“José” é um
poema da autoria de Carlos Drummond de Andrade, escritor nascido a 31 de
outubro de 1902 e falecido a 17 de agosto de 1987, um dos maiores vultos da
segunda geração de modernistas brasileiros, considerado por muitos o maior
poeta brasileiro do século XX.
A
composição em questão foi publicada pela primeira vez em 1942, integrada na
obra Poesias. Nela, o autor aborda a temática da solidão e do abandono
do indivíduo na cidade grande, bem como a desesperança e a sensação de estar
perdido na vida, sem saber que rumo seguir.
O texto
abre com uma interrogação que se repete, anaforicamente, ao longo do mesmo,
assumindo a forma de uma espécie de refrão: “E agora, José?”. Ou seja, agora
que os bons momentos terminaram (“a festa acabou”, “a luz apagou”, “o povo
sumiu”), o que resta? O que há a fazer?
Por outro
lado, a interrogação constitui o mote e o motor do poema: a procura de um
caminho, de um sentido para a vida. José, tal como João ou António, é um nome
muito comum na língua portuguesa, pelo que o seu uso neste texto pode ser
entendido como um sujeito coletivo, uma metonímia. A sua substituição pelo
pronome “você” significa que o sujeito poético se está a dirigir diretamente
ao(s) leitor(es), comos e este(s) fosse(m) o(s) interlocutor(es).
Esse “você”
não tem nome, mas “faz versos”, “ama, protesta” e “zomba dos outros”. A sua
característica de poeta pode ser interpretada como a sua identificação com o
próprio Drummond de Andrade.
A segunda
estrofe reforça a ideia de vazio, de ausência e carência de tudo: está sem
“mulher”, “discurso” e “carinho”. Além disso, já não pode “beber”, “fumar” e
“cuspir” (atente-se na sucessão de anáforas); “a noite esfriou”, “o dia não
veio”, tal como não veio “o bonde”, “o riso” e a “utopia”. Isto significa que
todas as formas de contornar o vazio, a ausência, o desespero e a realidade não
chegaram, nem mesmo o sonho (“a utopia”), nem a esperança de um recomeço, pois “tudo
acabou”, “fugiu” e “mofou” (nova sucessão de anáforas), como se o tempo
deteriorasse tudo aquilo que é bom.
Na terceira
estrofe, prosseguem as anáforas e as enumerações, nomeadamente das suas
características imateriais (“sua doce palavra”, “seu instante de febre”), “sua
gula e jejum”, “sua incoerência”, “seu tédio”), bem como daquilo que é material
e palpável (“sua biblioteca”, “sua lavra de ouro”, “seu terno de vidro”). Ou
seja, tudo desapareceu e nada restou, exceto a interrogação: “E agora, José?”.
A quarta
estrofe apresenta-nos um sujeito poético que não encontra saída/solução para a
sua situação: “Com a chave na mão / quer abrir a porta, / não existe porta”. A
própria morte enquanto derradeira solução também não é possível – “quer morrer
no mar, / mas o mar secou – ideia que é reforçada mais adiante (José é obrigado
a viver) –, tal como a possibilidade de um regresso às origens: “quer ir para
Minas, / Minas não há mais”. Atente-se no facto de o poeta ser natural de Minas
Gerais (Itabira), o que pode indiciar nova possível identificação entre
Drummond de Andrade e José. Em suma, o passado também não constitui uma solução
para o drama vivido pelo sujeito poético.
A quinta
estrofe contém uma anáfora constituída por várias orações subordinadas
adverbiais condicionais, com as formas verbais no pretérito imperfeito do
conjuntivo. Todos estes recursos remetem para um conjunto de possíveis
escapatórias ou distrações que nunca se concretizam, são interrompidas, ficam
em suspenso, ideia suscitada pelo recurso às reticências. O verso 7 desta
estrofe destaca novamente a ideia de que a morte não é solução: “Mas você não
morre”, pois “você é duro José!”. Estes dois versos sugerem que o sujeito lírico
possui uma grande força, uma resiliência e capacidade de sobrevivência que
constituem traços da sua personalidade, para quem desistir da vida não é uma
opção.
A última
estrofe do texto salienta o seu isolamento total (“Sozinho no escuro / qual
bicho-do-mato”), “sem teogonia” (não há Deus, não existe fé nem auxílio
divino), “sem parede nua / para se encostar” (sem o apoio de nada nem de
ninguém), “sem cavalo preto / que fuja a galope” (sem nenhum meio de fugir da
situação em que se encontra).
Ainda
assim, “você marcha, José!”, mas para onde? Ou seja, o sujeito poético segue em
frente, mesmo sem saber em que direção ou com que objetivo. O verbo “marchar”
remete para um movimento repetitivo, quase automático. José é um homem preso à
sua rotina, às suas obrigações, afogados em questões existenciais que o
angustiam; faz parte da máquina, das engrenagens do sistema, por isso tem de
manter o seu quotidiano.
Não
obstante, perante uma mundividência pessimista, de vazio existencial, os versos
finais do poema parecem sugerir um raio de esperança: José não sabe para onde
vai, qual é o seu destino ou lugar no mundo, mas “marcha”, prossegue,
sobrevive, resiste.