Português: 26/12/21

domingo, 26 de dezembro de 2021

O meteoro natalício

André Lado, Canadá

 

Caracterização / Retrato de Ulisses

    Ulisses é o protagonista da sua própria epopeia – a Odisseia, que retrata o seu regresso a Ítaca, após o final da guerra de Troia.
    É pela boca de Helena que ficamos a conhecer alguns dados da vida desta personagem. Assim, Ulisses será filho de Laertes, um rei muito respeitado, e vem de Ítaca, onde deixou a família. Fisicamente, trata-se de um homem forte, de ombros largos, aspeto imponente e voz a que nenhum mortal poderia resistir. Ora, este último traço indicia o papel fundamental desta figura na Ilíada. Com efeito, o Ulisses que Homero nos apresenta não é tanto o guerreiro, como Aquiles, mas o homem sábio, diplomata e conciliador que procura resolver os problemas. É essa sua sabedoria, aliada à coragem e à voz forte que é escutada, que faz dele um líder estimado e respeitado. O rei de Ítaca é, pois, uma personagem racional, estável e madura, com tato, um estratega hábil (ou não fosse ele a sugerir o estratagema do cavalo de pau), tudo qualidades que um rei e um verdadeiro líder deverão possuir e que faltam, por exemplo, a Agamémnon.
    Recuemos até ao primeiro canto. Agamémnon e Aquiles enfrentaram-se, o que motivou o segundo a abandonar a guerra, ato que teve como consequência a morte de inúmeros soldados aqueus. Quando o primeiro compreende que, sem o filho de Tétis, a guerra está perdida, recua e procura reconciliar-se com ele, porém este recusa. Encurralado, Agamémnon envia Ulisses como embaixador até junto de Aquiles, no entanto o líder dos Mirmidões recusa novamente a proposta e as riquezas oferecidas pelo rei dos Aqueus. Ora, Ulisses não insiste nem discute com Aquiles, pois sabe que tal é inútil e poderá acarretar efeitos ainda mais perniciosos, antes regressa ao acampamento e explica a Agamémnon o motivo da raiva do filho de Tétis. Deste modo, o que se destaca neste passo da obra é a forma como Ulisses, inteligentemente, apresenta os seus argumentos a Aquiles e, depois, escuta, em silêncio, a nega furiosa daquele, sem retorquir, pois tal poderia unicamente agravar a situação. O marido de Penélope compreende, sabiamente, que é inútil discutir com alguém tão orgulhoso e dominado pela cólera. Outro momento que evidencia as qualidades da personagem tem lugar quando Aquiles se apresta, furioso, para atacar o exército troiano, quando toma conhecimento da morte de Pátroclo. Calmamente, Ulisses intervém e aconselha-o a deixar que os soldados se alimentem primeiro, argumentando que, se forem combater sem estarem devidamente alimentados e dessedentados, a sua força e capacidade de lutar e vencer os inimigos será menor. Aquiles, porém, não escuta e insiste em combater de imediato, mas o rei de Ítaca contrapõe que batalhar sem descanso e uma alimentação adequada diminuirá o moral das tropas e gerará um inevitável descontentamento. Note-se que, neste passo, a atitude de Ulisses difere muito da referente ao episódio mencionado anteriormente, visto que, agora, Ulisses enfrenta Aquiles e se recusa a ceder o que quer que seja que esteja relacionado com o bem-estar, a saúde e a segurança dos soldados. Ora, é evidente que esta postura lhe granjeia um enorme respeito e consideração junto das tropas, que o veem como um líder forte e confiável, que as defende e protege.
    Por outro lado, pelo exposto fica claro o contraste que existe entre Ulisses e Agamémnon e mesmo Aquiles, concretamente pela sua capacidade de aconselhamento e de diplomacia, bem como pela calma, racionalidade e poder de análise dos problemas, características que constituem a antítese da precipitação, da emotividade, da tendência para a fúria e da incapacidade para estabelecer pontes e sarar diferenças e conflitos com tato e diplomacia.
    Em suma, recuperando as palavras de Maria Helena da Rocha Pereira (Estudos de História da Cultura Clássica, p. 75), “Ulisses é ao mesmo tempo o guerreiro valente e o homem prudente e avisado, escolhido para as missões delicadas, como a de restituir Criseida ao pai e a de chefiar a embaixada a Aquiles; é quem, no Canto II, impede os Aqueus de se precipitarem numa fuga desordenada, e a sua sensatez é por vezes comparada à de Zeus.”
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