Após a prisão de Simão, Teresa é
conduzida ao convento de Monchique e dá sinais de fraqueza e doença. As cartas
trocadas entre os amantes evidenciam o desgosto de ambos pela separação e pela
morte próxima de Teresa.
• Capítulo XIV
Tadeu de Albuquerque chega ao
convento para levar Teresa para Viseu, mas a filha recusa. A madre apoia-a e
Tadeu, não obstante as diligências que faz, não consegue o que deseja.
• Capítulo XV
Simão continua preso na Cadeia de
Relação, no Porto, e passa ao papel os seus pensamentos e reflexões sobre o seu
destino. João da Cruz visita-o e dá-lhe conta das melhoras de Mariana; depois
leva uma carta do fidalgo para Teresa. Entretanto, Mariana ficará a cuidar de
Simão.
• Capítulo XVI
Neste capítulo, narra-se a fuga de
Manuel Botelho, irmão mais velho de Simão, com uma mulher casada. Trata-se de
um incidente que não tem grande ligação com os amores de Teresa e Simão, mas
que mostra o modo de ser de Domingos Botelho.
• Capítulo XVII
João da Cruz está em casa e
dedica-se ao trabalho de ferrador. Entretanto, é visitado por um estranho que,
após um breve diálogo, dispara sobre ele, matando-o, num ato de vingança.
Mariana recebe a notícia na prisão, onde acompanha Simão, e ambos reagem com
grande emoção.
• Capítulo XVIII
Mariana, agora sem pai, decide
acompanhar Simão no degredo. As suas manifestações de dedicação ao fidalgo
intensificam-se, ao ponto de anunciar que se suicidará, quando a sua companhia
já não for necessária. Não há mais como esconder o seu amor por Simão.
● Análise do capítulo
1. Reflexão sobre a
verdade e a ficção
Nesta parte final da novela, o
sofrimento das personagens intensifica-se, e o narrador faz ouvir a sua voz com
grande nitidez e aproxima-se do leitor.
De acordo com o professor Carlos
Reis (Educação Literária – Leituras Orientadas, Amor de Perdição, Camilo
Castelo Branco, Porto. Porto Editora,2016, p. 108), a “presença do narrador
manifesta-se de três formas:
• Pelos comentários
que tratam de temas como a verdade e a sua presença na ficção narrativa.
• Pela organização do tempo, orientada para o momento em que, no
capítulo seguinte, Simão parte para o degredo.
• Pelas interpelações,
quando, usando a segunda pessoa, o narrador se dirige à personagem (Simão) e ao
leitor. Trata-se de um procedimento que cria uma certa intimidade com quem é interpelado e mostra um
conhecimento amplo da condição humana, das suas motivações e das suas reações.
Por exemplo: «Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere […]
te haviam matado o melhor da alma”; “De além, daquele convento onde outra
existência agonizava, gementes queixas te vinham espremer fel na chaga».”
O
narrador inicia o capítulo com uma reflexão sobre a presença da verdade e da
ficção num romance. Assim, de acordo com a sua dissertação:
• A verdade é difícil de enquadrar na ação:
ela é “o escolho de um romance”.
• Um romance que assenta na verdade “é frio, é
impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos”.
• A verdade que faz sofrer não deve ser
apresentada aos leitores do romance e da novela (os “painéis do público”).
• O narrador declara ter perdido o juízo a
estudar a verdade. Por isso, decide “pintá-la como ela é, feia e repugnante”.
• Assim, o narrador vai apresentar a verdade
como ela é: “a verdade do coração humano”, ou seja, a história narrada é de
sofrimento.
De
seguida, o narrador dirige-se ao leitor, concretamente ao “leitor inteligente”,
questionando-o se “a desgraça arvora ou aquebranta o amor”, isto é, se os
obstáculos ao amor o tornam mais intenso ou se, pelo contrário, acalmam o ânimo
de quem ama. Esta interrogação retórica (“A desgraça afervora ou quebranta o
amor?”) permite criar cumplicidade com o leitor, despertando-o para o que vai
acontecer em seguida. Além da interrogação, outros recursos expressivos
contribuem também para esta finalidade, como a exclamação (“A verdade do
coração humano!”) e a enumeração (“A Índia, a humilhação, a miséria, a
indigência.”).
No
entanto, o narrador não apresenta uma resposta para essa pergunta, antes afirma
que “Factos e não teses é o que eu trago para aqui”. Que factos são esses? Após
dezanove meses na prisão, Simão deseja ardentemente a liberdade: “[…] almejava
um raio de sol, uma lufada de ar não coada pelos ferros, o pavimento do céu…”.
Por isso, em vez de aceitar a comutação da pena – dez anos de cárcere em Vila
Real – prefere o degredo na Índia, porque “Ânsia de viver era a sua; não já era
ânsia de amar” e porque “O que é o coração, o coração dos dezoito anos, o
coração sem remorsos, o espírito anelante de glórias, ao cabo de dezoito meses
de estagnação da vida?”
De
seguida, interpela diretamente Simão, usando a segunda pessoa, e mostra a sua
cumplicidade, um conhecimento profundo dos seus sentimentos e motivações:
“Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere, com o patíbulo
ou o degredo na linha do teu porvir, te haviam matado o melhor da tua alma.”
Além disso, na sua omnisciência, emociona-se e compadece-se com o sofrimento do
fidalgo, tal como tinha sucedido na Introdução, e intensifica-o através de
vários recursos expressivos, como as exclamações, as interrogações retóricas e
o vocabulário associado à desgraça e ao sofrimento (“abismo”, “fel”,
“escuridão”, “chaga”, etc.).
2. As cartas trocadas
entre Simão e Teresa
O discurso epistolar reveste-se,
mais uma vez, de grande importância no contexto da novela.
Na primeira carta, Teresa, muito
doente e caminhando para a morte (“As ânsias, a lividez, o deperecimento tinham
voltado. O sangue, que criara novo, já lhe saía em golfadas com a tosse.”),
pede a Simão que aceite os dez anos de prisão, mas o fidalgo perdeu toda a
esperança.
De facto, na missiva de resposta,
Simão mostra que, tal como a amada, desistiu dos seus sonhos e perdeu a vontade
de viver, optando pelo degredo. Neste momento das suas vidas, face à clausura
que ambos vivem (ele na prisão, ela no convento), perderam toda a esperança de
poder vir a ter um projeto amoroso: “Não esperes nada, mártir […] A luta com a
desgraça é inútil, e eu não posso já lutar. Foi um atroz engano o nosso
encontro. Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao encontro da morte…”. O
fidalgo renuncia ao amor e opta pela liberdade, mesmo que no exílio: “Ânsia de
viver era a sua; não era já ânsia de amar”. Não foge, no entanto, ao seu
destino trágico de “mártir de amor”.
De seguida, como herói romântico que
é, Simão demonstra o seu repúdio pela sua família e pela pátria, que
representam uma sociedade estagnada, preconceituosa e corrompida pela honra e
pelo dinheiro: “Abomino a pátria, abomino a minha família; todo este solo está
aos meus olhos cobertos de forcas […] Em Portugal, nem a liberdade com a
opulência; nem já agora a realização das esperanças que me dava o teu amor,
Teresa!” Enquanto heróis românticos, o par amoroso opõe-se à sociedade, pelo
que o amor de ambos simboliza, de alguma forma, o desejo de mudança da
sociedade.
Simão, em suma, desistiu de tudo –
do amor e da própria vida: “Eu quero morrer, mas não aqui.” Graças à
intervenção do seu pai, é-lhe dada a possibilidade de cumprir os dez anos de
degredo a que fora condenado na prisão de Vila Real, todavia, mesmo após o
pedido de Teresa para que aceitasse essa comutação da pena, o filho de Domingos
Botelho recusa: “Não me peças que aceite dez anos de prisão.” O narrador já
clarificara antes esta postura de Simão: “Os dez anos de ferros, em que lhe
quiseram minorar a pena, eram-lhe mais horrorosos que o patíbulo.”
Simão espera, pois, a morte e, num
primeiro momento, aconselha Teresa a fazer o mesmo: “Caminhemos ao encontro da
morte.” Depois pede-lhe que faça a vontade de seu pai (“Salva-te, se podes,
Teresa. Renuncia ao prestígio dum grande desgraçado. Se teu pai te chama, vai.”)
ou que morra (“E, senão, morre…”), pois “a felicidade é a morte”.
Teresa responde-lhe com uma breve
carta, na qual se pronuncia no mesmo tom do seu amado: “Morrerei, Simão, morrerei.”;
“[…] e morro, porque não posso, nem poderei jamais resgatar-te.” De seguida,
pede-lhe que viva para a chorar (“Se podes, vive; não te peço que morras,
Simão; quero que vivas para me chorares.”) e declara estar tranquila (“Estou
tranquila…”) perante a aproximação da morte e a paz que esta lhe trará (“Vejo a
aurora da paz…”). E despede-se de forma que confirma a sua crença na realização
do amor num outro plano, o espiritual: “Adeus até ao Céu, Simão.”
Estas missivas trocadas entre ambos
confirmam que, para ambos, ao gosto romântico, perante a impossibilidade de
realização do seu amor, a única opção é a morte.
3. Final do capítulo
Depois de receber a última carta de
Teresa, Simão cai num estado de profunda melancolia e angústia, aniquilado, em
silêncio absoluto: “Seguiram-se a esta carta muitos dias de terrível
taciturnidade. Simão Botelho não respondia às perguntas de Mariana.”
O ritmo narrativo é extremamente
rápido, como o demonstra a elipse (“Decorreram seis meses ainda.”), até que chegamos
ao dia 10 de março de 1807, data em que Simão recebe a intimação para a
viagem rumo ao degredo na Índia, o que o deixa ora num estado de letargia, ora
de loucura. Esse estado de alma é traduzido através de um estilo e de uma
linguagem que procuram traduzir as emoções das personagens. Ao longo de todo o
capítulo, nomeadamente nas cartas, podemos encontrar lirismo nas palavras dos dois
apaixonados, mas, à medida que se caminha para o desenlace, nomeadamente nesta
última parte, o discurso das personagens é contaminado pela sensibilidade
romântica, daí um certo exagero, dramatismo e emotividade extremos: “– Que
trevas, meu Deus! – exclamava ele, e arrancava a mãos-cheias os cabelos . –
Dai-me lágrimas, Senhor! Deixai-me chorar ou matai-me, que este sofrimento é
insuportável!”