Português: 30/07/21

sexta-feira, 30 de julho de 2021

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Análise do Canto VIII da Ilíada

             O desfecho da guerra vai alternando, no entanto, no final do presente canto, tudo parece apontar para a derrota dos Gregos. Heitor esteve prestes a apoderar-se das suas fortificações, e os seus subordinados parecem mais determinados do que nunca. O desespero mútuo por causa da guerra que esteve na origem de um cessar-fogo anterior deixou de se fazer notar. Se antes os Troianos ansiavam pelo fim do conflito, agora querem vencê-lo a todo o custo, e o facto de acamparem, nessa noite, fora das muralhas de Troia demonstra o quão desejam combater os inimigos.

            No que diz respeito aos deuses, há que salientar o facto de Zeus, até este ponto da estória, se ter mantido em grande parte fora da guerra, limitando a sua intervenção a supervisionar as ações e diferendos dos outros deuses e a enviar sinais/sonhos ocasionais. No entanto, neste momento, assume o controle direto dos acontecimentos, mudando a sua dinâmica de forma considerável: proíbe os outros deuses de intervirem e mergulha de cabeça na luta. Antes, as intervenções das demais divindades em favor do lado que apoiavam acabava por manter a luta equilibrada, não dando a nenhum dos exércitos grande vantagem sobre o outro; todavia, a entrada em cena de Zeus a favor dos Troianos faz pender a balança claramente para o seu lado. Esta reviravolta súbita no desenrolar da trama constitui uma mudança significativa no que diz respeito à dinâmica humana no poema. Com efeito, tudo se desenvolve no sentido de preparar o regresso de Aquiles ao combate. A própria declaração de Zeus a Hera, segundo a qual apenas o retorno do líder dos Mirmidões poderá salvar os Gregos do desaire, é sinónimo disso e dá sinal de que o foco narrativo se vai concentrar, a breve trecho, na sua figura e ação. Até agora, presenciámos as consequências nefastas (para os Gregos) da cólera de Aquiles; o Canto VIII prepara o cenário para uma explosão dessa sua fúria no campo da batalha.

            Neste passo da obra, existem diversos aspetos simbólicos que convém destacar. Os navios gregos simbolizam o lar e a possibilidade de fuga e de regresso ao seu conforto. Assim sendo, a intenção de Heitor de os queimar constitui uma ameaça direta à sua sobrevivência individual e enquanto povo. Sem nenhum outro meio de fuga, eles seriam feitos prisioneiros e massacrados. Esta possibilidade é tanto mais significativa se tivermos em conta que a esmagadora maioria dos homens gregos se encontram ali, tendo muito poucos ficado em casa. Além disso, aqueles são os melhores dos Gregos. Deste modo, a sua eventual derrota implicaria que os homens e os governantes mais destacados, fortes e nobres ali morreriam ou ficariam encalhados, deixando as suas cidades e reinos à mercê de quem os quisesse conquistar.

            Por outro lado, a nova postura de Zeus faz com que a balança penda fortemente a favor dos Troianos, o que torna imprescindível o regresso de Aquiles ao campo de batalha. O palco foi devidamente preparado, para que o protagonista da peça assuma finalmente o seu papel e ocupe o seu lugar central.

Resumo do Canto VIII da Ilíada

             No Olimpo, Zeus proíbe os outros deuses de interferir na guerra e, de seguida, viaja para o Monte Ida, perto de Troia. Aí, pesa o destino dos dois lados em confronto e os Gregos saem a perder. Então faz recair uma chuva de relâmpagos sobre o exército aqueu e vira a maré da batalha a favor dos Troianos, o que causa o recuo dos inimigos. Heitor e os seus comandados avançam, procurando derrubar a nova muralha dos Aqueus e queimar os seus navios. Entrementes, o marido de Andrómaca dirige.se a Nestor, que se encontra no meio do campo de batalha e é salvo por Diomedes, que o puxa para a sua carruagem bem a tempo, sendo perseguidos por Heitor. Hera, adivinhando a derrota iminente dos Gregos, inspira Agamémnon a despertar as suas tropas. O comandante aqueu reúne os seus soldados, desperta o seu orgulho, apela à sua coragem e bravura e ora a Zeus para permitir que os seus homens sobrevivam. O deus acolhe a oração e envia um sinal: uma águia transportando um cervo nas suas garras. Este sinal inspira os Gregos a lutar e eles eliminam alguns inimigos, nomeadamente o arqueiro Teucro, um dos melhores entre os aqueus, até ser ferido por Heitor e a maré da batalha mudar de novo. O comandante troiano rechaça os Gregos para trás das suas fortificações, até aos seus navios. Desesperadas, Hera e Atenas, contrariando as ordens de Zeus, preparam-se para interferir na luta, mas aquele envia-lhes a deusa Íris para os advertir acerca das consequências que tal interferência acarretará. Tendo consciência de que jamais poderão competir com Zeus, as duas deusas recuam e são informadas de que, na manhã seguinte, terão a última oportunidade de salvar o exército aqueu. E acrescenta que apenas o regresso de Aquiles poderá impedir a sua derrota,

            Nessa noite, os Troianos estão tão confiantes na sua superioridade e na vitória iminente que acampam na planície, portanto fora das muralhas que protegem Troia, e Heitor ordena aos seus homens que acendam múltiplas fogueiras para que os Gregos não possam fugir sem serem vistos. A noite salva as tropas de Agamémnon da derrota, mas Heitor tem em mente dar-lhes o golpe de misericórdia no dia seguinte.

Análise do Canto VII da Ilíada

             Homero, durante a narração, estabelece vários paralelismos. No caso deste canto, os desejos e as ações dos Gregos e dos Troianos são apresentados de forma paralela. Por exemplo, Heitor ataca Ájax com uma determinada arma e este contra-ataca usando o mesmo utensílio de guerra, geralmente causando mais dano no adversário; durante a trégua, o poeta descreve a dor dos Troianos enquanto queimam os seus mortos para, de seguida, fazer o mesmo com a dos Aqueus. A existência de uma causa comum, de uma dor comum, etc., e o seu reconhecimento vinculam os inimigos aos mesmos princípios de honra.

            Um desses princípios comuns prende-se com o respeito pelo outro e a dignidade individual. Exemplo disso é o duelo entre Heitor e Ájax, que termina com a troca de armas e com um pacto de amizade. O equilíbrio entre valores opostos, como a amizade e a inimizade, são uma das evidências de um indivíduo digno.

            Outro desses princípios tem a ver com a importância dada ao sepultamento dos mortos. Tal como o fantasma de Pátroclo afirma no Canto XXIII, o espírito de uma pessoa não entraria no mundo dos mortos até que fosse devidamente sepultado. Deixar uma alma por enterrar ou, pior, deixá-la como carniça para os animais selvagens, era um desrespeito para com o morto e pelas tradições religiosas da época. É tudo isto que preside ao estabelecimento da trégua na guerra. Note-se que, no caso da Ilíada, os corpos eram queimados numa pira, embora também houvesse casos na época de enterramento. Os ossos sobrantes na pira eram guardados numa jarra ou caixa decorativa, ou, em alternativa, enterrados junto ao local onde o corpo fora incinerado.

            Por último, uma chamada de atenção para a atuação dos deuses, que volta a revelar a sua mesquinhez e superficialidade. A preocupação, no final do canto, de Poseidon ao ver os Gregos erigir as suas muralhas tem a ver unicamente com o facto de tal obra poder ofuscar a muralha que ele construiu em redor de Troia. Por outro lado, a cena chama a atenção para o respeito que é devido sempre aos deuses, pois eles podem destruir as obras humanas com grande facilidade e por mero capricho.

Resumo do Canto VII da Ilíada

             O retorno de Heitor e Páris ao combate revigora as tropas troianas, mas Apolo e Atenas decidem finalizar a refrega naquele dia. Para tal, determinam a realização de um duelo. Assim, a deusa envia uma mensagem telepática a Heleno: Heitor deverá desafiar o guerreiro grego mais forte para lutar. É isso que o herói troiano faz: aproxima-se da linha inimiga e desafia-a a indicar alguém para combater consigo. Menelau é o único que tem coragem e dá um passo em frente, mas Agamémnon, consciente de que o irmão não é páreo para Heitor, dissuade-o do intento. Nestor, que é demasiado velho para responder ao desafio, exorta os seus companheiros a responder a Heitor. Nove guerreiros aqueus respondem ao chamamento e, dentre eles, Ájax é selecionado por sorteio.

            Heitor intimida-se com a envergadura do gigante, mas não cede. Ataca-o ousadamente, mas cada golpe é bloqueado pelo enorme escudo do adversário. Ájax fere ligeiramente o troiano e derruba-o com uma pedra. Como a noite está a chegar, arautos estimulados por Zeus cancelam a luta. Os dois heróis concordam em encerrar o duelo e trocam presentes em sinal de amizade.

            Nenhum dos lados está ansioso por regressar ao combate no dia seguinte. No acampamento grego, Nestor insta os seus companheiros a solicitar uma trégua de vinte e quatro horas para enterrar os mortos. Por outro lado, aconselha-os a construir fortificações à volta do acampamento para proteção. No lado adversário, Príamo faz uma proposta semelhante no que diz respeito à questão dos tombados em combate. Além disso, Antenor, o seu conselheiro, pede a Páris que devolva Helena e, desta forma, ponha fim à guerra, mas o príncipe troiano recusa, propondo como alternativa devolver todo o tesouro que trouxe consigo de Esparta. Quando os Gregos são confrontados com esta proposta no dia seguinte, compreendem o desespero dos Troianos e sentem a sua fraqueza, recusam o acordo, mas concordam em observar um dia de cessar-fogo para sepultar os respetivos mortos. Os Aqueus aproveitam também a pausa para construir uma trincheira em torno dos seus navios, tarefa que é observada por Zeus e Poseidon, que planeia destruir assim que os homens partirem.

Análise do Canto VI da Ilíada

             Este canto é marcado por duas cenas ilustrativas da brutalidade e da humanidade características da guerra. A brutalidade é exemplificada pela cena do prisioneiro troiano: Menelau está inclinado a mostrar misericórdia por ele, porém Agamémnon diz-lhe que nenhum inimigo deverá ser poupado, nem mesmo uma criança ainda na barriga da mãe. Já o encontro de Diomedes e Glauco exemplificam o outro lado da guerra, onde impera a amizade, considerada então sagrada, nomeadamente para com os hóspedes, e que passava de geração em geração. Em sentido contrário, a ação de Páris ao fugir com Helena desrespeita o princípio que deve caracterizar a relação entre um hóspede e o seu anfitrião. A cena de Diomedes e Glauco representa a vitória da amizade sobre a honra e a glória conquistadas na guerra, o que constitui um sinal de esperança para a humanidade.

            Esta cena contém também um simbolismo profundo no contexto da Ilíada. De facto, Glauco compara a vida dos seres humanos a gerações de folhas que morrem e renascem na primavera. Esta comparação simboliza o ciclo da vida: Glauco e Diomedes são as folhas velhas que morrerão, que serão levadas pelo vento e esquecidas.

            A ação de Heitor remete para a importância de viver uma vida nobre e honrada e caracterizada pela conquista da glória individual, não obstante o preço que seja necessário pagar. Andrómaca receia que o marido morra na batalha e pede-lhe que não volte. Apesar de ele estar consciente das terríveis consequências que a sua eventual derrota acarretará para a sua família, a sua pátria e especialmente a esposa, e de que a vida humana é muito frágil, pois é controlada pelos deuses, e não se pode prever como ou quando desembocará na morte, o seu sentido de honra e o desejo de glória não lhe permitirão seguir outro caminho. Uma vida sem honra não é digna de ser vivida.

            Este episódio tem outra função: humanizar a figura de Heitor. Tal é conseguido em vários momentos: as palavras que dirige a Andrómaca; a interação carinhosa com o filho; a cena em que a mãe amamenta o filho, que evidencia o modo como a guerra separa as famílias e priva os inocentes dos seus pais; o episódio em que Heitor assusta o filho com a crista do capacete ao retirá-lo, que mostra como o grande guerreiro troiano, que acaba de afirmar a sua aspiração à glória imortal e a sua vontade férrea de lutar contra o inimigo, também possui um lado carinhoso e ternurento. Além disso, a cena alivia a tensão dramática, pois afasta o olhar do leitor do horror da guerra, mas, em simultâneo, enfatiza a tragicidade da mesma: a inocência de uma criança de tenra idade versus o horror do combate.

            Os últimos cantos têm em comum o confronto entre deuses e humanos. Se estes se envolvem na sua guerra terrível, os primeiros perdem-se nos seus próprios conflitos, muitas vezes, arcados pela futilidade e mesquinhez. Curioso, porém, é o facto de as disputas entre as divindades olímpicas acarretarem mais violência entre os homens. Por outro lado, as lealdades e as motivações dos deuses mostram-se mais superficiais do que as dos humanos. Por exemplo, não cumprem os pactos que estabelecem com grande facilidade, como acontece com Ares, o deus da guerra, que se tinha comprometido a auxiliar os Gregos, mas acaba por se passar para o lado troiano. Quando a guerra não lhes corre de feição, reclamam do árbitro, ou seja, de Zeus. Em suma, a imagem que ressalta dos conflitos no Olimpo é a de uma família disfuncional.

Resumo do Canto VI da Ilíada

             Com os deuses afastados da batalha, os Gregos fazem os Troianos recuar em direção a Troia, e Menelau faz refém um cocheiro troiano, chamado Adestro, que lhe roga que o liberte. O ex-esposo de Helena está inclinado a atender ao pedido em troca de um resgate, mas Agamémnon convence-o a matar o prisioneiro, o que os irmãos fazem em conjunto.

            Heleno, um adivinho, exorta Heitor a regressar a Troia e a pedir a sua mãe, Hécuba, e às demais mulheres nobres que orem no templo de Atenas e façam oferendas à deusa. De seguida, vai ao encontro de Páris, que se retirou da batalha, alegando que estava demasiado triste para lutar. Heitor e Helena não escondem o seu desprezo pelo irmão e companheiro, o que faz com que Páris regresse ao combate. Depois Heitor visita a sua esposa, Andrómaca, que está ocupada com o filho de ambos, Astianax, e observa, ansiosa, o combate que decorre em baixo, na planície. Ela implora ao marido que se retire da luta, mas ele recusa a ideia, pois a sua honra não o permite e, se o fizesse, morreria de vergonha, além de que não pode fugir ao seu destino, seja ele qual for. Então beija o filho, que se assusta inicialmente com a crista do capacete, mas acaba por corresponder ao afeto do pai numa cena familiar comovente. Quando Heitor regressa à batalha, Andrómaca sofre, convencida de que o esposo morrerá em breve. No caminho, encontra o irmão e os dois voltam à refrega.

            Neste canto, há um outro momento digno de destaque. Diomedes e Glauco, um troiano, enfrentam-se no campo de batalha. O grego questiona-se quem será o inimigo, pois não se tinha apercebido da sua presença. Glauco informa-o, então, sobre a sua linhagem, e acabam por descobrir que os seus antepassados trocaram presentes de amizade entre si. Os dois declaram também amizade um pelo outro e trocam as armaduras.

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