Neste caso concreto, estamos a falar
de um período literário e artístico que se iniciou nos finais do século XVIII,
em oposição ao Classicismo, e constitui uma viragem na conceção de arte de da
própria vida.
O vocábulo "romântico",
tal como "barroco" ou "clássico", apresenta uma história
complexa. Do advérbio latino romanice,
que significava «à maneira dos romanos», derivou em francês o vocábulo romanz, que evoluiu para a forma rommant depois do século XII e roman a partir do século XVII. A palavra rommant
designou primeiramente a língua vulgar, por oposição ao latim, tendo vindo
depois a designar também uma certa espécie de composição literária escrita em
língua vulgar, em verso ou em prosa, cujos temas consistiam em complicadas
aventuras heróicas ou corteses.
No século XVII, surgiu o adjectivo
inglês romantic a significar «como os
antigos romances», podendo qualificar uma paisagem, uma cena ou um monumento,
ou podendo oferecer um significado estético-literário.
Não admira que na atmosfera
racionalista que envolve a cultura europeia desde os finais do século XVII, o
vocábulo romantic passe a significar quimérico, ridículo, absurdo –
qualidades (ou defeitos) que se atribuíram precisamente aos romances e poemas
romanescos, quer na literatura medieval, quer de Ariosto (poeta italiano –
1474-1533 –, autor de Orlando Furioso), de Boiardo (poeta italiano –
1441-1494), etc. Tal como "gótico", romântico designa, na
época do Iluminismo, tudo o
que é produzido pela imaginação desordenada, aquilo que é inacreditável e que
reflecte um gosto artístico irregular e mal esclarecido.
No entanto, a par deste significado
pejorativo, a palavra oferece no século XVIII um outro sentido: à medida que a
imaginação adquire importância e à medida que se desenvolvem formas novas de
sensibilidade, romantic passa a designar o que agrada à imaginação,
o que desperta o sonho e a comoção da alma, aplicando-se às
montanhas, às florestas, aos castelos, etc. Nesta acepção – que, como foi dito
acima, já remonta ao século XVII –, foi-se desvanecendo a afinidade do vocábulo
com o género literário do romance, tendo vindo romantic a
exprimir sobretudo os aspectos melancólicos e selvagens da natureza.
O vocábulo inglês romantic era
vertido para francês ora por romanesque,
ora por pittoresque. Em 1776, porém,
Letourneur, no prefácio da sua tradução da obra de Shakespeare, distingue romantique
de romanesque e de pitoresque, analisando os respectivos matizes
semânticos e expondo os motivos que levaram a preferir romantique,
«palavra inglesa»: o vocábulo, segundo Letourneur, «encerra a ideia dos
elementos associados de uma maneira nova e variada, própria para espantar os
sentidos», evocando, além disso, o sentimento de terna emoção que se apodera da
alma perante uma paisagem, um monumento, uma cena, etc. Em 1777, o marquês de
Girardin, na sua obra De la composition des paysages, usa igualmente o
adjectivo romantique, mas a palavra
adquire definitivamente direito de cidadania na língua francesa, quando
Rousseau, num passo famoso das suas Rêveries d'un promeneur solitaire,
escreve que «as margens do lago de Bienne são mais selvagens e românticas do
que as do lago de Genebra»; ou seja, estabelece a distinção entre “romantique”
(romântico) e “romanesque” (romance). Através do francês, o vocábulo
penetrou depois noutras línguas, como o espanhol e o português.
Voltemos, todavia, ao significado
literário da palavra romântico, que, como ficou acima exposto, está já
documentado no século XVII. O vocábulo romantic reaparece, com um
sentido similar ao que apresenta no texto já mencionado de Rymer, na History
of english poetry (1774) de Thomas Warton, cuja introdução se intitula «The
origin of romantic fiction in Europe». Para Warton, o termo romantic
designa a literatura medieval e parte da literatura que se afasta da literatura
renascentista (Ariosto, Tasso, Spenser), isto é, uma literatura que se afasta
das normas e convenções vigentes na literatura greco-latina e no neoclassicismo.
A par deste conceito, aparece
também, no início do século XIX, um conceito tipológico de romantismo,
corporizado principalmente na oposição clássico-romântico. Goethe
reivindicou a paternidade desta famigerada distinção, mas foi indubitavelmente
August Wilhelm Schlegel quem, inspirando-se em boa parte na oposição
estabelecida por Schiller entre poesia ingénua e poesia sentimental,
elaborou a mais sistemática e mais influente exposição sobre as diferenças
existentes entre a arte clássica e a arte romântica. Na décima terceira lição
do seu Curso de literatura dramática, Schlegel caracteriza a arte
clássica como uma arte que exclui todas as antinomias, ao contrário da arte
romântica, que se compraz na simbiose dos géneros e dos elementos heterogéneos:
natureza e arte, poesia e prosa, ideias abstractas e sensações concretas, terrestre
e divino, etc.; a arte antiga é uma espécie de «nomos rítmico, uma
revelação harmoniosa e regular da legislação – fixada para sempre – de um mundo
ideal em que se reflectem os arquétipos eternos das coisas», ao passo que a poesia
romântica «é expressão de uma misteriosa e secreta aspiração pelo Caos
incessantemente agitado a fim de gerar novas e maravilhosas coisas»; a
inspiração da arte clássica era simples e clara, diferentemente do génio
romântico que, «apesar do seu aspecto fragmentário e da sua desordem aparente,
está contudo mais perto do mistério do universo, porque, se a inteligência
jamais pode apreender em cada coisa isolada senão uma parte da verdade, o
sentimento, em contrapartida, ao abranger todas as coisas, compreende tudo e em
tudo penetra». De igual modo, ainda durante o séc. XIX, Mme de Stäel (autora
alemã, casada com um cidadão francês) estabelece semelhante distinção entre “Romântico”
e “Clássico”.
Nas literaturas espanhola e
portuguesa, aparecem os primeiros grupos românticos durante a terceira década
do século XIX (Garrett, Herculano, etc.), concomitantemente com a instauração
de regimes liberais nos dois países da
Península Ibérica e com o regresso de exilados
que, na França e na Inglaterra, haviam conhecido as novas tendências estético-literárias.
Aguiar e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA
DA LITERATURA, 4.ª edição, Coimbra, Livraria Almedina, 1982