. Neste sentido, o desenlace da peça, com a ascensão ao trono de Fortinbras, simboliza a regeneração e o fortalecimento da nação.

O tema da loucura em Hamlet

    A loucura é outro tema central de Hamlet e anda de mãos dadas com a questão da verdade e do engano. Exemplo disto é o facto de a discussão em torno da loucura de Hamlet ser real ou fingida permanecer em aberto ao longo da obra. O seu comportamento errático e várias falas sem sentido podem ser interpretados como uma estratégia para atingir um determinado fim, mas também podem constituir uma resposta à situação «louca» em que se encontra: o seu pai foi assassinado pelo irmão, seu tio, que agora é seu padrasto, pois casou com uma mulher que antes fora sua cunhada. Se inicialmente Hamlet acredita na sua sanidade mental, no final parece duvidar dela. Chega mesmo a referir-se a si na terceira pessoa, o que pode indiciar que se afastou do seu antigo «eu» são.
    Outra personagem marcada pela loucura é Ofélia, mas, neste caso, a personagem enlouquece efetivamente ao ser rejeitada por Hamlet e ser mesmo tratada áspera e agressivamente por ele, bem como ao se afastar e renegar o seu amor por ele, obedecendo às instruções do pai e mesmo do irmão. Também no seu caso a loucura desemboca na sua morte, acidental ou suicídio.

O tema da aparência versus realidade / aparência versus engano em Hamlet

    Há vários momentos na peça que desenvolvem a questão da aparência e da realidade. Vários aspetos, como, por exemplo, a insanidade de Hamlet, as maquinações de Cláudio, o estado da Dinamarca, não são aquilo que parecem. Hamlet finge estar louco como estratégia tendente a certificar-se da culpabilidade de Cláudio na morte do seu pai. Além disso, ataca Ofélia e Gertrudes, orquestra a morte de Guildenstern e Rosencrantz e acusa a mãe e Polónio de serem falsos.
    Por outro lado, diversas personagens desafiam as balizas entre o que é visto e o que é real. Quando o fantasma aparece pela segunda vez nos aposentos de Gertrudes, esta afirma não o conseguir ver, o que levanta a possibilidade de o espectro ser produto da imaginação de Hamlet, não obstante ele ter aparecido previamente a outras personagens, ou de Gertrudes estar a esconder algo. Outros casos são os de Polónio, que dá conselhos que entram em conflito com as decisões que toma, e de Ofélia, que nega os eu amor por Hamlet por obediências e para agradar ao pai.
    Curiosamente, ao chegarmos ao final da peça, as personagens transformam-se naquilo que fingem ser: Gertrudes apresentou-se como uma vítima involuntária e torna-se uma; Polónio fingiu ser alguém leal, mas a sua morte é genuinamente lamentada pela corte; Ofélia fingiu ser pura e inocente ao renunciar ao afeto por Hamlet e acaba por ter um funeral puro, embora se possa questionar se o merece, por exemplo, caso se tenha suicidado.
    Em suma, são vários os momentos que suscitam as questões da aparência versus realidade e da verdade versus engano:

. o fantasma pode ser real ou fruto da imaginação de Hamlet;

. Cláudio obteve o poder por meio do engano;

. Polónio dispõe-se a espalhar boatos sobre o filho para investigar o seu comportamento em França, o que permite questionar o relacionamento entre pai e filhos;

. a morte de Polónio é fruto do engano, pois Hamlet pensava estar a matar Cláudio;

. a companhia de atores e o enxerto na peça que representam em Elsinore, introduzido por Hamlet;

. etc.

 

O tema da vingança (ação e inação) em Hamlet

    O motor de Hamlet é a vingança: o príncipe da Dinamarca procura vingar a morte do seu pai. Estamos na presença de um tópico presente em inúmeras obras ao longo dos tempos, no entanto esta apresenta uma inovação: a personagem que deve executar a vingança não consegue fazê-lo, pois debate-se com as implicações morais desse gesto. É essa inquietação moral que o leva a hesitar e a refletir longamente sobre a questão, pretendendo antes de agir, talvez para justificar a si próprio a sua inação, certificar-se da autoria do assassinato do pai e até da genuinidade do fantasma. Em simultâneo, várias personagens vivem os seus conflitos, lutam e morrem. Tendo em conta o final da peça, caracterizado por uma sucessão de mortes, é lícito concluir que, em última análise, a morte acabará por encontrar todos, independentemente das suas ações (ou inações).
    A vingança é, de facto, um catalisador da ação da peça, desde logo porque são várias as personagens que a procuram: o fantasma do pai de Hamlet quer que o filho vingue a sua morte; Laertes quer vingar a morte de Polónio, seu pai, e de Ofélia, sua irmã; Fortinbras buscar vingar a morte do pai e as derrotas militares. Curiosamente, de todas as que se movem por esse sentimento, é esta última a única que não perde a vida no final da peça; pelo contrário, vem triunfante da guerra e prepara-se para ocupar o trono da Dinamarca.
    Quanto a Hamlet, defronta-se com duas decisões: vingar o seu pai, matando Cláudio, ou atentar contra a própria vida para não ter de assassinar o tio / padrasto. Inicialmente, procura concretizar o desejo do pai, mas logo tem de se confrontar com as suas indecisões e questionamentos morais e não age. Quando, finalmente, se decide a agir, é demasiado tarde e acaba ele próprio morto, embora nos seus instantes finais tenha concretizado a vingança, assassinando Cláudio. Porém, a morte do protagonista não resulta propriamente da sua própria ação, embora se tenha tornado inevitável, visto que é consequência da necessidade de Cláudio proteger a sua posição e o seu poder e que desencadeou toda uma série de eventos. Ou seja, a morte de Hamlet resulta das ações do rei, independentemente da decisão do príncipe acerca do pedido do fantasma do pai.
    O contraste com Fortinbras é claro e marcante. O jovem príncipe sucede ao seu pai no trono da Noruega e manifesta desde logo a intenção de recuperar as terras perdidas pelo progenitor no campo de batalha, por isso marcha pela Europa para atingir esse desiderato. Quando Hamlet toma conhecimento desses planos, toma consciência da sua fraqueza em tomar medidas decisivas para vingar a morte do pai. No final da peça, Fortinbras é recompensado com o poder e o todos os demais são castigados com a morte. Não obstante, é possível pôr a hipótese de ambos terem crescido ao longo da peça, apesar das vinganças que empreendem ou tentam empreender, ao contrário do que sucede com Laertes.
    O desfecho da peça é caracterizado pela morte de todas as personagens centrais. Como interpretar esta carnificina? Por um lado, a vingança é inútil, pois nada traz de bom, apenas morte, sofrimento e dor; por outro, independentemente do que qualquer pessoa faça, não faça ou planeie fazer, a morte é inevitável.

sábado, 7 de setembro de 2024

Caracterização do fantasma do rei Hamlet

    O Fantasma é uma entidade sobrenatural que aparece no início da obra e afirma ser o espectro do pai de Hamlet. Ele morreu recentemente e diz-se incapaz de aceder ao céu, porque foi assassinado pro Cláudio, pelo que pede ao filho que vingue a sua morte, dando a mesma sorte que teve ao irmão.
    O velho rei Hamlet é caracterizado como um governante justo, corajoso, digno de respeito e nobre, respeitado e amado pelos seus súbditos. A sua comparação a uma figura divina simboliza a sua grandeza e a admiração que desperta. O facto de, nas suas aparições, se apresentar vestindo a armadura que envergava no campo de batalha, reforça a sua imagem de guerreiro.
    Quando faz a sua aparição ao filho, conta que foi envenenado pelo próprio irmão, que usurpou o trono, enquanto dormia no pomar do castelo, descrevendo os horrores da sua morte. Ao incitar o filho a vingá-lo, é curioso que mostre uma preocupação com a ex-esposa, pedindo-lhe que a poupe, deixando que o seu «julgamento» seja feito por Deus.
    Inicialmente, Hamlet hesita em acreditar que o espectro seja quem diz ser e receia que se possa tratar de um demónio que o quer enganar e levar a cometer um assassinato. O príncipe fica impressionado com o relato feito pelo fantasma, que, apesar de uma entidade sobrenatural, mostra uma dor pessoal bem intensa por causa da traição de que foi vítima por parte do irmão. Além disso, ele busca uma justiça de cariz político no sentido de proteger a coroa dinamarquesa, mas também uma justiça pessoal.
    A última aparição do espectro acontece após o assassinato acidental de Polónio e a fúria de Hamlet contra a mãe. Então, o fantasma sente a necessidade de se apresentar para relembrar ao príncipe qual é o seu objetivo: vingá-lo, matando Cláudio. Por outro lado, esta personagem desempenha um papel crucial na peça, sendo uma espécie de catalisador dos acontecimentos que faz ressaltar temas como a justiça, a vingança e a inevitabilidade da morte.
    Em suma, o velho rei Hamlet simboliza o poder político e o passado glorioso da Dinamarca. A sua morte trágica e a subsequente ascensão do irmão, Cláudio, representam a corrupção e o declínio do reino.
    A forma como é morto representa a traição e a corrupção: ele foi assassinado pelo próprio irmão de maneira covarde e traiçoeiro, enquanto dormia no seu jardim, um local que, simbolicamente, representaria a paz e a segurança. O veneno derramado no seu ouvido constitui uma imagem poderosa da traição insidiosa, ou seja, uma imagem que traduz a ideia de que o mal pode entrar silenciosamente na pessoa e destruí-la interiormente. Por outro lado, sugere que o poder político, quando é contaminado pela corrupção, corrompe a nação e gera um período de desordem e decadência, de caos e desarmonia. Assim sendo, é necessário restaurar a justiça.
    Por outro lado, o veneno, porque entrou pelo ouvido do rei enquanto ele está indefeso, simboliza a manipulação, as mentiras e as artimanhas que Cláudio usa para usurpar o poder e o manter. O veneno que mata o rei Hamlet é uma metáfora do veneno que Cláudio espalha pela Dinamarca através da corrupção que caracteriza a sua ação.
    Por último, a sua morte repentina e inesperada enquanto dorme simboliza a fragilidade e a vulnerabilidade da vida humana. De facto, o leitor é confrontado com o facto de mesmo um rei poderoso, aparentemente invencível, ser tão frágil como qualquer outro ser humano, acabando derrubado por um ato traiçoeiro. A morte é inevitável.

Caracterização de Rosencrantz e Guildenstern

    Rosencrantz e Guildenstern são duas personagens secundárias, antigos amigos de Hamlet, convocados, no contexto da peça, por Cláudio a Elsinore para vigiarem o príncipe e descobrirem a causa do seu estranho comportamento e da autoapregoada loucura. Hamlet acusa-os de se deixarem manipular por Cláudio e a antiga amizade esfuma-se.
    Os dois agem em uníssono, como se fossem um só, uma espécie de Dupond e Dupont, o que enfatiza a sua falta de identidade e profundidade psicológica individual. Por outro lado, caracterizam-se por serem servis e leais ao poder e aos poderosos, traços evidenciados quando aceitam a missão de espiar Hamlet, numa obediência cega à autoridade, representada pelo casal real, que deixa transparecer a sua fraqueza moral e a falta de princípios. No entanto, parecem não ter a perceção da situação em que vivem e se deixam envolver, muito menos do perigo que correm ao se deixarem envolver no ambiente de intrigas e traições e se aliarem a Cláudio.
    A ausência de princípios e de espírito crítico torna-os particularmente manipuláveis, daí a facilidade com que são usados pelo casal real para alcançar o seu objetivo. Eles constituem figuras sem vontade própria que obedecem cegamente ao poder, ignorando uma antiga amizade, o que, tudo junto, vai levá-los à perdição. De facto, são enviados à Inglaterra, acompanhando Hamlet a caminho do exílio, transportando uma carta que ordena a execução do príncipe. No entanto, este descobre a marosca e reescreve a missiva de forma a serem os próprios Rosencrantz e Guildenstern a serem executados. Assim sendo, a morte de ambos é o resultado das suas ações ao longo da peça, bem como o reflexo da incapacidade de compreender a gravidade das mesmas e do seu papel em toda a tragédia.

Caracterização de Fortinbras

    Apesar da sua escassa presença em cena, Fortinbras constitui uma figura importante da peça. Ele é o jovem príncipe da Noruega, cujo pai, igualmente de nome Fortinbras, foi morto pelo pai de Hamlet, num combate que resultou na perda de território norueguês para a nação vizinha.
    A figura de Fortinbras contrasta fortemente com a de Hamlet. Por exemplo, é caracterizado como um jovem enérgico e decidido, ao contrário do segundo, introspetivo e hesitante. O seu objetivo passa por recuperar as terras perdidas e restaurar a honra da sua família, o que mostra o seu sentido de honra, de justiça e de família. Para tal, tenciona atacar a Dinamarca para vingar o seu pai.
    Por outro lado, Fortinbras é líder militar competente, à frente de um exército que tenciona recuperar o território perdido. Isto faz dele uma personagem de ação, não de reflexão e introspeção, como Hamlet, e corajosa, que não hesita ou se acobarda perante o perigo. Todavia, não obstante o seu caráter guerreiro, Fortinbras não é um louco sanguinário, antes um homem moderado, responsável e dotado de bom senso. Quando entra no castelo de Elsinor, imediatamente após a morte de Hamlet, age de forma respeitosa, reconhecendo o príncipe como uma figura nobre e tratando-o, mesmo na morte, de acordo com a sua condição social. Assim, sugere que o seu funeral seja realizado como o de um herói, facto que evidencia o seu respeito pelos adversários.
    No final da peça, surge pela primeira e última vez em cena, tomando posse do trono da Dinamarca e restaurar a ordem após o caos, a corrupção e a devastação que a caracterizaram até aí. Por outro lado, dadas as suas características e a subida ao trono, unificando os reinos da Dinamarca e da Noruega, Fortinbras representa a nova liderança e a esperança de um futuro melhor.
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