A análise do poema pode ser encontrada aqui: análise-de-que-noite-serena.
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022
Análise de "Poema em Linha Reta"
quinta-feira, 25 de novembro de 2021
segunda-feira, 7 de junho de 2021
Análise de "Todas as cartas de amor são ridículas"
Ao longo da composição, o «eu»
repete uma ideia, como se quisesse provar uma tese: as cartas de amor são
ridículas. De facto, de acordo com a estrofe inicial, as cartas de amor são,
por natureza, ridículas. Trata-se de um facto, um dado adquirido, algo que é do
conhecimento geral.
Na terceira, clarifica que, quando
há amor verdadeiro e autêntico, as cartas de amor «têm de ser» ridículas, isto
é, caracterizadas por um tom exageradamente sentimental. É típico das missivas
amorosas repetir clichés e transbordar emoções.
A quarta estrofe clarifica o sentido
do poema. Se, nas anteriores, ressaltava a ideia de que estávamos na presença
de uma crítica ao sentimentalismo romântico, nesta o «eu» explica que, na
verdade, ridículas são as pessoas que nunca escreveram cartas de amor, isto é,
que nunca expressaram os seus sentimentos de forma tão simples, sincera e sem
barreiras. Deste modo, a crítica será dirigida àqueles que julgam os outros
porque nunca se apaixonaram, pelo menos daquela forma.
Na quinta, o «eu» assume que sente
saudades do passado inocente e esperançoso em que escrevia cartas de amor.
Nesse tempo, o sujeito lírico não teria pudor ou consciência de que escrever
cartas de amor seria algo ridículo aos olhos de outras pessoas.
Na penúltima estrofe, encontramos um
«eu» maduro e mais cínico que parece sentir vergonha das cartas de amor que
escreveu no passado, na sua juventude. Reconhece que aquilo que é realmente
ridículo é o modo como recorda esse momento e esse facto. Com o tempo, a forma
como encara e vive o sentimento amoroso mudou e ele mesmo foi-se tornando mais
fechado e incapaz de se expressar de um mondo tão intenso e genuíno.
A última estrofe está toda entre parênteses,
um sinal de pontuação que exprime, por vezes, uma explicação, o que nos faz
considerar que esta parte do texto constitui, de facto, uma explicação da
estrofe anterior ou até de todo o poema. Ela sugere que todas as palavras e os
sentimentos presentes numa carta de amor são ridículos, o que pode significar que
não é a pessoa que está apaixonada que é ridícula, ou as cartas, mas sim as
palavras e os sentimentos em si.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
Análise do poema "Aniversário"
A terceira estrofe levanta a questão: o que foi o sujeito poético? E a resposta não se faz esperar: foi aquilo que ele mesmo supunha ser e foi amado (vv. 11 a 14). O verso 5 desta estrofe revela-nos um «eu» aflito e espantado: "O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui..." (v. 15). Ou seja, na infância era feliz, mas não sabia que o era; só agora, no presente, em que já não possui a inocência e a inconsciência desse tempo, sabe que foi (feliz). Neste passo, já não é o pretério imperfeito que domina, mas o pretérito perfeito, que revela uma época passada concluída.
Na quarta estrofe, «saltamos» para o presente, tempo em que a felicidade foi substituída pela dor ("e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas" - v. 21). Mais: presentemente, o «eu» sente-se abandonado, tal como sucedeu à casa da sua infância, que foi vendida e surge abandonada, cheia de humidade nas paredes, ideias transmitidas pela comparação do verso 19 e pelas metáforas que se lhe seguem. A metáfora do verso 24 traduz a frieza que caracteriza o sujeito poético na actualidade, o tempo que já passou e não regressa. Em síntese, o presente é um tempo de dor, de abandono, de ausência, de solidão, de perda, de não retorno.
Perante a constatação do seu presente amargo e doloroso, na 5.ª estrofe o sujeito exprime um desejo: o de regressar à infância ("Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez" - v. 27), de a recuperar, ou seja, de recuperar a alegria e a felicidade então experimentadas, de forma ansiosa e voraz ("Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!" - v. 30 - realce para a comparação e a metáfora). Porém, esse desejo é impossível de concretizar.
Esse desejo de regressar é tão forte que, na estrofe seguinte, a memória que o sujeito poético tem do passado acaba por se sobrepor ao presente (a expressão "Vejo tudo outra vez com uma nitidez..." - v. 31 - traduz, exactamente, essa presentificação do passado da infância). E ele (re)vê os objectos, as pessoas e as circunstâncias que o representam e à felicidade: a mesa posta, os objectos do aparador, a família, a sua centralidade nesse tempo ("e tudo era por minha causa" - v. 34).
No entanto, a partir do verso 36 o «eu» retoma o seu presente rogando ao coração (apóstrofe e metonímia de si próprio) que pare, que deixe de pensar. É o retorno da dor de pensar que tanto atormentara o ortónimo, a dor de ser inconsciente e incapaz de sentir ("Pára, meu coração! / Não penses! Deixa o pensar na cabeça." - vv. 36-37). Ou seja, ele toma consciência de que é impossível recuperar a infância, que se encontra irremediavelmente perdida, e de apenas lhe resta o presente de abandono, solidão e vazio. O pensamento põe, assim, fim ao desejo de regressar à infância, sonho que viveu por instantes mas logo foi interrompido pela sua racionalidade. Daí a tripla invocação à figura de Deus, plena de dramatismo e desespero, ao constatar essa impossibilidade de retorno: "Hoje já não faço anos." (v. 39).
Qual será, então, o seu futuro? O seu futuro será a velhice ("Serei velho quando o for." - v. 42). Até lá, restam-lhe o tédio e a abulia traduzidos pelas formas verbais "duro" e "somam-se-me", que destacam a forma como o «eu» desistiu de viver, limitando-se a a existir, vendo os dias passar. Por tudo isto, de facto, já não faz qualquer sentido festejar o seu aniversário. E a penúltima estrofe encerra com nova metáfora ("Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!..." - v. 44) que confirma que o desejo de recuperar o tempo da infância ou de a presentificar / trazer para o presente é impossível de concretizar. Por outro lado, como tantas vezes nos acontece na vida, o sujeito poético só toma consciência do valor do que perdeu quando já é tarde demais: "Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. / Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida." - vv. 9-10; "... o que só hoje seu que fui..." - v. 15. É, afinal, um sentimento de impotência, de raiva incontida que brota nesse instante em que toma consciência da perda definitiva.
A última estrofe do poema - um monóstico exclamativo - coloca-nos perante um sujeito poético marcado pela nostalgia, pela saudade e pela tristeza, em forma de lamento pela perda. Por outro lado, é possível identificar uma circularidade no poema, que abre e finaliza com versos muito semelhantes, que marca o desejo de reviver o passado.
domingo, 21 de fevereiro de 2021
Análise da "Ode Triunfal" (3.ª parte)
- irregularidade estrófica,
métrica e rítmica;
- uso excessivo de coordenação,
em detrimento da subordinação;
- catadupa de recursos
expressivos (onomatopeias ousadas, apóstrofes e enumerações exageradas…);
- predomínio de vocabulário
técnico, destituído de valor poético.
- uso de palavras completamente
prosaicas (comuns ou vulgares);
- o canto excessivo da
civilização industrial, encarada como matéria épica;
- a ousadia de mencionar os
aspetos negativos da sociedade.
• A “Ode” evidencia a presença do futurismo
de Marinetti: Campos canta as máquinas, os motores, a velocidade, a
civilização mecânica e industrial…
- Movimento italiano de início do
século XX (Marinetti);
- Rutura com a vida e a arte do “passado”
(a perspetiva aristotélica);
- Criação de uma nova estética
para um novo mundo;
- Celebração da modernidade
industrial e urbana;
- Culto da máquina e da
velocidade;
- Fruição do mundo moderno
(ligação ao Sensacionismo de Pessoa), feita através das sensações.4
. Tem um cariz agressivo e
escandaloso e propõe-se cortar com o passado, exprimindo em arte o dinamismo da
vida moderna.
. Desponta, em Portugal como um
escândalo, tal como desejado pelos seus iniciadores (Almada Negreiros e
Santa-Rita Pintor), apelidados de «malucos» e «loucos» pelos jornais.
. Os textos distinguem-se por uma
enorme quantidade de frases exclamativas, de invetivas e de insultos, com o
intuito de desmistificar, demolir, acabar com os hábitos culturais esclerosados
e retrógrados: criar a pátria portuguesa do século XX (segundo Almada).
- "escrocs exageradamente
bem vestidos": além da ironia, note-se a presença da antítese entre a
compostura exterior (o vestuário) dos escrocs e as suas intenções;
- "Chefes de família
vagamente felizes": neste caso, o advérbio «vagamente» projeta o cansaço (de
viver?) sobre a felicidade dos chefes de família;
- "Banalidade interessante
(...) / Das burguesinhas (...) / Que andam na rua com um fim qualquer":
notar novamente a presença da antítese, agora entre o aspeto exterior das
«burguesinhas» (diminutivo irónico) e as suas obscuras intenções;
- "A maravilhosa beleza das
corrupções políticas, / Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos":
a adjetivação antitética assume o valor de oximoro.
- "tudo o que passa e nunca
passa": traduz a concentração do passado no presente, ou a continuidade
dos acontecimentos diários;
- "O ruído cruel e delicioso
da civilização de hoje": traduz os sentimentos contraditórios do sujeito
poético em relação à civilização industrial.
- "Arde-me a cabeça de vos
querer cantar";
- "Grandes trópicos humanos
de ferro, fogo e força" (aliteração em «f»);
- "Desta flora estupenda,
negra, artificial e insaciável";
- "Nos cafés, oásis de
inutilidade ruidosas";
- "Quilhas de chapa de ferro
sorrindo".
Estes
recursos estilísticos, nos exemplos apresentados, evidenciam a forma como o
sujeito poético vibra com a modernidade, com a civilização industrial (com a
fúria do movimento das máquinas, com a excessiva quantidade de carvão...).
Análise da "Ode Triunfal" (2.ª parte)
- visuais:
. forma: “Ó rodas, ó engrenagens
(…)”;
. luminosidade: “À dolorosa luz
das grandes lâmpadas elétricas da fábrica” (v. 1);
- cinéticas: “Andam por estas
correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes” (v. 23);
- táteis: “Fazendo-me um excesso
de carícias ao corpo numa só carícia à alma.”;
- auditivas: “(…) r-r-r-r-r-r-r-
eterno.” (v. 5);
- gustativas: “Tenho os lábios
secos (…)” (v. 10);
- olfativas: “A todos os perfumes
de óleos e calores e carvão” (v. 31).
• Assim, ele denuncia:
. a desumanidade;
. a corrupção;
. a mentira;
. a imoralidade e a perversidade;
. a pobreza e a miséria;
. a falta de higiene;
. a hipocrisia;
. os falhanços da técnica
(desastres, naufrágios, desabamentos…);
. a prostituição de menores e a
pedofilia;
. a guerra;
- os “excessos” do ambiente em que
se encontra inserido (vv. 12-13);
- os movimentos “em fúria” e os “ruídos”
ouvidos “demasiadamente perto” das máquinas.
Análise da «Ode Triunfal» (1.ª parte)
•
Localização:
- espacial: interior de uma
fábrica, em plena e intensa atividade (o sujeito poético está rodeado de
máquinas, sob a luz forte das “grandes lâmpadas elétricas”;
- temporal: presente em que o
sujeito poético observa a fábrica; noite? (a luz das lâmpadas).
- estado febril, doentio, delirante
(“Tenho febre e escrevo”) – canta o progresso e a modernidade de forma
entusiástica;
- sente dor (“À dolorosa luz…”);
- em fúria (“rangendo os
dentes””.
- engenheiro;
- escritor (“Escrevo”):
. o ambiente inspira-o a escrever
(violentamente) um cântico novo sobre a beleza da civilização moderna;
. a realidade que o cerca
provoca-lhe sensações contraditórias:
- deleita-se a apreciar a beleza
do que o rodeia;
- mas essa beleza/realidade
causa-lhe dor.
- valoriza-se a “beleza” da
civilização moderna, diferente da beleza aristotélica clássica, que assentava
nas noções de Perfeição, Equilíbrio, Agradável, Harmonia, Proporção e Elegância,
porque a realidade moderna não as tem;
Álvaro de Campos, na “Ode Triunfal”,
põe em prática o que havia teorizado nos seus Apontamentos para uma
estética não aristotélica (revista “Athena”, números 3 e 4). De acordo
com a conceção de Aristóteles, a arte/a estética assentava nas ideias de
beleza, de perfeição, de equilíbrio, do agradável comandado pela
inteligência. Na esteira de Walt Whitman, o heterónimo de Pessoa apresenta
uma nova conceção, sustentada nos seguintes princípios:
▪ assenta nas
ideias de força, dinamismo, energia explosiva, volúpia da imaginação; ▪ o sentir
predomina em relação ao pensar, por isso o importante não é a beleza dos
maquinismos em si mesmos, mas as sensações que eles despertam e o modo como
se codificam, ao nível da expressão, essas sensações; ▪ não é a beleza
clássica saída da inteligência que cativa o sujeito poético, mas a força
caótica e explosiva produto de uma emotividade individual desordenada e
caótica, de um subconsciente em convulsão; ▪ daí que Campos
queira transformar-se na realidade excessiva que o cerca e cantar tudo “com
um excesso / De expressão de todas as (…) sensações com um excesso
contemporâneo” das máquinas (vv. 26 a 32). |
• O Sensacionismo é uma
estética criada por Fernando Pessoa e por Mário de Sá-Carneiro e encontramos a
sua marca na poesia de Álvaro de Campos e de Alberto Caeiro.
• Na poesia, privilegia a
representação das sensações (visuais, auditivas, etc.) de que o sujeito poético
teve consciência no seu contacto com o mundo que o rodeia.
• Perpassa a “Ode Triunfal” o
princípio de sentir tudo de todas as maneiras e ser tudo e todos
nesta realidade moderna, urbana e industrial.
• Na “Ode Triunfal”, o
Sensacionismo associa-se ao Futurismo na ideia de sentir em excesso (e
em delírio) o mundo moderno e de representar a forma como os sentidos aprendem
essa realidade.
- onomatopeias: “r-r-r-r-r-r-r
eterno!” (v. 5);
- ritmo rápido e excessivo: “Em
fúria fora e dentro de mim, / Por todos os meus nervos dissecados fora”
(vv. 7-8);
- repetições: “Canto, e canto
o presente” (v. 17);
- enumerações: “(…) e canto o
presente, e também o passado e o futuro” (v. 17);
- aliterações: “Rugindo,
rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando” (v. 24);
- frases exclamativas: “Ah,
poder exprimir-me todo como um motor se exprime!” (v. 26);
- interjeições: “Ah” (v.
26);
- adjetivação: “Desta flora
estupenda, negra, artificial e insaciável!” (v. 32).
- audição:
. “r-r-r-r-r-r-r eterno”
(v. 5);
. “ruídos modernos”;
- visão:
. “e olhando os motores”
(v. 15);
- paladar/gosto:
. “Por todas as papilas fora de
tudo com que eu sinto!” (v. 9);
. “Tenho os lábios secos” (v. 10);
- tato:
. “Fazendo-me um excesso de carícias
ao corpo numa só carícia à alma” (v. 25);
. “calores” (v. 31);
- olfato:
. “perfumes de óleos” (v.
31);
- finalidade/significado:
no seu estado febril, o sujeito poético procura captar as sensações provocadas
pelas máquinas através dos sentidos;
- simultaneidade e exacerbação
sensorial:
. a pluralidade sensorial – “Sentir
tudo de todas as maneiras” – é uma forma/um método de conhecimento da
dinâmica da vida moderna;
. a intensidade e o sincronismo
conferem maior captação de captação sensitiva, já que esta se caracteriza pela
sua fugacidade e fragmentação → o sujeito poético sente
intensamente.
- “E arde-me a cabeça de vos
querer cantar com um excesso / De expressão de todas as minhas sensações / Com
um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!” (vv. 12-14);
- “Ó coisas todas modernas, /
Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima / Do sistema imediato do
Universo / Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!” (vv. 45-48).