Português: 13/06/19

quinta-feira, 13 de junho de 2019

O regresso do «eduquês»

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

O regresso do «eduquês»

  • Luís Filipe Torgal
440
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O ardiloso engenho curricular "Autonomia e Flexibilidade Escolar" tornou a escola num processo kafkiano e numa Torre de Babel onde ninguém se entende, com instrumentos opacos, absurdos e inexequíveis.
O Governo e os seus leais funcionários do Ministério da Educação, pressionados pelas organizações internacionais e por uma nebulosa ideologia igualitarista escorada em pretextos economicistas, decidiram declarar guerra ao insucesso escolar. Para isso, criaram um novo «eduquês» que apelidaram de autonomia e flexibilidade escolar dos ensinos básico e secundário — designação desvendada num pacote prolixo de diplomas mais ou menos herméticos plagiados de documentos curriculares provenientes de meia dúzia de países mais ilustrados e prósperos do que Portugal e inspirados nas filosofias da Escola Moderna.
A Escola Moderna não é invenção nova, pois remonta ao início do século XX. Foi uma notável filosofia educativa teorizada por diversos pedagogos e bafejada por ideologias anarquistas e socialistas. Ajudou a combater o ensino elitista, magistral, teórico, confessional, misógino, empedernido e repressivo de outros tempos. Abraçou extraordinários desígnios humanistas já incorporados nos sistemas educativos contemporâneos. Mas também conceções controversas, românticas e lunáticas. Por exemplo, José Pacheco, missionário nacional da Escola Moderna e criador da Escola da Ponte, a qual, entretanto, deixou para pregar a sua boa nova no Brasil, defende, nutrido de certezas, uma escola sem divisão de ciclos de ensino, sem turmas, nem aulas, sem horários, nem testes, sem exames, nem reprovações, onde os alunos brincam a aprender e são felizes. Os políticos que nos governam ainda não arriscaram promulgar este modo final da história da educação.
O resto do artigo pode ser lido aqui [artigo].

"Não sei se é sonho, se realidade"

            A composição poética, composta por quatro sextilhas de rima cruzada nos primeiros quatro versos e emparelhada nos dois últimos (ABABCC) e versos eneassílabos, aborda a temática da dicotomia entre o sonho e a realidade. Esta temática é consentânea com o conceito de arte que caracteriza o Modernismo, enquanto experimentação para recriar a vida, criando uma realidade nova.

 
            O assunto consiste na constatação, por parte do sujeito poético, de que a felicidade está presente no interior de cada um e não na nostalgia de um passado que se desvanece.

 
            O poema pode dividir-se em três partes.

            A primeira corresponde às duas primeiras estrofes, nas quais o sujeito poético, cheio de esperança, sugere a possibilidade (advérbio “talvez”) de alcançar a felicidade através do sonho, como se pode comprovar através das expressões que o caracterizam: “terra de suavidade” (v. 3), “ilha extrema do sul” (v. 4), “palmares” (v. 7). De facto, o sujeito poético imagina (sonha) uma ilha distante, serena e agradável (“suavidade”), repleta de árvores (como palmeiras), onde a felicidade, a juventude e o amor são possíveis. A antítese do verso 1 (“Não sei se é sonho, se realidade”) sugere a incapacidade de distinguir o sonho da realidade e exprime a oposição entre os dois elementos, entre o mundo imaginado e o mundo real. O «eu» procura a felicidade, recorrendo ao sonho como fuga à realidade.

            Este lugar é um misto de sonho e vida (v. 2), um espaço longínquo, exótico e indefinido, separado do mundo real, que acarreta sossego e calma, serenidade, juventude e alegria/sorriso, e representa a felicidade absoluta, tudo nele se opondo à realidade e ao quotidiano. De facto, aparentemente, esse espaço constitui a materialização do paraíso perdido que proporciona a felicidade e o amor, como se pode constatar pelas metáforas/imagens exóticas de “palmares” e “áleas longínquas”.

            Esta ideia é reforçada nos dois versos finais da primeira estrofe, os quais enfatizam a ideia de que é possível que exista uma ilha, situada entre o sonho e a realidade, na qual reina a felicidade. O adjetivo “jovem” e a forma verbal “sorri” associam-se à musicalidade sugerida pela repetição do advérbio locativo “ali”, reforçando as características paradisíacas e de exceção daquele espaço. A personificação do verso 6 (“A vida é jovem e o amor sorri.”) enfatiza o caráter idílico da ilha do sul, onde há juventude eterna e o amor acontece, contrariando a solidão, ilha essa esquecida entre o sonho e a realidade, na qual reina a felicidade. Em suma, a ilha simboliza o sonho, a felicidade, o paraíso desejado: terra de suavidade, com palmares, áleas, sombra e sossego, onde a “vida é jovem e o amor sorri”.

            No entanto, a segunda estrofe parece introduzir uma certa incerteza: será possível efetivamente concretizar o sonho, viver aquela forma de felicidade (atente-se na repetição do advérbio de dúvida “talvez”, que sugere essa mesma incerteza). Além de incerto, o ideal procurado afirma-se já como ilusório, ideia sugerida pelas metáforas “palmares inexistentes” (v. 7) e “Áleas longínquas sem poder ser” (v. 8) e confirmado pela interrogação do verso 11: “Felizes, nós?”. Estas duas metáforas e a do verso 4 (“ilha extrema do sul”), por um lado, simbolizam o sonho em busca da felicidade desejada, mas inacessível e, por outro, recriam o espaço de utopia, “a terra de suavidade”, produto da idealização.

            Nas duas primeiras estrofes, nota-se a alternância entre o uso da 1.ª pessoa do singular (“Não sei”), traduzindo a reflexão pessoal do sujeito poético, e do plural (“ansiamos”), que generaliza a reflexão a todos aqueles que sonham, incluindo o próprio sujeito poético.

            A terceira estrofe constitui o segundo momento do texto, que traduz o desalento provocado pela consciência da impossibilidade de alcançar a felicidade no sonho. A conjunção coordenativa adversativa “mas” que a inicia, que tem um valor de oposição ou contraste, contraria a noção de felicidade absoluta sugerida inicialmente, desfazendo a dúvida entretanto introduzida, o que deixa o sujeito poético desiludido, desanimado e desalentado ao constatar que é impossível vivenciar a felicidade no sonho, por causa do caráter efémero do bem (“não dura o bem” – v. 18), como consequência do pensamento. Assim, a incerteza que se foi instalando na segunda estrofe dá lugar à certeza da imperfeição que caracteriza aquele lugar idealizado pelo “eu” e a sua desilusão fica bem evidente com o recurso à interjeição do verso 17: “Ah”. De facto, “Sob os palmares” (v. 15) “Sente-se o frio” (v. 16).

            Por outro lado, o primeiro verso da terceira estrofe confirma que o sonho não é realizável, pois, assim que fosse concretizado, deixava de o ser, logo a concretização é falsa: “Mas já sonhada se desvirtua” – v. 13). Desiludido, o sujeito poético reconhece que o local também é marcado pelo “frio” e pelo mal, que não é um lugar perfeito. Atente-se na antítese “O mal não cessa, não dura o bem” (v. 18). O facto de pensar na ilha destrói o seu caráter idílico, pois o “mal” é permanente, não cessa, e o “bem” é efémero.

            A terceira parte compreende à quarta estrofe e nela encontramos as conclusões do sujeito poético, que veiculam uma ideia oposta à inicial: afinal, não é no sonho que podemos encontrar a felicidade, mas no interior, no íntimo de cada um de nós (“É em nós que é tudo” – v. 23). Deste modo, a felicidade deixa de fazer sentido num lugar exterior ao indivíduo ou na ilusão do sonho (enquanto fuga à realidade) para poder ser materializada no interior do ser humano. Só a nossa ação nos permitirá ser felizes.

            As metáforas dos versos 19 e 20 (“Não é com ilhas do fim do mundo, / Nem com palmares de sonho ou não”), associando a ilha ao sonho, dado que os locais exóticos são considerados espaços de evasão, de fuga à realidade, sugerem precisamente que não é no sonho que encontramos a felicidade: “Que cura a alma seu mal profundo, / Que o bem nos entra no coração” (vv. 21-22). A antítese presente nestes dois últimos versos realça a inoperância do sonho e a imposição do real sobre o imaginário.

            Onde reside então a felicidade? A felicidade está no íntimo de cada ser humano, está dentro de nós mesmos, não em sonhos distantes: “É em nós que é tudo.” (v. 23). Note-se que esta ideia remete para a procura de si mesmo. “É ali, ali, / Que a vida é jovem e o amor sorri.” (vv. 23-24): o sujeito poético começou por colocar a hipótese de encontrar o sonho e a felicidade na “ilha”; depois anulou essa possibilidade, considerando que, uma vez atingido, o sonho deixa de o ser (verso 13); por último, na derradeira estrofe, conclui que aquilo que procuramos se encontra em nós, no interior de cada pessoa, e no nosso mundo e não no sonho. Note-se a presença insistente do advérbio com valor locativo «ali» que, no verso 3, se refere à “terra de suavidade”, no 4, à “ilha extrema do sul”, e, na última estrofe, ao “nós”. Ou será que o poema apresenta uma estrutura circular e, no final, regressa ao ponto de partida e ao sonho?

            Para atingir o absoluto, a plenitude, o ser humano necessita de ultrapassar as suas próprias limitações, as quais geram o mal-estar, “assumindo a tensão produzida pelas contingências da vida. A dicotomia sonho-realidade é representada por dois mundos cujas fronteiras às vezes se tocam e o ser humano, na sua busca contínua pela felicidade absoluta, tem tendência a divagar entre os dois, oscilando entre as vivências vividas e as vivências sonhadas.”

 
(Resumos Clássicos, Conceição Coelho e Maria de Fátima Santos)
 
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