Este poema de Manuel Alegre foi escrito em 1965,em plena vigência do Estado Novo, que é o equivalente a falar em falta de liberdade, censura, medo, opressão. A literatura não ficou indiferente à situação: houve escritores que a aceitaram, enquanto outros procuraram combater o regime, o que forçou alguns ao exílio, como sucedeu com Manuel Alegre.
O título do texto relaciona-o
com o poema de Alexandre O’Neill por meio do nome «variações», termo que remete
para uma versão de algo. Assim sendo, iremos encontrar diferenças entre as duas
composições.
Relativamente à estrutura interna,
podemos dividir o texto em três partes. A primeira corresponde à primeira
estrofe, que nos dá conta da invasão da cidade pelos ratos e o seu domínio
sobre “as gentes”. A segunda parte, composta pela segunda estrofe, evidencia a
postura do «eu», que não se conforma nem se acomoda à vontade dos ratos, não se
deixa intimidar nem oprimir. A terceira parte, a terceira estrofe, apresenta o
resultado do poder transformador do canto, isto é, a liberdade de expressão
combate o medo.
A primeira estrofe dá-nos conta de
uma situação: os ratos invadiram a cidade e dominaram toda a gente, como o
demonstra o seu comportamento – tomaram as casas e roeram o coração das
pessoas, a vida, o sol, a lua e o amor. Quer isto dizer que o medo reina,
governa tudo e todos, incluindo o próprio país. A metáfora do verso 4 (“Cada
homem traz um rato na alma.”) significa que as pessoas foram dominadas pelo que
os ratos simbolizam negativamente. A aliteração do /r/ do verso 5 sugere a
forma como os ratos roem e o ruído que produzem ao fazê-lo, bem como a sua ação
dominadora e destruidora dos seres humanos. Por sua vez, o verso 6 traduz a
noção de que todos têm de aceitar os valores e as ideias representadas pelos
ratos. Por outro lado, simboliza a desumanização das pessoas, ao retirar-lhes
os traços humanos, substituídos pelos dos roedores.
Por que motivo terá o «eu» selecionado
estes animais para desenvolver a temática do poema? Os ratos são bichos que
vivem e se alimentam do lixo, que se reproduzem rapidamente e em grande escala.
Quando atuam em grupo, têm um efeito devastador. Além disso, são responsáveis
pela transmissão de várias doenças graves para os humanos, como, por exemplo, a
peste negra. Por último, o termo «rato», quando aplicado às pessoas como
adjetivo qualificativo, significa que as ditas são medrosas, se acobardam.
Deste modo, podemos deduzir que os
ratos, neste poema, simbolizam o medo, a opressão, a desumanização do indivíduo,
etc.
A segunda estrofe mostra a atividade
e o comportamento do «eu». Assim, afirma-se um homem, por oposição a um rato.
Por outro lado, ao contrário dos roedores, que chiam, ele canta e grita-lhes
não, isto é, enfrenta-os corajosamente, não se deixando intimidar nem oprimir. Por
conseguinte, enche a toca de sol, que simboliza a liberdade (o sol fica no
céu), a luz, a esperança; de luar e de amor. Cada uma das ações do sujeito poético
é seguida de um verso entre parênteses e anafórico (“Cá fora”), que traduz a
oposição entre os ideais que defende – a liberdade, por exemplo – e que estão a
ser destruídos pelos ratos (“roeram o sol”, “roeram a lua”, “roeram o amor”) e
a situação vivida.
A última estrofe reflete o poder
transformador da ação e do canto do «eu». Esses quatro versos estão prenhes de
esperança e representam a semente da mudança que foi plantada: a toca do
sujeito poético não é mais dominada pelos animais; pertence agora a um conjunto
de homens que canta e que, através do seu canto, a enche de sol, ou seja, subverte
a situação num sentido positivo. O sol e o canto simbolizam os princípios que
os ratos haviam destruído, concretamente a liberdade de expressão, a vida, o
amor. Por outro lado, a antítese entre os ratos que chiam e os homens que
cantam representa a humanização destes. Em suma, esta estrofe apresenta-nos a
imagem de um conjunto de homens unidos e a cantar contra os ratos, isto é,
todos os que oprimiam, para permitir que a cidade, sinédoque do país
(Portugal), se voltasse a encher de sol, ou seja, de liberdade.
Deste modo, podemos concluir que
este poema reflete o medo e a opressão vividos nos anos 60 em Portugal, em
plena ditadura salazarista. Assim, não é de estranhar o posicionamento crítico
do poeta, que denuncia e expõe a opressão e a falta de liberdade suscitadas
pelo regime, como forma de dominar “as gentes”, a sociedade.
A presença do canto dos homens neste poema relaciona-se com uma tendência da época, que consistia em fazer da poesia uma arma de combate, de denúncia da situação, em suma, uma arma política. Assim sendo, o poeta, nesta composição, denuncia a opressão e a falta de liberdade de expressão, mostra a sua postura perante a realidade vivida na época face à opressão e perseguição da polícia através da figura dos ratos.