Português: Pedro Mexia
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domingo, 8 de setembro de 2024

Análise do poema "Há nomes que ficam", de Pedro Mexia

    O sujeito poético começa por refletir sobre nomes que se gravam em agendas e aí permanecem, sem qualquer utilidade ou préstimo, mas que não são apagados. Esses nomes permanecem ao longo do tempo (“transitam de ano para ano”) por inércia ou por negligência. Por vezes, a pessoa já nem se recorda das figuras a quem pertencem, isto é, de quem são, daí o nome próprio constituir uma referência obscura. Em suma, esses nomes perderam o seu significado e importância (porque desapareceram da vida, por exemplo, pela morte, graças a um afastamento físico, social, etc.), tratando-se unicamente de vestígios de um passado que ficou lá bem atrás. Recorde-se, a este propósito, a história que Ricardo Araújo Pereira contou sobre o número de telefone da sua avó, que ele não conseguiu apagar da lista de contactos do seu telemóvel, porque, quando se preparava para o fazer, lhe aparecia a mensagem Eliminar Avó.
    Os números de telefone das pessoas que conhecemos ao longo da vida e que guardamos nas agendas perdem sentido com a passagem do tempo, acabando por se transformar em meros “criptogramas”, isto é, em códigos indecifráveis. Esses números indicam que, de facto, se cruzou com pessoas que se cruzaram com ele, mas entre eles não se estabeleceu qualquer relação mais intensa ou profunda ou significativa. Atente-se, a este propósito, no recurso ao verbo «cruzar» (repetição), neste caso “cruzar-se com alguém que se cruza connosco”, que traduz essa ideia de pessoas que se encontram vindas de direções opostas e, após um breve contacto, seguem igualmente em sentidos contrários. Por isso, o «eu» afirma que trocou números de telefone com outras pessoas «como se / trocássemos alguma coisa», expressão que sugere o caráter vazio, oco e superficial dessa troca. Nos dois versos seguintes, o sujeito poético desenvolve esta ideia, assente na temática da mudança: como Camões escreveu, tudo muda na nossa existência. Neste caso, são as pessoas que, de conhecidas, se tornam amigas e, tempos volvidos, passam a desconhecidas. O que fará com que estas amizades terminem? Provavelmente, a distância e o consequente esquecimento. Deste modo, parece apontar para a noção de que as relações humanas são efémeras e instáveis, sujeitos à erosão do tempo, que muda os seres e os seus sentimentos e emoções.
    O «eu» dispõe da possibilidade de apagar os nomes das pessoas que já não fazem parte da sua vida da agenda, como se ele fosse velho e elas estivessem mortas, no entanto os números permaneceriam na agenda, como uma praga de que se não consegue libertar, «escritos / com tintas diferentes / e por vezes nas letras erradas». Estes versos indiciam o facto de o «eu» ter dificuldade em se desfazer dos números, dos contactos, que representam a passagem do tempo e as marcas que deixa, nomeadamente a mudança que proporciona, bem como a desordem e confusão que ocasionam: “e por vezes nas letras erradas”.
    De seguida, o sujeito poético conclui que não pode desfazer-se das suas agendas (atente-se no recurso ao plural), onde guarda os números de telefone das pessoas que conhecem, mas também não pode «começar uma todos os anos» (até porque seria impraticável), como se fosse possível apagar o passado e recomeçar constantemente (“todos os anos”) do zero. Reconhece, todavia, que ele mesmo mudou e que, por isso, já não é o mesmo que era quando anotou esses números, quando conheceu essas pessoas. Os dois pontos indiciam que se seguirá a explicação desta ideia final e ela, de facto, não tarda.
    Com efeito, os números de telefone “observaram as minhas idades”, isto é, foram testemunhas das mudanças que se operaram nele ao longo do tempo. O «eu» poderia ligar para um desses números que guardou na agenda, porém o mesmo não lhe diz nada, ou seja, não lhe desperta interesse, não lhe lembra nenhuma pessoa. Ainda assim, poderia “contar-lhe tudo” o que viveu e sentiu, ou que vive e sente no momento presente, a alguém que não se lembra dele, o que significa que as mudanças não se operam somente no «eu», mas também no «tu». As pessoas conhecem-se, aproximam-se e, posteriormente, afastam-se, porque as circunstâncias assim o ditam.
    Este desfecho do poema deixa no ar uma vivência do «eu» caracterizada pela solidão e pelo afastamento relativamente aos outros, bem como pela nostalgia de um passado que foi diferente. Será que o sujeito poético, no fundo, tenta também resgatar esse passado e a identidade perdidos? Na esteira de Camões e dos clássicos renascentistas, a mudança no ser humano opera-se sempre para pior? Ou será que, simplesmente, temos dificuldade em apagar algo que já fez parte da nossa vida?
    Nota, a finalizar, para o recurso constante ao plural («cruzámos», «connosco», «trocámos», etc.), sugerindo que aquilo que o «eu» vivenciou é um facto extensível a todos os seres humanos. As agendas de contactos serão, afinal, o símbolo das relações humanas que estabelecemos e perdemos ao longo da vida.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

25 de Abril e mentiras - «Gavetas», Pedro Mexia

Não deves abrir as gavetas fechadas
por alguma razão as trancaram,
e teres descoberto agora a chave
é um acaso que podes ignorar.
Dentro das gavetas sabes o que encontras:
mentiras. Muitas mentiras de papel,
fotografias, objectos.
Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes.
As gavetas foram sendo preenchidas
por gente tão fraca como tu
e foram fechadas por alguém mais sábio do que tu.
Há um mês ou um século, não importa.

                                                Pedro Mexia, Menos por Menos
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