Português: 05/01/2023 - 06/01/2023

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Navio à deriva


 Oleksiy Kustovsky

Amor de Perdição e Camilo como autor, narrador e sobrinho


Análise do capítulo II de Os Maias


1. Casamento de Pedro e Maria Monforte
 
1.1. Descrição da lua-de-mel:
- a “felicidade de novela”;
- a viagem por Itália;
- o fastio e medo da “velha Itália clássica”;
- a viagem a Paris:
. o suspirar por uma “boa loja de modas, sob as chamas do gás, ao rumor do Boulevard”;
. a cidade de Paris agitada, revolucionária, conflituosa, ao som da “Marselhesa”, triste; o medo dos “operários, corja insaciável”;
. a vida luxuosa e faustosa;
. o ciúme de Pedro por causa da “admiração absurda de Maria pelos novos uniformes da Garde Mobile”;
. a gravidez de Maria e...
- o regresso a Arroios:
. Maria     - exige que Pedro escreva ao pai;
- odiou Afonso por a rejeitar,  por isso apressou o casamento e a partida para Itália como forma de vingança e de lhe demonstrar que valia mais o seu poder de sedução do que as tradições familiares e os graus de parentesco;
- com o regresso a Lisboa deseja a reconciliação para se poder mostrar à sociedade “pelo braço desse sogro tão nobre e tão ornamental”;
- perante nova afronta, injuria-o, chamando-lhe “D. Fuas” e “Barbatanas”;
- recusa-se a amamentar a filha, embora a adore e acarinhe em êxtase de idolatria;
- detém grande poder sobre Pedro e usa-o astutamente;
. Pedro     - demonstra não ter vontade própria, pois a carta que escreve ao pai “Fora um conselho, quase uma exigência de Maria”;
- demonstra grande ternura e amor pelo pai, mas a partida do pai para Santa Olávia deixa-o indignado e enfurecido, não lhe comunicando o nascimento da filha e declarando a Vilaça que já não tinha pai;
- deixa-se seduzir e influenciar/manipular facilmente por Maria;
. a filha de Pedro e Maria:
- o narrador omite o seu nome para que não seja explícito antes do momento escolhido que Carlos e Maria Eduarda são irmãos;
- em termos de caracterização ficamos a saber que se trata de “uma linda bebé, muito gorda, loura e cor-de-rosa, com os belos olhos negros dos Maias”.
 
1.2. O ambiente romântico de Arroios – “festança, atravessada pelo sopro romântico da Regeneração”:















1.2.1. Maria:
- recebe e vive requintadamente;
- vive rodeada de luxo, fausto e ostentação;
- fuma e joga;
- “nunca fora tão formosa”;
- escolhe a túlipa, “opulenta e ardente”, para flor que a simbolize, flor que sugere a sua sensualidade;
- desperta paixões em todos os amigos do marido;
- apazigua os ciúmes de Pedro, sábia e sedutoramente, com carícias e beijos;
- muito sensual e sedutora;
- lê novelas românticas, deixando-se influenciar de tal forma por elas que o nome do segundo filho é escolhido a partir do nome de uma personagem duma dessas novelas;
- revela indícios de cultivar uma paixão por Tancredo:
. a excitação e a noite mal dormida perante a ideia de ter “um príncipe entusiasta, conspirador, condenado à morte, ferido agora, por cima do seu quarto”;
. os ciúmes que sente perante as idas constantes da arlesiana ao quarto de Tancredo;
. a pergunta a Pedro se “era necessária (...) constantemente a sua própria criada no quarto de Sua Alteza!”;
. a sua palidez e a sua cólera quando Pedro lhe responde que Tancredo achava “picante” a arlesiana;
. o choro da arlesiana após uma conversa com Maria;
. os suspiros sem razão (p. 43);
- em determinado momento opera-se nela uma grande mudança:
. troca o vestuário luxuoso por um vestuário preto;
. suspende as soirées mundanos por outras singelas onde faz crochet, estuda música clássica e falta de política com sisudez, apenas com alguns íntimos;
. é adepta da Regeneração;
. organiza uma associação de caridade, a Obra Pia dos Cobertores;
. visita os pobres;
. torna-se devota;
. a “deusa” transforma-se em terna Madona e vai adiando para o inverno a visita reconciliadora a Afonso.
 
1.2.2. Tancredo – o homem fatal do Romantismo:
- personagem enigmática, incompreendida, foragida, em oposição ao poder instituído, condenado à morte;
- possuidor de uma beleza extraordinária que provoca uma sedução irresistível;
- a figura pálida que atrai e provoca sofrimento;
- barba curta e frisada;
- longos cabelos castanhos, ondeados e “com reflexos de ouro”;
- taciturno;
- orgulhoso;
- misterioso;
- olhar sombrio;
- desenha flores para Maria bordar e tange-lhe canções populares napolitanas à guitarra, indícios de um romance oculto.
 
1.2.3. Alencar → o Ultrarromantismo:
- as frase ressoantes;
- as poses de melancolia;
- o poema “Flor de Martírio” e as referências à noite;
- a paixão platónica por Maria.
  
1.3. Presságios:
® a associação de Maria a Helena e Troia, ambas adúlteras e causadoras de “guerras trágicas”;
® a referência ao “luxo sombrio do luto oriental de Judite”;
® a escolha do nome do segundo filho, feita a partir de uma novela romântica “... de que era herói o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos Eduardo; e, namorado dele, das suas aventuras e desgraças, queria dar esse nome a seu filho... Carlos Eduardo da Maia! Um tal nome parecia-lhe conter todo um destino de amores e façanhas.”:
. a influência perniciosa da literatura romântica em Maria Monforte;
. tal como a personagem da novela era “o último Stuart”, também Carlos será o último dos Maias;
. tal como o príncipe, Carlos irá levar uma vida de “aventuras e desgraças”;
. a presença do destino.
 
 
2. Desenlace trágico da intriga secundária
 
2.1. O adultério e a fuga de Maria( com a filha)
causas:
- a ociosidade de Maria: uma personagem dominada pelo luxo, pela ostentação, sem uma ocupação que lhe preencha utilmente a vida, entrega-se aos prazeres e cai no adultério;
- a literatura romântica, que é causa de desvarios no leitor: é uma literatura idealista e desvinculada da vida real que origina condutas anómalas ® a fuga de Maria com Tancredo tem o carácter de um episódio de novela romântica.


 
 
2.1.2. Estado de espírito de Afonso:
- a cólera inicial por ver naquela situação o escândalo, a desonra da família e “o seu nome pela lama”;
- a indignação pela incapacidade de o filho reagir “como homem” à situação, lançando-se “...para um sofá, chorando miseravelmente...”;
- a ternura imediata face à dor de Pedro;
- o carinho embevecido e a felicidade que sente ao pegar no neto;
- a preocupação em eliminar de Pedro uma ideia fixa: “– Sim, mais tarde, depois pensarás nisso, filho...”;
- depressão;
- não comeu quase nada: “... tomou uma colher de sopa...”;
- estado de melancolia: “... e ali ficou envolvido, pouco a pouco, naquele melancólico crepúsculo de Dezembro”;
- centra o pensamento na sua desgraça:  “... pensando em todas as coisas terríveis que assim invadiam num tropel patético a sua paz de velho...”;
- a antevisão de alegrias futuras na presença do neto: “... e toda a sua face sorria à chama alegre, revendo a bochechinha rosada, sob as rendas brancas da touca.”;
- após o suicídio do filho, Afonso parte para Santa Olávia mergulhado em pesado luto, o que leva Vilaça a afirma que “... o velho não durava um ano”.


 
2.3. Presságios:
® o estado psicológico de Pedro era tal que se pressente a eminência de um desfecho trágico, como as rosas de Inverno que se “esfolhavam num vaso de Japão”;
® “Pedro, no entanto, como sonâmbulo, voltara para a varanda, com a cabeça à chuva, atraído por aquela treva de quinta que se cavava em baixo com um rumor de mar bravo.” (p. 50);
® “Uma brasa morria no fogão.” (p. 50);
® “... nesse silêncio as goteiras punham um pranto lento.” (p. 50).
 
 
3. NOTAS
 
            1.ª) A intriga secundária – a história de Pedro da Maia e de Maria Monforte – é de índole naturalista. Com efeito, o percurso amoroso e biográfico de Pedro só é explicável à luz de fatores naturalistas: raça/hereditariedade, educação e meio social. Quanto  à hereditariedade, o texto salienta o paralelismo de identidade entre a mãe e o filho(cap. I, p. 20); quanto à educação, recebe a que a mãe escolhe, tendo o Padre Vasques por orientador, uma educação que impede o desenvolvimento físico, moral e intelectual, tornando-o “um fraco em tudo”; quanto ao meio, Pedro, após a morte da mãe, frequentou um ambiente moralmente baixo. Eis, pois, Pedro lançado no trilho que o levará inexoravelmente à destruição. Fica provada a tese de que o ser humano é um produto desses fatores naturalistas que o condicionam irrefreavelmente. Pedro torna-se um herói romântico, sem heroísmo, com uma solução romântica

            2.ª) A intriga secundária caracteriza-se por um grande ritmo rápido de novela e por um narrador omnisciente. As duas personagens centrais desta intriga têm como função maior (além da demonstração das teses atrás citadas) mostrar os paralelismos de comportamentos com os amores de Carlos e Maria Eduarda.
 
 
4. Linguagem
 
. Duplo advérbio de tempo + verbo no futuro: “– Sim, mais tarde, depois pensarás nisso, filho...” ® a preocupação de Afonso em eliminar de Pedro uma ideia fixa.
. Uso do discurso indireto livre, intercalado entre o discurso direto e o discurso indireto sugere a personagem a falar em voz alta, confundindo-se com o narrador, e a interpretar uma pergunta, não formulada, de Afonso: “Ainda lá tinha a sua cama, não é verdade? Não, não queria tomar nada...”.
. Advérbio expressivo: “O pai ouviu-lhe os passos por cima e o ruído de janelas desabridamente abertas.” ® revela a falta de autodomínio e o conflito emocional que marcam Pedro naquele instante.


terça-feira, 9 de maio de 2023

Análise do poema "Variações sobre «O Poema Pouco Original do Medo» de Alexandre O’Neill", de Manuel Alegre


             Este poema de Manuel Alegre foi escrito em 1965,em plena vigência do Estado Novo, que é o equivalente a falar em falta de liberdade, censura, medo, opressão. A literatura não ficou indiferente à situação: houve escritores que a aceitaram, enquanto outros procuraram combater o regime, o que forçou alguns ao exílio, como sucedeu com Manuel Alegre.

            O título do texto relaciona-o com o poema de Alexandre O’Neill por meio do nome «variações», termo que remete para uma versão de algo. Assim sendo, iremos encontrar diferenças entre as duas composições.

            Relativamente à estrutura interna, podemos dividir o texto em três partes. A primeira corresponde à primeira estrofe, que nos dá conta da invasão da cidade pelos ratos e o seu domínio sobre “as gentes”. A segunda parte, composta pela segunda estrofe, evidencia a postura do «eu», que não se conforma nem se acomoda à vontade dos ratos, não se deixa intimidar nem oprimir. A terceira parte, a terceira estrofe, apresenta o resultado do poder transformador do canto, isto é, a liberdade de expressão combate o medo.

            A primeira estrofe dá-nos conta de uma situação: os ratos invadiram a cidade e dominaram toda a gente, como o demonstra o seu comportamento – tomaram as casas e roeram o coração das pessoas, a vida, o sol, a lua e o amor. Quer isto dizer que o medo reina, governa tudo e todos, incluindo o próprio país. A metáfora do verso 4 (“Cada homem traz um rato na alma.”) significa que as pessoas foram dominadas pelo que os ratos simbolizam negativamente. A aliteração do /r/ do verso 5 sugere a forma como os ratos roem e o ruído que produzem ao fazê-lo, bem como a sua ação dominadora e destruidora dos seres humanos. Por sua vez, o verso 6 traduz a noção de que todos têm de aceitar os valores e as ideias representadas pelos ratos. Por outro lado, simboliza a desumanização das pessoas, ao retirar-lhes os traços humanos, substituídos pelos dos roedores.

            Por que motivo terá o «eu» selecionado estes animais para desenvolver a temática do poema? Os ratos são bichos que vivem e se alimentam do lixo, que se reproduzem rapidamente e em grande escala. Quando atuam em grupo, têm um efeito devastador. Além disso, são responsáveis pela transmissão de várias doenças graves para os humanos, como, por exemplo, a peste negra. Por último, o termo «rato», quando aplicado às pessoas como adjetivo qualificativo, significa que as ditas são medrosas, se acobardam.

            Deste modo, podemos deduzir que os ratos, neste poema, simbolizam o medo, a opressão, a desumanização do indivíduo, etc.

            A segunda estrofe mostra a atividade e o comportamento do «eu». Assim, afirma-se um homem, por oposição a um rato. Por outro lado, ao contrário dos roedores, que chiam, ele canta e grita-lhes não, isto é, enfrenta-os corajosamente, não se deixando intimidar nem oprimir. Por conseguinte, enche a toca de sol, que simboliza a liberdade (o sol fica no céu), a luz, a esperança; de luar e de amor. Cada uma das ações do sujeito poético é seguida de um verso entre parênteses e anafórico (“Cá fora”), que traduz a oposição entre os ideais que defende – a liberdade, por exemplo – e que estão a ser destruídos pelos ratos (“roeram o sol”, “roeram a lua”, “roeram o amor”) e a situação vivida.

            A última estrofe reflete o poder transformador da ação e do canto do «eu». Esses quatro versos estão prenhes de esperança e representam a semente da mudança que foi plantada: a toca do sujeito poético não é mais dominada pelos animais; pertence agora a um conjunto de homens que canta e que, através do seu canto, a enche de sol, ou seja, subverte a situação num sentido positivo. O sol e o canto simbolizam os princípios que os ratos haviam destruído, concretamente a liberdade de expressão, a vida, o amor. Por outro lado, a antítese entre os ratos que chiam e os homens que cantam representa a humanização destes. Em suma, esta estrofe apresenta-nos a imagem de um conjunto de homens unidos e a cantar contra os ratos, isto é, todos os que oprimiam, para permitir que a cidade, sinédoque do país (Portugal), se voltasse a encher de sol, ou seja, de liberdade.

            Deste modo, podemos concluir que este poema reflete o medo e a opressão vividos nos anos 60 em Portugal, em plena ditadura salazarista. Assim, não é de estranhar o posicionamento crítico do poeta, que denuncia e expõe a opressão e a falta de liberdade suscitadas pelo regime, como forma de dominar “as gentes”, a sociedade.

            A presença do canto dos homens neste poema relaciona-se com uma tendência da época, que consistia em fazer da poesia uma arma de combate, de denúncia da situação, em suma, uma arma política. Assim sendo, o poeta, nesta composição, denuncia a opressão e a falta de liberdade de expressão, mostra a sua postura perante a realidade vivida na época face à opressão e perseguição da polícia através da figura dos ratos.

«”Albertina” ou “O inseto-insulto” ou “O quotidiano recebido como mosca”», de Alexandre O'Neill


             Este poema é constituído por oito estrofes: uma oitava, três tercetos, duas quadras e dois monósticos, com rima emparelhada e cruzada e métrica irregular.

            O seu tema é a arte poética, dando-nos conta de um sujeito poético que é poeta e discorre sobre o processo de criação poética, a inspiração para escrever. Se observarmos o título, bastante extenso para o que é usual em textos poéticos, observamos que se relaciona inequivocamente com o tema da composição: a criação poética e a inspiração.

            O sujeito poético abre o poema apresentando-nos o poeta – de forma humorística – sozinho (atente-se na reiteração da ideia) e à espera. De quê? O «eu» espera por “um minuto que seja de beleza” (v. 7), isto é, aguarda inspiração (para escrever). Essa espera está associada a uma certa expectativa, como é visível pela sua postura: “em abstração” (atente-se na alusão ao nariz e ao ato de dele tirar algo), com os cotovelos apoiados no tampo da mesa, com a cabeça voltada para baixo. A metáfora do verso 6 (“Onde o poeta é todo cotovelos”) intensifica a expectativa em que o «eu» poético está imerso e a demora em encontrar inspiração, um motivo para escrever, demora essa destacada pela referência ao nome “minutos” (repetido duas vezes). O último verso da primeira estrofe, uma metáfora (“o poeta é aos novelos”), iniciado pela conjunção coordenativa adversativa «mas», que exprime uma ideia de contraste com o que foi afirmado anteriormente, anuncia a insegurança e a indefinição que o caracterizam. Essa noção é desenvolvida na segunda estrofe, novamente anunciada pela mesma conjunção: o sujeito lírico sente-se inseguro e incapaz de dominar a «musa» (v. 10) que tantas vezes o inspirou de forma avassaladora: “aquela / Que tantas vezes arrastou pelos cabelos…” (metáfora). Recordemos que a musa era a divindade que, de acordo com a mitologia, presidia às artes e às letras, sendo a responsável pela inspiração dos poetas.

            A terceira estrofe coloca-nos perante uma nova figura: a mosca Albertina. Quem ou o que é ela? A mosca Albertina é um “inseto-insulto” (v. 13), isto é, algo que o atormenta, que compromete a já fraca inspiração do poeta. Antes, este tinha-a domesticada, ou seja, a inspiração surgia-lhe habitual e facilmente, porém, no presente, surge por sua iniciativa, “como um inseto-insulto, / Mas fingindo que o poeta a esperava…” (vv. 13-14). Recordemos que o nome Albertina, feminino de Alberto, deriva do vocábulo germânico “Adalbert”, resultado da junção de “adal” (nobre” e “berth” (ilustre, brilhante),que significava, portanto, “nobre ilustre, brilhante”.

            Por outro lado, Albertina possui uma dupla faceta: é inseto – mosca – e (quase) mulher. Na qualidade de mosca, ela incomoda o poeta, como os insetos incomodam os humanos, perturba-o, compromete a sua inspiração. “Albertina quer o poeta para si, / Quer sem versos o poeta.” (vv. 16-17). Enquanto mulher, ela sedu-lo, o que quer dizer que, em simultâneo, Albertina o afronta e seduz. E, apesar do apelo do sujeito poético para que ela o deixe em paz e, assim, permita que ele se inspire e escreva, mesmo que de forma imperfeita (“Que eu falhe neste papel” – v. 20), no “papel tão branco e insolente” – personificação, onde o poeta sabe que existe um verso belo que está, porém e de momento, ausente, pois falta-lhe a inspiração. O papel está “tão branco” (atente-se na intensificação sugerida pelo advérbio «tão»), porque a criatividade e a inspiração não surgem, logo o «eu» não cria, não escreve, e é “insolente” (personificação), ou seja, o papel é atrevido e desafia-o a escrever.

            O apelo intensifica-se no monóstico correspondente ao verso 22: “ – Albertina! eu quero um verso que não há!...”. No entanto, o inseto fica-lhe indiferente e, em vez de o inspirar, “Conjugal, provocante, moreno e azulado”, levanta voo, esvoaça por ali e aterra insultuosamente na folha de papel em branco. Atente-se na expressividade da quádrupla adjetivação do verso 23, que acentua a atitude provocatória de Albertina e sugere a existência de uma relação entre ambos marcada pela conjugalidade.

            Como consequência dessa atitude, que o leva a abstrair-se ainda mais da criação poética, o poeta “sai de chofre” (v. 27), isto é, repentinamente, e sente-se “desalmado”, ou seja, desinspirado, “por uns tempos” (v. 27).

            À semelhança do que sucede com vários outros poetas contemporâneos, Alexandre O’Neill reflete, neste poema, sobre a arte poética, só que neste caso estamos na presença de uma arte poética invulgar, dado que o ato de criação poética é aparentemente banalizado e vulgarizado, através do recurso a um tom humorístico que percorre todo o poema, da atitude do poeta e da forma como encara a inspiração.

            Deste modo, Alexandre O’Neill desconstrói humoristicamente, a imagem do poeta inspirado, desprovido das suas faculdades de criação poética e nega, em simultâneo, a ideia do poeta como um ser eleito, inspirado por natureza e produtor infindável e incansável de poesia.

            O processo é descrito num poema que podemos dividir em três momentos. O primeiro situa-se entre os versos 1 e 11, no qual o «eu» lírico retrata o poeta que reflete sobre o que escrever, esperando a inspiração, que tarda. O segundo abrange os versos 12 a 26 e neles é apresentada e caracterizada a mosca Albertina, que perturba o poeta, que a tenta repelir, em vão. O terceiro momento diz respeito ao último verso e retrata a “desistência” temporária do poeta, que abandona o espaço em que se encontra, desmotivado.

domingo, 7 de maio de 2023

Contexto da escrita de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá


                 De acordo com uma nota introdutória da autoria do próprio Jorge Amado, a obra foi escrita em 1948 como presente para o seu filho João Jorge quando este completou um ano de vida, sem haver qualquer interesse em a publicar, por isso só foi publicada trinta anos depois, em 1978, depois de o filho a recuperar e ter levado a Carybé (Hector Julio Páride Bernabó, um multifacetado artista plástico nascido na Argentina em 1911, naturalizado brasileiro e radicado no Brasil desde 1949 até à sua morte em 1997,em Salvador da Baía). Assim a primeira edição da obra é composta pelo texto original – a história de amor impossível entre o Gato Malhado e a Andorinha Sinhá –, acompanhado de belíssimas ilustrações de Carybé.

                Por outro lado, a obra de Jorge Amado baseia-se na seguinte trova, da autoria do poeta popular baiano Estêvão da Escuna, que a costumava recitar no Mercado das Sete Portas, em Salvador:

O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e Dona Andorinha.
 

Análise de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá


 I. Contexto de escrita


II. Título


III. Estrutura da obra


IV. Ação

    4.1. Resumo

    4.2. Comentário

    4.3. Estrutura

    4.4. Relevo

    4.5. Organização das sequências narrativas


V. Personagens

    5.1. Papel / Relevo

    5.2. Retrato/Caracterização e Representatividade

            a) Gato Malhado

            b) Andorinha Sinhá

            c) Rouxinol

            d) Velha Coruja

            e) Reverendo Papagaio

            f) Vaca Mocha

            g) Sapo Cururu

            h) Tempo

            i) Vento

            j) Manhã

            k) Pais da Andorinha Sinhá

            l) Cobra Cascavel

            m) Pata Petita e Pato Pernóstico

            n) Pombo Correio

            o) Galo D. Juan de Rhode Island


VI. Tempo

    6.1. Tempo da história

    6.2. Tempo psicológico

    6.3. Tempo do discurso


VII. Espaço

    7.1. Espaço físico ou geográfico

    7.2. Espaço social

    7.3. Espaço psicológico


VIII. Narrador


IX. Representação do discurso


X. Ideologia


XI. Moral


XII. Classificação - Género


Benfica é tetracampeão nacional de voleibol masculino


     André Lopes ergue o troféu, marcando a sua retirada do mundo da competição profissional.

Polo aquático feminino é tetracampeão!


 

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Análise do poema "Epigrama N.º 2", de Cecília Meireles


                 No primeiro verso, o «eu» poético apresenta a felicidade escrita em maiúscula, personificada, e caracteriza-a como algo efémero: “És precária e veloz”. Por outro lado, é algo difícil de acontecer, que “custa a vir e, quando vens, não se demora”. A velocidade com que os momentos de felicidade acontecem está relacionada com o tempo e a sua transitoriedade, visto que tudo no universo gira em torno do tempo e da ação dele sobre os seres.

                Por outro lado, a felicidade constitui a razão de ser do tempo, a qual, por ser tão “precária e veloz”, “obrigou” o ser humano a medir o tempo e a inventar as horas, para que esses momentos fossem medidos e valorizados: “Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo, / e, para te medir, se inventaram as horas.”

                Na segunda estrofe, o sujeito poético designa a felicidade como “coisa”, o que significa que é muito difícil compreender a sua natureza, defini-la. Esta ideia é frisada quando o «eu» qualifica a felicidade com o adjetivo «estranha», sugerindo, assim, que é algo que não se pode explicar (estranha), apenas sentir. No entanto, apesar de ser um sentimento bom, pode tornar-se muitas vezes “doloroso”, dado que são tristes as horas subsequentes quando comparadas aos momentos em que ela se fez sentir.

                A felicidade, tal como o tempo, é transitória, passageira, o que torna a vida do homem mais triste, uma vez que, após a passagem dos momentos felizes, resta ao homem uma realidade monótona porque rotineira, pelo que aquele inventou as horas, porque, desse modo, saberá dar valor ao tempo em que está feliz: “Porque um dia se vê que as horas todas passam, / e um tempo, despovoado e profundo, persiste.”

                O sujeito poético, no último verso, enfatiza, de forma melancólica, a transitoriedade da vida, “porque um dia se vê que as horas todas passam”. Como tudo é passageiro, a felicidade também é transitória e passa, razão pela qual o «eu» lírico se refere a “um tempo, despovoado e profundo, persiste”.

                Esta tristeza que brota após a passagem da felicidade não é individual; pelo contrário, é expressa em nome dos homens que sofrem quando a perdem ou passam por momentos de felicidade, facto que lhe ensina o valor do tempo e da sua existência, bem como a importância do significado da felicidade, visto que o sujeito poético é alguém que já experimentou o sabor da felicidade, pelo que conhece o quão importante é e o que há a esperar dela.

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