● Tema:
o amor.
●
Assunto: o amor é definido como um sentimento
contraditório, mas, ainda assim, procurado pelos corações humanos.
● Estrutura interna
• 1.ª parte (11 versos iniciais) – Onze tentativas
de definir o amor, assentes no paralelismo, na anáfora (“é”) e na
frase declarativa afirmativa.
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verso 1:
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Amor é um fogo que arde
↓
um sentimento intenso
(a intensidade da paixão)
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sem se ver
↓
mas invisível
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verso 2:
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é ferida que dói
↓
causa sofrimento / dor
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e não se sente
↓
mas insensível
(é impercetível aos sentidos)
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verso 3:
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é um contentamento
↓
alegria, satisfação, felicidade
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descontente
↓
e infelicidade
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verso 4:
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é dor que desatina
↓
dor intensa, que perturba ou faz perder a razão
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sem doer
↓
mas insensível, não se sente
[o desatino aplaca a dor, por conter em si o impulso
vital, ou por iludir a consciência]
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verso 5:
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É um não querer mais
↓
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e que bem querer
↓
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anulação dos desejos daquele que ama
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Se
o amor não se concretizar, a insatisfação mantém-se, perpetuando o
sentimento.
Em
contrapartida, a concretização do desejo pode levar à diminuição ou até à extinção
do sentimento amoroso.
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verso 6:
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é um andar solitário
↓
isolamento e solidão
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entre a gente
↓
no meio da gente
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Aquele
que ama anda de tal modo absorvido pelos seus pensamentos que, mesmo quando
se encontra no meio da gente, fica concentrado nas suas vivências interiores,
como se estivesse só.
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verso 7:
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é nunca contentar-se
↓
insatisfação constante
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de contente
↓
e satisfação / contentamento
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Aquele
que ama sente-se contente por amar, mas, por mais contente que se sinta,
mostra-se insatisfeito, pois aspira sempre a aumentar a sua satisfação / o
seu contentamento.
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verso 8:
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é um cuidar que ganha
↓
ilusão (vitória)
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em se perder
↓
e frustração (derrota)
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O
verso remete para as vantagens e desvantagens do amor. O proveito liga-se à
posse do objeto amado, enquanto que a perda traduz o falhanço dessa posse ou os
danos que daí resultam ao nível moral, psicológico e religioso.
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verso 9:
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É querer estar preso
↓
dependência/sujeição/privação de liberdade
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por vontade
↓
voluntária
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verso 10:
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é servir a quem vence
↓
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o vencedor
↓
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é serviço amoroso à pessoa amada
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O
vencedor serve, paradoxalmente, quem ele próprio venceu. Esta metáfora [do
amor como servidão] exprime a submissão absoluta ao objeto de amor. Reenvia
para a poesia occitânica e para o conceito de amor como serviço, que
encontramos, entre nós, nas cantigas de amor.
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verso 11:
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é ter com quem nos mata
↓
morrer de amor
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lealdade
↓
e ser / continuar leal/fiel
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Amar
alguém implica fidelidade absoluta, apesar de o amor não ser correspondido
pelo outro.
Este
tópico da morte de amor encontra-se também na cantiga de amor. Aquele
que ama sente lealdade pelo objeto do seu amor, apesar de este o fazer
sofrer.
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Conclusões:
1.ª) o amor é um sentimento indefinível (cf. uso do artigo indefinido);
2.ª) o amor é um sentimento contraditório
(cf. antíteses, oximoros/paradoxos, metáforas e bipartição
dos versos).
• 2.ª parte (2.º terceto) – Chave de ouro:
o amoré um sentimento contraditório, mas procurado pelos corações humanos.
▪ O sujeito poético interroga-se como
pode o ser humano aceitar de bom grado o amor, se sabe que experimentará as
contradições e tensões violentas desse sentimento.
▪ Apesar de produzir efeitos contrários,
o amor continua a ser perseguido, procurado, pelos seres humanos.
▪ Conjunção coordenativa
adversativa «mas»: marca a oposição entre o caráter contraditório do
amor e o facto de, mesmo assim, ser procurado pelos seres humanos.
▪ Interrogação retórica:
. traduz a perplexidade do «eu» face ao facto de o
Homem procurar e se entregar ao amor, apesar de este ser um sentimento
contraditório;
. apresenta a contradição como a verdadeira
característica do amor.