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Número três: a perfeição a atingir.
No conto, é evidente a
insistência no número três. Desde logo, são três os irmãos; e três é também um
símbolo da família – pai, mãe, filho(s). Porém, aqui encontramos uma família
truncada, imperfeita – nem pais, nem filhos, apenas três irmãos. Não há, aliás,
a mais leve referência aos progenitores dos fidalgos Medranhos, como se eles
nunca tivessem existido. Essa ausência da narração é, de certo modo, um símbolo
da sua ausência na educação dos filhos. Sem a presença modeladora dos pais (ou
alguém que os substituísse), Rui, Guanes e Rostabal muito dificilmente poderiam
desenvolver sentimentos humanos: vivem como lobos, porque, provavelmente,
cresceram como tal.
Por outro lado, as três figuras
não foram capazes de constituir uma família verdadeira, do mesmo modo que,
apesar dos laços de sangue que os unem e de viverem juntos, não formam uma
família e sempre pela mesma razão: são incapazes de afetos, de criar e mantar
amor entre si. Note-se que, neste caso, se opõem aos animais a que são
associados – os lobos –, dado que numa alcateia há ordem, estrutura e fortes
ligações entre os seus membros.
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Cofre: a ideia da essência humana, inalterável de geração em geração.
O tesouro está guardado num
cofre. Este objeto protege, preserva, permite que o seu conteúdo permaneça
intocado ao longo do tempo. Igualmente significativo é o facto de o cofre ser
de ferro, que é um material resistente, simultaneamente, à força e à corrupção.
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Três chaves e três fechaduras: símbolo da felicidade, apontada quer pelo
ouro quer pelo numeral três.
As três fechaduras preservam o
conteúdo do cofre(Da curiosidade? Da cobiça? Da apropriação indevida?), no
entanto as três chaves produzem o efeito contrário, isto é, permitem abri-lo
sem dificuldade, só que nenhuma delas, só por si, mas apenas as três em
conjunto. Este dado significa que somente a cooperação dos três irmãos
permitirá abrir o cofre e aceder ao tesouro. Assim sendo, será apenas por meio
da solidariedade, da cooperação, da convergência de interesses e esforços que
se tornará possível alcançar o tesouro que todos almejam. Como, em vez do
espírito de cooperação, prevalece a ganância extrema, não lhes foi permitido
possuir o tesouro. Quando Rui expõe a estratégia a seguir, o número três volta
a aparecer: “três alforges de couro, três maquias de cevada, três empadões de
carne e três botelhas de vinho”, numa espécie de sublinhado do irredutível
individualismo que cultivam e que os conduzirá à tragédia.
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Ouro: símbolo da perfeição, da salvação, da aquisição da espiritualidade,
bem como da riqueza, que proporcionaria a fuga dos três irmãos à miséria.
O ouro é um metal precioso e
incorruptível, símbolo de perfeição. Para além do seu valor material, simboliza
a salvação, a elevação a uma forma superior de vida, mais espiritual, menos
animal. É esse o verdadeiro bem, o verdadeiro tesouro. Os fidalgos de Medranhos
vivem mergulhados na decadência material, na mais extrema pobreza e na
degradação moral. Não se lhes conhece uma atividade útil, um sentimento mais
elevado, um afeto, um gesto de amor. Vivem com os animais e como os animais,
contudo, como sucede para qualquer ser humano, existe a possibilidade de
redenção. O tesouro está à sua disposição, mas, para que tal suceda, é
necessário abandonar a cobiça, superar o egoísmo, estabelecer laços de
solidariedade e verdadeira fraternidade.
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Medranhos – medronhos (?): pobreza, miséria.
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Moita de espinheiros: as dificuldades, as provações a que os três irmãos
estão sujeitos.
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Cova de rocha: a descida aos infernos, uma espécie de catarse, de
purificação (remete para a busca do Graal).
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Ferro: o material de que o cofre é feito representa a resistência à
corrupção e o valor do tesouro nele guardado.
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Dístico em letras árabes: mal legível, remete para um passado distante,
mítico, um tempo de paz, equilíbrio e perfeição, uma idade de ouro que poderá
ser recuperada por quem conseguir encontrar o tesouro.
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Letras em árabe apontam para um tempo muito recuado:
® a
idade de ouro há humanidade, una e perfeita;
® ou
o mito de Adão e Eva, que, em virtude de um comportamento algo semelhante ao
dos três irmãos, perderam a vida espiritual, o paraíso, sendo ainda castigados
com a solidão;
® ou
a época cultural em que os árabes estiveram na Península e que representa a
origem da nossa língua e da nossa cultura.
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Cerrar a fechadura: remete para a ideia de que os três irmãos jamais
alcançarão a espiritualidade e a felicidade e prenuncia a desgraça, o silêncio
e a morte.
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Inverno: frio, aponta para a privação, a escuridão e a morte.
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Primavera: o renascimento da natureza, a luz e o aparecimento do Sol
criador; a vida. Em suma, a primavera significa a possibilidade de mudança, é o
sinal da natureza que os homens devem saber interpretar e que os irmãos não
sabem.
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Domingo: dia do convívio, da festa, do culto, do divino, da família,
tudo quanto os irmãos deviam ser e não eram.
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Percurso temporal manhã ® noite: não sabendo ou não querendo aproveitar as
oportunidades, só lhes resta uma triste noite, isto é, um triste fim.
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Nome dos três irmãos:
▪ Rostabal: ® é o
mais velho, logo tem o nome mais comprido;
® a
repetição da vogal aberta pode sugerir animalidade, instintos, o que está de
acordo com o seu retrato;
▪ Guanes: ®
possivelmente o irmão do meio, o seu nome contém menos uma sílaba do que
Rostabal e mais uma do que Rui, o que poderá querer sugerir que está a meio
caminho entre a animalidade e a razão; assenta-lhe bem a traição;
▪ Rui: ® o
mais novo, tem também o nome mais pequeno e é o mais avisado;
®
estaria do lado da razão, mas também, por isso, da maldade pensada, pérfida;
® a
proximidade sonora de Rui e ruim pode ser um indício dessa
maldade.
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Água: símbolo de vida (vemo-la na clareira, escoando-se por entre a
relva que cresce e Rui procura combater o veneno com ela) e de purificação (com
a água, Rostabal pretende livrar-se do sangue do irmão que assassinou).
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Navalha / espada: instrumento de morte.
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“Nuvenzinhas cor-de-rosa”: o sonho, a miragem da felicidade atingida
através do tesouro.