Os capítulos VII e VIII compreendem
um desenvolvimento crucial da trama: a reunião de Bernard e John. Este é um
pária que sempre sonhou viver no Estado Mundial, enquanto o segundo é um
desajustado do Estado Mundial que procura uma maneira de se encaixar. O
encontro deles coloca em movimento uma cadeia de eventos que acarretará consequências
devastadoras para ambos.
Huxley recorre a um flashback
para atualizar Bernard e o leitor sobre a história de John. Esse recurso
permite ao autor apresentar uma colagem de imagens da infância de John que, de
outra forma, se encaixaria de maneira estranha na estrutura geral da narrativa.
Se a narrativa tivesse sido apresentada na estrita ordem cronológica, a
história de John e Linda teria sido contada primeiro. Chegando no meio do
romance, tem um impacto maior, porque o leitor já conhece as grandes diferenças
entre a cultura do Estado Mundial e da Reserva. A falha de Linda em se encaixar
na Reserva e a criação confusa de John só fazem sentido dentro do contexto que
já foi fornecido.
As experiências de Linda na Reserva,
descritas por ela e por John, demonstram até que ponto os cidadãos do Estado
Mundial dependem da “civilização” – isto é, de uma vida completamente
estruturada pelo Estado. Na Reserva, ela é praticamente indefesa: não sabe como
consertar roupas, cozinhar ou limpar, e a própria ideia de cuidar de uma
criança horroriza-a. Volta-se para o mescal como um pobre substituto do soma,
que até então era o seu único método para lidar com situações desagradáveis.
John é um híbrido cultural que
absorve a cultura de sua mãe e a dos índios da Reserva, mas também ele está culturalmente
à deriva. A comunidade da Reserva não o aceita e o Outro Lugar de Linda é um
mundo distante sobre o qual ele só ouve histórias. Então volta-se para
Shakespeare isoladamente e absorve um terceiro sistema de valores culturais.
A Tempestade, de Shakespeare,
constitui um paralelo importante com Admirável Mundo Novo, e os dois
textos relacionam-se a vários níveis. Na peça, Prospero e sua filha Miranda são
exilados para uma ilha, porque o irmão dele o traiu para ganhar poder político.
O único habitante da ilha é um nativo, Caliban, a cuja mãe falecida a ilha
pertencia. Prospero usurpa o controle da ilha e decide criar Caliban como
escravo, porque tem pena dele e pretende civilizá-lo. Shakespeare retrata
habilmente Caliban como uma figura raivosa e violenta, que poderia ser
facilmente interpretada como menos que humana, governada por apetites bestiais
e não por instintos mais elevados. Quando um navio chega à ilha, dois dos
administradores apresentam o licor a Caliban, e a bebida torna-se o “Deus” da personagem.
No entanto, Shakespeare também consegue imbuir Caliban de todas as
complexidades do indivíduo colonizado. Ele pode estar com raiva e ser violento,
mas foi oprimido por Prospero. Caliban fica encantado com o licor vê-o como um
deus, porém nunca viu álcool antes, e os efeitos de ficar bêbado devem ser
surpreendentes para ele. Prospero pretende ajudar Caliban "civilizando-o",
mas ele ressente-se de Prospero pelo roubo da sua casa. Prospero vê o
ressentimento de Caliban como infundado e como evidência da sua natureza
bestial, e isso leva-o a trata-lo de maneira ainda mais severa. Caliban
responde com ações violentas que apenas aumentam a crença de Prospero de que ele
é um animal. Em A Tempestade, Caliban é "selvagem" e
"nobre selvagem", é totalmente desalojado em todas as comunidades,
assim como John é na reserva e virá a ser no Estado Mundial.
Tanto a Tempestade como o Admirável
Mundo Novo podem ser interpretados como alegorias da colonização. Prospero
decide criar Caliban e "civilizá-lo" da mesma maneira que os colonos
europeus tentaram "civilizar" as culturas africana, asiática e nativa
americana com as quais entraram em contacto. Para os colonizadores britânicos e
outros colonizadores europeus, civilizar os selvagens foi um processo de
substituir as culturas e línguas nativas pela cultura e pela língua do
colonizador. Os colonizadores efetivamente separaram os povos colonizados da
sua própria história e cultura, tornando mais difícil para os últimos rebelarem-se
contra a nova cultura implantada que se tornou a sua. Todo o Estado Mundial é
construído exatamente sobre essa premissa, apagando o passado e todos os seus
legados culturais. O Estado Mundial, em certo sentido, colonizou todos.