Português: 08/01/23

domingo, 8 de janeiro de 2023

O milagre sueco do combate à COVID-19

     De acordo com o artigo seguinte, o combate à COVID-19, na Suécia, pautou-se pelo seguinte:
  1. As autoridades, intencionalmente, não informaram a população acerca das condições de transmissão do vírus ou da proteção conferida pelo uso de máscara.
  2. O responsável pela gestão da situação decidiu sozinho e à margem da comunidade científica.
  3. Foi negado oxigénio aos doentes idosos, que, deste modo, morreram mais depressa.
    Foi publicado a 22 de Março de 2022, na revista Humanities and Social Sciences Communications (do grupo Nature) o artigo Evaluation of science advice during the COVID-19 pandemic in Sweden que inclui vários autores suecos, dos quais o primeiro autor é investigador do prestigiado Instituto Karolinska. O artigo procede a uma evolução cronológica da situação vivida na Suécia contendo afirmações que nos devem fazer pensar e questionar o suposto "milagre sueco". Apurou o artigo, entre outras coisas, que (i) a Suécia estava bem equipada e preparada para enfrentar a pandemia, com um elevado nível de literacia na população e de confiança nas autoridades (ii) a população sueca não recebeu informação elementar, nomeadamente, quanto à transmissão por via aérea do SARS-CoV-2, à possibilidade de os assintomáticos poderem ser fonte de contágio e ao facto de a máscara facial proteger o próprio e os outros; (iii) as recomendações do seu epidemiologista-chefe actuariam, supostamente, com base em mera responsabilidade individual, sem qualquer tipo de sanções em caso de ausência de cumprimento; (iv) ao longo de 2020 a Suécia teve taxas de mortalidade por COVID-19 dez vezes mais elevadas do que a vizinha Noruega; (v) muitos idosos receberam morfina em vez de oxigénio, o que acelerou a sua morte, e muitas crianças ainda sofrem de Long Covid, algumas perderam um ou os dois pais e várias faleceram.


Fonte: DN on-line

Origem da palavra «carro»


       Um espanhol, quando entra no Museu dos Coches, é bem capaz de coçar a cabeça: então onde estão os automóveis? Vejamos a história da palavra «coche» e da palavra «carro».

Para percebermos a origem da confusão do pobre turista, e antes de olharmos para a nossa palavra «carro», tentemos descortinar a origem de «coche» — as voltas que deu têm o seu quê de inesperado.

Tudo começou na localidade húngara de Kocs (lê-se algo como «cotche»), onde no século XV se começou a fabricar uma carruagem com uma suspensão mais agradável às costas dos passageiros. Este tipo de veículo foi chamado de «kocsi» (húngaro para «de Kocs») e o nome, com as habituais amolgadelas sempre que as palavras viajam, foi aproveitado por outras línguas, desde o italiano «cocchio» ao alemão «Kutsche», passando pelo inglês «coach».

A palavra inglesa acabou por ganhar também o sentido de treinador por um caminho arrevesado: «coach» era um termo usado entre estudantes ingleses de meados do século XIX para denominarem um professor que ajudava alguém, individualmente, a treinar para um exame. O professor era o veículo — «coach» — que levava o aluno até à meta. Esta metáfora acabou por ser usada em particular no desporto, onde a meta era a vitória, e deixou de ser vista como uma figura de estilo. Há muitas destas metáforas mortas nas nossas línguas e é também por isso que o mesmo vocábulo pode ganhar significados tão diferentes em diferentes lugares. As palavras andam a entornar-se pelos idiomas, mas vão sendo absorvidas à maneira de cada língua, como tinta que ganha novos tons conforme o tecido por onde alastra.

Antes das transformações desportivas, os ingleses tinham recebido a palavra do francês — que, como era costume, também a oferecera aos primos ibéricos, com a forma «coche». Assim ficámos todos com uma nova palavra para designar aquele tipo de carruagem, numa viagem que tinha começado na Hungria.

Quando, no século XIX, surgiram os automóveis, os nossos vizinhos aproveitaram o nome dos coches para designar esta novíssima carruagem que não sujava tanto as ruas das cidades (mal sabíamos nós…).

Já os falantes de português, perante um automóvel, não pensaram no coche engalanado. Virámo-nos para a velha palavra «carro», que remetia para um veículo puxado por animais num ambiente bem mais rural que o dos coches. Este sentido de «carro» ainda não se perdeu, mesmo entre quem vive na cidade: todos sabemos o que é pôr o carro à frente dos bois.

A palavra «carro» tinha vindo do latim que, por sua vez, a tinha ido buscar à velha língua celta dos gauleses — e estes tinham-na herdado do «*kers-» do proto-indo-europeu, que significava «correr». A mesmíssima palavra latina também foi exportada pelos franceses para o inglês e acabou por ser aproveitada da mesma maneira: o «car» inglês e o «carro» português têm a mesma origem. As histórias de palavras fazem-se de alguma lógica e muito acaso.

Portanto, ali por fins do século XIX, tanto portugueses como espanhóis tinham o mesmo problema: o que chamar ao novo veículo sem animais (tirando os que lá forem dentro)? Encontrámos soluções parecidas: pegámos numa palavra que já existia e reutilizámo-la com um novo sentido. A única diferença foi a palavra escolhida — e assim se explica que um espanhol amante de motores e afins se veja de repente num mundo de reis e cinderelas.

 
Enfim, há enganos bem piores.


Fonte: Certas Palavras, da autoria de Marco Neves.

Qual é o palavrão mais usado em Portugal?


Há uns meses, Gaston Dorren, autor de óptimos livros sobre línguas, perguntou-me qual é o palavrão mais usado em Portugal. Há muitos, claro, mas qual é aquele que todos dizemos quando damos com o pé na esquina da porta?

Fiquei a pensar um pouco. Não me parecia haver um palavrão que fosse mais usado que todos os outros… Dei a minha resposta, com muitas dúvidas.

Decidi perguntar a mais pessoas. Fiz um pequeno inquérito, que espalhei pelas famosas redes sociais.

Antes de revelar os resultados, gostaria que olhar para «palavrão» (a palavra). Parece ser um aumentativo, mas raramente é usada para designar uma palavra muito grande (embora também o possa ser —«otorrinolaringologista» é mesmo um palavrão) — designa, a maior parte das vezes, as palavras que estão sujeitas a um qualquer tabu (também chamadas «asneiras») ou, então, uma palavra tão rara que mal se percebe.

Também temos aquilo a que podemos chamar «palavrõezinhos», fazendo o diminutivo do aumentativo (a língua permite-nos fazer estas malandrices). Os palavrõezinhos são aquelas palavras que aparecem em substituição dos palavrões. Quando damos um pontapé na mesa, a nossa boca descai-se logo para o palavrão, para aliviar a dor (e alivia mesmo!). Quando chegamos à segunda sílaba, lá conseguimos tomar as rédeas à palavra e sai-nos algo como «fogo», «fosga-se», «caraças» ou «poças»… Estes palavrõezinhos são interessantes só por si, mas hoje não é dia de falar deles.

Qual será então o palavrão mais usado, pelo menos por quem se deu ao trabalho de responder ao meu inquérito?

Em terceiro lugar do pódio ficou «porra», com 12% das respostas. Se virmos bem, esta palavra já não é bem um palavrão (nem me atrevo a disfarçá-la com asterisco). A divisão entre palavras feias e palavrões é muito subjectiva, diga-se a bem da verdade.

Atrás de «porra», ficou «c*r*lh*», com 8%, que tem a particularidade de se dar muito melhor com os ares do Norte que do Sul. Então se passarmos a fronteira e entrarmos pela Galiza adentro, encontramos a palavra com uma frequência que assusta qualquer português meridional. Certamente, na Galiza, o «c*r*lh*» não ficaria em quarto lugar…

O segundo lugar, com 31%, foi para a palavra em que votei (se fossem eleições, o meu partido teria perdido): «m*rd*». É um palavrão a caminho de se tornar um palavrãozinho, mas ainda tem a sua força. Como esta é uma página familiar, até a m*rd* fica com asteriscos — o que também serve para mostrar como podíamos usar um sistema de escrita sem vogais. Aliás, se ainda usássemos a escrita fenícia, de onde surgiu o nosso alfabeto, escreveríamos algo como «mrd» em lugar do palavrão…

Por fim, o vencedor, com 43% das respostas, foi a expressão «f*d*-s*», que, mesmo assim, teria de negociar uma coligação para atingir a maioria absoluta.

(Houve ainda 7% de respostas variadas.)

Quando dei a Gaston Dorren os resultados, ele disse-me que nós andamos a navegar entre o palavrão mais comum do alemão, «Scheiße», e o mais comum do inglês, «fuck» (como são palavrões estrangeiros, não têm direito a asterisco). Talvez sejamos um país indeciso nos palavrões; ou talvez um inquérito que explicitasse a região do falante permitisse encontrar uma fronteira entre a zona do «f*d*-s*» e a zona da «m*rd*».

A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 — um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à «m*rd*»…


Fonte: Certas Palavras, de Marco Neves.

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