Português: Alexandre O'Neill
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domingo, 29 de dezembro de 2024

Biografia de Alexandre O'Neill

 
·         19 de dezembro de 1924 – Nasce em Lisboa, no n. 39 da Avenida Fontes Pereira de Melo, Alexandre Vahia de Castro O’Neill de Bulhões, filho de António Pereira d’Eça O’Neill de Bulhões, empregado bancário, e de Maria da Glória Vahia de Castro O’Neill de Bulhões, doméstica, mãe pela segunda vez aos 19 anos, e nero da escritora Maria O’Neill.

O apelido O’Neill, de origem irlandesa (o primeiro rei católico da Irlanda – 410 d.C. – chamava-se Eogan Vi Niall), foi herdado da avó paterna, Maria da Conceição, havendo registo da sua presença em Portugal desde 1736, ano em que Shane O’Neill, um refugiado, chega ao nosso país e se instala na Quinta da Arealva, em Cacilhas.

A escolha do apelido O’Neill como “nome de guerra relacionar-se-á possivelmente com a demarcação de qualquer «modo funcionário de viver»”, bem simbolizado pelo clã O’Neill na Irlanda: durante quase mil anos e cerca de trinta gerações, segundo as crónicas, não houve um O’Neill que morresse de morte natural. Por sua vez, o apelido Bulhões aponta para figuras importantes, como, por exemplo, Santo António de Lisboa.

·         1926-1937 – Mora em Lisboa com a família, constituída pelos pais e pela irmã, Maria Amélia, mais velha do que o futuro poeta, no 4.º Esq. do número 19 da Rua da Alegria, uma época que o próprio retratou da seguinte forma: “Era um chato, uma tristeza, era filho de gente que não me deixava sair à rua. Era um miúdo fechado, um bocado triste e passava muito tempo à janela. […] Não foi uma infância feliz nem infeliz. Foi um tempo cinzento, sem relevos.”

Mais felizes foram os períodos de férias de verão em Amarante, terra natal da mãe, entre os seis e os dezasseis anos, onde conheceu e conviveu com diversas pessoas, nomeadamente o tio-avô José Vahia, em cuja companhia faz longos passeios que lhe dão a conhecer a região do Douro e a poesia de Guerra Junqueiro e que estão refletidos no seu poema “Autocrítica”.

·         1932 – Começa a frequentar a Escola Primária, situada na Rua de S. José dos Carpinteiros.

·         1933 – Ingressa no Colégio Português de Educação Feminina, uma instituição de ensino particular, na qual conclui a instrução primária e inicia o curso dos liceus.

·         1935 – Conhece Teixeira de Pascoaes no Café Central de Amarante.

·         1936 – Contacta pela primeira vez com a poesia dimensionista de António Pedro através da revista “Revolução”, a que tem acesso por meio da sua professora, Virgínia Lima.

Inicia-se a Guerra Civil espanhola, que seguirá com grande atenção.

Inscreve-se, obrigado, na Mocidade Portuguesa.

·         1937 – Ainda em Amarante, conhece Alexandre Pinheiro Torres, que se tornará desde aí seu companheiro de aventuras, e Bento de Jesus Caraça, que se encontrava também na localidade na época e a quem pediu um autógrafo.

·         1938 – Muda-se com a família para a Rua Arnaldo Gama, no Bairro Social do Cego, mudança essa que o leva a mudar de escola e a frequentar o Colégio Valsassina, na Avenida António Augusto de Aguiar, por força da lei da separação dos sexos nas escolas.

Contacta com a poesia de Mário de Sá-Carneiro, bem como com a poesia neorrealista, graças às conversas pós-aulas que mantém com o seu professor Avelino Cunhal, “a quem horroriza o entusiasmo” de O’Neill por uma poesia que considerava “doentia e malsã” (a de Sá-Carneiro).

·         1939 – Reprova a Matemática no 3. Ano de liceu. Após frequentar aulas particulares, repete o exame e obtém anota de 19 valores.

Começa a ler (por exemplo, Júlio Verne, autor comum aos jovens da sua idade, bem como outros escritores que os da sua idade não liam) e a escrever.

O triunfo de Franco na Guerra Civil espanhola, a ascensão dos regimes fascistas e nacionalistas (Mussolini, Hitler e Salazar) e o início da Segunda Guerra Mundial agudizam a sua visão angustiada da História e da vida.

·         1941 – Ainda no Colégio Valssassina, conhece o professor António Dias Miguel, que o inicia na leitura dos autores do Novo Cancioneiro.

Obtém todos os prémios de um concurso literário organizado pela direção do colégio.

·         192 – Conhece, pela mão de Ribeiro Couto, Adolfo Casais Monteiro, João Gaspar Simões, Almada Negreiros, António Dacosta e António de Navarro, membros, entre outros, do chamado “Grupo dos Jantares dos Dias 13”, que têm lugar na Esplanada do Rato, e para os quais Alexandre O’Neill passou a ser convidado. Deles resultará um convite, formulado por Ribeiro Couto, no sentido de colaborar na revista “Litoral”, dirigida pelo escritor Carlos Queiroz.

Escreve poemas com sabor ao heterónimo pessoano Ricardo Reis e a um certo imaginário próximo do Neorrealismo, povoados por figuras como fadas, gnomos, etc., e tendo como interlocutora uma Lídia, que, de facto, nos leva de imediato até Reis.

·         1943 – Publica os primeiros versos num jornal de Amarante, o “Flor do Tâmega”.

·         1944 – Concluído o liceu, reprova no exame médico para admissão ao Serviço Militar, devido à asma e à miopia.

Sofre novo desgosto quando conclui, após terminar o primeiro ano do curso de Pilotagem da Escola Náutica de Lisboa (a admissão requeria apenas que os candidatos soubessem nadar), que jamais poderá ser piloto por causa da miopia, no momento em que tenta obter, na Capitania do Porto de Lisboa, uma cédula para navegar como praticante de piloto.

Volta, posteriormente, ao liceu para frequentar, como aluno externo, o Curso Complementar de Letras.

·         1945 – Conhece Mário Cesariny de Vasconcelos no café A Cubana, dando início a uma relação de amizade e cumplicidade intelectual, cimentada pelo envolvimento de ambos nas atividades do MUD Juvenil e pela renitência face ao Neorrealismo.

Publica os poemas “Explosão”, “Nocturno”, “Cavalos” e “Estátua Equestre” na revista “Litoral”.

·         1946 – Agravam-se conflitos no seio da sua família: a relação com o pai nunca fora pacífica e a mãe tinha sempre tentado afastar O’Neill da literatura, rasgando todos os versos que encontrava, pois sonhava para o filho uma carreira na advocacia. Em consequência dessas desavenças sai de casa e vai viver para casa do tio António Vahia de Castro, na Avenida Visconde de Valmor.

Começa a trabalhar na Caixa de Previdência dos Profissionais do Comércio, na secção de Arquivo e Expedição de Correspondência, como escriturário de terceira classe, ganhando 600 escudos (o equivalente a três euros) por mês. Aí permanecerá durante seis anos.

·         1947 – Troca correspondência com Mário Cesariny, que vive então em Paris, revelando o seu entusiasmo pelas atividades diversificadas a que se dedica: desenho, escrita, estudos (por exemplo, da obra de Freud), escultura, etc.

Participa, juntamente com outras figuras, como António Pedro, José-Augusto França, Cândido Costa Pinto, entre outros, em outubro, na primeira reunião do futuro Grupo Surrealista de Lisboa, que se formará antes do final deste ano, e que será constituído pelo próprio O’Neill, por Mário Cesariny, António Pedro, José-Augusto França, Moniz Pereira, Fernando de Azevedo, António Domingues e Vespeira. Cândido Costa Pinto fora afastado entretanto, acusado de assumir compromissos estranhos aos do grupo, nomeadamente com a galeria de exposições do SNI.

A adesão ao Surrealismo leva-o a colecionar objetos estranhos, em casa dos pais, como ossos, que levam a mãe ao desespero e que o «forçam» a arrendar um «atelier» numas águas-furtadas de um prédio antigo, na Avenida Liberdade, juntamente com António Domingos e Mário Cesariny. Esta iniciativa vem substituir outra, que nunca concretizará, de alugar uma casa em conjunto com José Cardoso Pires e / ou João Moniz Pereira. É nesse «atelier» que os locatários ensaiarão experiências de colagens, poemas, esculturas e pinturas.

·         1948 – Cria, nessas águas-furtadas, A Ampola Miraculosa, uma história, em poucas páginas, construída em torno de gravuras de antigos manuais de Física.

O Grupo Surrealista de Lisboa torna pública, através do “Diário de Lisboa”, a sua oposição ao aproveitamento e apropriação oficiais da figura de Gomes Leal, aquando da celebração do centenário do seu nascimento. Anos depois, O’Neill, juntamente com Francisco de Cunha Leão, organizará uma antologia poética de Gomes Leal.

Ainda neste ano, dá-se uma cisão no Grupo Surrealista de Lisboa, motivada por divergências estético-ideológicas e protagonizada por Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Pedro Oom e Henrique Risques Pereira.

·         1949 – Em janeiro, num sótão do n.º 25 da Rua da Trindade, abre ao público a primeira exposição do Grupo Surrealista de Lisboa, onde expõem os seus trabalhos Alexandre O’Neill, António Pedro, José-Augusto França, entre outros. A exposição é encerrada pela polícia devido ao seu cariz subversivo. A capa do catálogo ostenta a cruz azul do lápis da censura: o texto dessa capa, de facto, assinado por José-Augusto França, apoia a candidatura do general Norton de Matos contra Óscar Carmona e nele é possível ler frases como “É absolutamente indispensável votar contra o Fascismo.”, por isso é cortado com uma enorme cruz.

·         1950 – A 12 de janeiro tem lugar a Conferência de Nora Mitrani, intitulada “La Raison Ardente”, uma francesa de 29 anos ligada ao movimento surrealista de André Breton que chegara a Lisboa em finais do ano anterior. Alexandre O’Neill traduz a conferência para português, para ser publicada nos Cadernos Surrealistas, e apaixona-se loucamente pela conferencista.

Quando Nora Mitrani parte de regresso, os dois combinam que o poeta irá encontrar-se com ela a Paris, no entanto, entretanto, a PIDE confisca-lhe o passaporte, que apenas reaverá anos mais tarde.

Ainda neste ano realiza-se, na livraria A Bibliófila, a segunda exposição do Grupo Surrealista Dissidente, na qual O’Neill expõe, extracatálogo, não obstante fazer parte do grupo original.

·         1951 – Em novembro, é editado, em Cadernos de Poesia (fascículo 11), o seu primeiro livro de poemas: Tempo de Fantasmas. Num texto intitulado “Pequeno Aviso do Autor ao Leitor”, uma espécie de prefácio, o escritor demarca-se do Surrealismo e passa-lhe mesmo um atestado de menoridade.

Aproxima-se temporariamente do Partido Comunista Português, um namoro que começara em 1948 com a entrada para o MUD Juvenil, porém o poeta nunca seria um homem de grandes convicções partidárias.

Em dezembro, o Grupo Surrealista Dissidente reage à posição de O’Neill com o texto “Do capítulo da Probidade”, que o ataca, bem como o Grupo Surrealista de Lisboa, José-Augusto França e Jorge de Sena.

·         1952 – É posto sob “vigilância especial” na Caixa de Previdência, onde trabalha, depois transferido de secção e, por fim, demitido compulsivamente da Função Pública por se ter recusado a usar gravata pela morte do marechal Óscar Carmona.

·         1953 – Em março, torna-se funcionário da secção de Sinistros Automóveis, na Companhia de Seguros Metrópole.

Colabora em diversos jornais e revistas: “Litoral”, “Mundo Literário”, “Seara Nova”, “Diário de Lisboa”, “Cadernos de Poesia”, “Vértice”, “Journal des Poètes” e “Unicórnio” (1951), revista dirigida por José-Augusto França onde foi publicado o poema “Um Adeus Português” e, em 1956, “Meditação na Pastelaria”.

É preso pela PIDE no aeroporto de Lisboa por ter ido esperar Maria Lamas, escritora, jornalista e ativista política, que regressava de reuniões do Conselho Mundial da Paz, ocorridas em Bucareste, na Roménia, e encarcerado durante 40 dias. Nesse período de tempo, é visitado semanalmente pela irmã, à revelia dos pais. É posto em liberdade graças às influências movidas pela mãe, contra a vontade do próprio filho.

·         1954 – A 13 de março pede a demissão da companhia de seguros onde trabalhava desde março do ano anterior, alegando um estado de saúde frágil e a necessidade de repouso absoluto.

Em 1 de agosto, começa a trabalhar como escriturário para a divisão agro-química da Sandoz.

·         1957 – Em 27 de dezembro, casa com Noémia Delgado e vai morar para a Rua do Jasmim, quebrando, a partir daqui, o ciclo de idas e voltas de casa dos pais.

·         1958 – Publica No Reino da Dinamarca, na coleção “Poesia e Verdade”, da Guimarães Editores.

No fim de junho, abandona o emprego de escriturário da Sandoz.

·         1959 – A partir de julho, trabalha como encarregado da Biblioteca Itinerante n.º 17 da Gulbenkian, com ponto de irradiação em Lisboa.

Branquinho da Fonseca, diretor do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian, à falta de técnicos, «recruta» os encarregados entre os jovens poetas da época, como Herberto Hélder e António José Forte, além do próprio O’Neill.

Inicia a sua atividade como redator de publicidade, onde permanecerá até ao fim da vida, trabalhando sucessivamente em quase todas as maiores empresas do ramo: Telecine Moro, Publicis, Ciesa NCK e McCann Erickson. Nos anos 80, trabalhará com dois amigos na Publinter (Rui de Brito) e na Lápis (com Arnaldo Aboim). Ficam famosos diversos slogans da sua autoria, nomeadamente um, o mais conhecido e que acabou por se converter em provérbio: “Há mar e mar, há ir e voltar”.

A 23 de dezembro, nasce o seu primeiro filho: Alexandre Delgado O’Neill.

·         1960 – É publicado Abandono Vigiado, na coleção “Poesia e Verdade”, da Guimarães Editores.

Em maio, abandona o emprego na biblioteca itinerante e volta para a Sandoz.

·         1961 – Nora Mitrani suicida-se em Paris aos 40 anos. Ela e O’Neill nunca se voltaram a ver.

O poeta colabora com Ilse Losa na tradução da obra Teatro I, da autoria de Bertolt Brecht, para a editora Portugália.

Em finais de setembro, abandona em definitivo a Sandoz.

·         1962 – Na coleção Círculo de Leitores, da editora Moraes, é publicada a obra Poemas com Endereço.

Publicam-se também duas antologias poéticas de sua autoria, uma de Teixeira de Pascoaes (em parceria com Francisco da Cunha Leão), a outra de Carl Sandburg.

·         1963 – Organiza uma antologia de poemas escolhidos do poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto, que é publicada na Portugália, na coleção “Poetas de Hoje”.

Traduz as letras das canções de O Círculo de Giz Caucasiano, para o volume Teatro II, de Bertolt Brecht, prosseguindo assim a colaboração com Ilse Losa.

·         1965 – A Ulisseia edita Feira Cabisbaixa.

·         1966 – É editada, pela Einaudi, de Turim, uma tradução de poemas seus intitulada Portogallo Mio Remorso, da responsabilidade de Joyce Lussu, um reflexo do interesse que O’Neill sempre teve pela cultura, história e língua italianas.

·         1968 – É publicado O Poeta Apresenta o Poeta, uma antologia da poesia de Vinicius de Moraes organizada por O’Neill. O poeta brasileiro vem a Lisboa e os dois tornam-se amigos.

·         1969 – É publicada a segunda edição de No Reino da Dinamarca.

·         1970 – É editada a coletânea de textos As Andorinhas não têm Restaurante, que reúne textos em prosa editados nos livros de poesia e crónicas que publicava periodicamente em jornais, nos “Cadernos de Literatura” da D. Quixote.

·         1971 – A 15 de janeiro, divorcia-se de Noémia Delgado e, a 4 de agosto, casa com Teresa Patrício Gouveia. O novo casal vai morar na Rua da Escola Politécnica, n.º 48-2.º, onde Alexandre O’Neill viverá até ao final da vida.

O segundo matrimónio coincide com um período de maior desafogo económico e com uma fase de estadas numa casa da família, em Azeitão, muito apreciada pelo poeta.

·         1973 – Prepara, com Jorge Listopad, o programa “Museu Aberto” para a RTP.

·         1974 – Colabora com o realizador Artur Ramos (com quem já havia colaborado nos anos 60, no filme Pássaro de Asas Cortadas) na produção da peça Schweik na II Guerra Mundial, da autoria de Bertolt Brecht, para a Companhia de Teatro da Rtp.

·         1975 – Em novembro, sai o primeiro número da publicação “Critério – Revista Mensal de Cultura”, dirigida por João Palma-Ferreira e O’Neill, como diretor-adjunto, defensora da democracia de tipo socialista. Entre os colaboradores contam-se figuras relevantes como Miguel Torga, Vergílio Ferreira, António José Saraiva, Álvaro Manuel Machado, António Tabucchi e Vitorino Magalhães Godinho. Em simultâneo, O’Neill torna-se simpatizante do Partido Socialista, dando início a uma relação pontuada por vários solavancos, exemplificada por slogans eleitorais como o seguinte: “Ele não merece, mas vota no PS”.

·         1976 – Abandona, juntamente com Palma-Ferreira, a direção da revista “Critério”, de que ainda sairão dois números sob uma direção interina.

Em maio, nasce Afonso, o seu segundo filho.

Traduz A Mandrágora, da autoria de Nicolau Maquiavel.

É internado, durante algum tempo, no Hospital de Santa Maria, na sequência de um episódio grave do foro cardíaco.

·         1977 – Organiza, para a Dom Quixote, Casa Branca Nau Preta / Felicidade na Austrália, uma coletânea que abarca poemas de trinta poetas portugueses contemporâneos, desde “Orpheu” até 1975, que, contudo, jamais foi publicada.

Edita outra antologia, intitulada Poesia Portuguesa Contemporânea, na qual colabora na seleção e notas.

A 17 de dezembro, participa no “Encontro de Poetas” que marca o início de diversas iniciativas culturais promovidas pela Casa de Mateus, nas quais participam também Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner, Pedro Tamen, Alberto Pimenta, Vasco da Graça Moura, entre outros.

·         1978 – Em colaboração com Mendes de Carvalho, escreve a peça Jesus Cristo em Lisboa, uma tragicomédia em duas partes inspirada na obra homónima de Raul Brandão e Teixeira de Pascoaes.

Colabora com o programa Perfil, produzido pela Interfilme para a RTP, diário e com a duração de 5 a 8 minutos, cujo objetivo era dar a conhecer o perfil de escritores ou artistas.

Em agosto, juntamente com Álvaro Guerra, Jorge Listopad e Raul Solnado, integra uma embaixada portuguesa ao Festival Internacional de Poesia, na então Jugoslávia.

·         1979 – Edita A Saca de Orelhas e colabora no projeto teatral de Ricardo Pais, Ninguém, uma adaptação de Frei Luís de Sousa feita por Maria Velho da Costa.

Durante o inverno viaja por Itália, ficando alojado em casa de Antonio Tabucchi, seu amigo e admirador.

Separa-se de Teresa Patrício Gouveia.

·         1981 – Passa alguns períodos de tempo em Constância, em casa de Rui de Brito, com quem vinha colaborando desde 1978.

·         1982 – Graças à ação de Vasco da Graça Moura, é publicada a obra Poesias Completas 1951/1981, que integra um novo livro, de 1981, As Horas já de Números Vestidas.

·         1983 – Adere, em conjunto com outras personalidades da vida literária e artística, a um abaixo-assinado contra a programação da RTP que acusa a empresa estatal de televisão de chantagem e coação moral.

A 7 de abril, o “Diário Popular” publica uma tomada de posição de O’Neill contra a proposta do Conselho Federal de Cultura do Brasil de extinção das cadeiras de Literatura Portuguesa nas Faculdades de Letras brasileiras.

·         1984 – É publicada a segunda edição das Poesias Completas, que inclui já a produção do poeta até ao ano de 1983. Sofre um AVC.

·         1985 – É reeditada Uma Coisa em Forma de Assim.

Em março, interrompe a sua colaboração com o “Jornal de Letras” por motivos de saúde: é internado no Hospital de Santa Maria durante oito dias para fazer uma desintoxicação medicamentosa.

·         1986 – A 9 de abril, é acometido de novo episódio cardíaco enquanto trabalha na Publinter e internado na unidade de cuidados intensivos do Hospital de Santa Cruz, sendo posteriormente transferido para o Hospital Egas Moniz, onde acaba por falecer a 21 de agosto.

domingo, 25 de junho de 2023

Obras de Alexandre O'Neill


 Obras de Alexandre O’Neill
 
Poesia
 

1948 – A Ampola Miraculosa

1951 – Tempo de Fantasmas, Cadernos de Poesia, n.º 11

1958 – No Reino da Dinamarca

1960 – Abandono Vigiado

1962 – Poemas com Endereço

1965 – Feira Cabisbaixa

1969 – De Outubro na Ombreira

1972 – Entre a Cortina e a Vidraça

1979 – A Saca de Orelhas

1981 – As Horas Já de Números Vestidas (em Poesias Completas – 1951-1981)

1983 – Dezanove Poemas (em Poesias Completas – 1951-1983)

 
 
Antologias
 

1967 – No Reino da DinamarcaObra Poética (1951-1965), 2.ª edição

1974 – No Reino da Dinamarca (1951-1969), 3.ª edição

1981 – Poesias Completas (1951-1981)

1983 – Poesias Completas (1951-1983)

1986 – O Princípio de Utopia

2000 – Poesias Completas

2005 – Poemas Dispersos

 
 
Prosa
 

1970 – As Andorinhas não têm Restaurante

1980 – Uma Coisa em Forma de Assim

 
 
Filmes (enquanto guionista)
 

1962 – Dom Roberto

1963 – Pássaros de Asas Cortadas

1967 – Sete Balas para Selma

1969 – Águas Vivas

1970 – A Grande Roda

1975 – Schweik na II Guerra Mundial (TV)

1976 – Cantigamente (3 episódios da série)

1978 – Nós por cá Todos Bem

1979 – Ninguém (TV)

1979 – Lisboa (TV)

terça-feira, 9 de maio de 2023

«”Albertina” ou “O inseto-insulto” ou “O quotidiano recebido como mosca”», de Alexandre O'Neill


             Este poema é constituído por oito estrofes: uma oitava, três tercetos, duas quadras e dois monósticos, com rima emparelhada e cruzada e métrica irregular.

            O seu tema é a arte poética, dando-nos conta de um sujeito poético que é poeta e discorre sobre o processo de criação poética, a inspiração para escrever. Se observarmos o título, bastante extenso para o que é usual em textos poéticos, observamos que se relaciona inequivocamente com o tema da composição: a criação poética e a inspiração.

            O sujeito poético abre o poema apresentando-nos o poeta – de forma humorística – sozinho (atente-se na reiteração da ideia) e à espera. De quê? O «eu» espera por “um minuto que seja de beleza” (v. 7), isto é, aguarda inspiração (para escrever). Essa espera está associada a uma certa expectativa, como é visível pela sua postura: “em abstração” (atente-se na alusão ao nariz e ao ato de dele tirar algo), com os cotovelos apoiados no tampo da mesa, com a cabeça voltada para baixo. A metáfora do verso 6 (“Onde o poeta é todo cotovelos”) intensifica a expectativa em que o «eu» poético está imerso e a demora em encontrar inspiração, um motivo para escrever, demora essa destacada pela referência ao nome “minutos” (repetido duas vezes). O último verso da primeira estrofe, uma metáfora (“o poeta é aos novelos”), iniciado pela conjunção coordenativa adversativa «mas», que exprime uma ideia de contraste com o que foi afirmado anteriormente, anuncia a insegurança e a indefinição que o caracterizam. Essa noção é desenvolvida na segunda estrofe, novamente anunciada pela mesma conjunção: o sujeito lírico sente-se inseguro e incapaz de dominar a «musa» (v. 10) que tantas vezes o inspirou de forma avassaladora: “aquela / Que tantas vezes arrastou pelos cabelos…” (metáfora). Recordemos que a musa era a divindade que, de acordo com a mitologia, presidia às artes e às letras, sendo a responsável pela inspiração dos poetas.

            A terceira estrofe coloca-nos perante uma nova figura: a mosca Albertina. Quem ou o que é ela? A mosca Albertina é um “inseto-insulto” (v. 13), isto é, algo que o atormenta, que compromete a já fraca inspiração do poeta. Antes, este tinha-a domesticada, ou seja, a inspiração surgia-lhe habitual e facilmente, porém, no presente, surge por sua iniciativa, “como um inseto-insulto, / Mas fingindo que o poeta a esperava…” (vv. 13-14). Recordemos que o nome Albertina, feminino de Alberto, deriva do vocábulo germânico “Adalbert”, resultado da junção de “adal” (nobre” e “berth” (ilustre, brilhante),que significava, portanto, “nobre ilustre, brilhante”.

            Por outro lado, Albertina possui uma dupla faceta: é inseto – mosca – e (quase) mulher. Na qualidade de mosca, ela incomoda o poeta, como os insetos incomodam os humanos, perturba-o, compromete a sua inspiração. “Albertina quer o poeta para si, / Quer sem versos o poeta.” (vv. 16-17). Enquanto mulher, ela sedu-lo, o que quer dizer que, em simultâneo, Albertina o afronta e seduz. E, apesar do apelo do sujeito poético para que ela o deixe em paz e, assim, permita que ele se inspire e escreva, mesmo que de forma imperfeita (“Que eu falhe neste papel” – v. 20), no “papel tão branco e insolente” – personificação, onde o poeta sabe que existe um verso belo que está, porém e de momento, ausente, pois falta-lhe a inspiração. O papel está “tão branco” (atente-se na intensificação sugerida pelo advérbio «tão»), porque a criatividade e a inspiração não surgem, logo o «eu» não cria, não escreve, e é “insolente” (personificação), ou seja, o papel é atrevido e desafia-o a escrever.

            O apelo intensifica-se no monóstico correspondente ao verso 22: “ – Albertina! eu quero um verso que não há!...”. No entanto, o inseto fica-lhe indiferente e, em vez de o inspirar, “Conjugal, provocante, moreno e azulado”, levanta voo, esvoaça por ali e aterra insultuosamente na folha de papel em branco. Atente-se na expressividade da quádrupla adjetivação do verso 23, que acentua a atitude provocatória de Albertina e sugere a existência de uma relação entre ambos marcada pela conjugalidade.

            Como consequência dessa atitude, que o leva a abstrair-se ainda mais da criação poética, o poeta “sai de chofre” (v. 27), isto é, repentinamente, e sente-se “desalmado”, ou seja, desinspirado, “por uns tempos” (v. 27).

            À semelhança do que sucede com vários outros poetas contemporâneos, Alexandre O’Neill reflete, neste poema, sobre a arte poética, só que neste caso estamos na presença de uma arte poética invulgar, dado que o ato de criação poética é aparentemente banalizado e vulgarizado, através do recurso a um tom humorístico que percorre todo o poema, da atitude do poeta e da forma como encara a inspiração.

            Deste modo, Alexandre O’Neill desconstrói humoristicamente, a imagem do poeta inspirado, desprovido das suas faculdades de criação poética e nega, em simultâneo, a ideia do poeta como um ser eleito, inspirado por natureza e produtor infindável e incansável de poesia.

            O processo é descrito num poema que podemos dividir em três momentos. O primeiro situa-se entre os versos 1 e 11, no qual o «eu» lírico retrata o poeta que reflete sobre o que escrever, esperando a inspiração, que tarda. O segundo abrange os versos 12 a 26 e neles é apresentada e caracterizada a mosca Albertina, que perturba o poeta, que a tenta repelir, em vão. O terceiro momento diz respeito ao último verso e retrata a “desistência” temporária do poeta, que abandona o espaço em que se encontra, desmotivado.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Análise do poema "O amor é o amor", de Alexandre O'Neill


             Este poema aborda a temática o amor, como o título indicia, em métrica irregular (que vai do verso dissílabo até ao decassílabo) e rima emparelhada e cruzada, com um verso branco ou solto (o oitavo).

            O amor é apresentado como algo intrínseco à natureza humana, algo absoluto e imaginativo, que oscila entre o mundo real e o onírico: “O amor é o amor – e depois?” – v. 1). Atente-sena repetição e interrogação presentes no verso 1, que mostram que o amor é algo natural na existência humana. Por seu turno, a repetição, no verso 3, da expressão «a imaginar» reforça a noção de que o amor é movido pela vertente emocional do ser humano.

            O «eu» poético está apaixonado e deseja o contacto físico com a pessoa amada (“O meu peito contra o teu peito, / Cortando o mar, cortando o ar”) por e com alguém que o faz sentir completo (“somos um? somos dois?”). Observe-se a expressividade da construção paralelística do verso 5, que realça o facto de o amor, para o sujeito poético, não possuir barreiras e ter uma força invencível, que é capaz de superar qualquer obstáculo, desafiando a própria natureza (representada, no verso, pelos elementos «mar» e «ar»).

            Por outro lado, o sujeito poético exalta o poder que o amor tem sobre si, distinguindo que, apesar de, fisicamente, haver dois corpos (“Na nossa carne estamos”), os seus espíritos unem-se num só (“somos um? somos dois?”). Para que este sentimento seja realizado, os amantes têm de ser livres e são-no(“Num leito / Há todo o espaço para amar.”). Atente-se na enumeração do verso 9, que realça a liberdade que existe entre o «eu» e o «tu» do poema.

            A fusão metafísica de ambos os espíritos apaixonados, depois da união física dos corpos, é perspetivada como o auge do relacionamento amoroso entre amos (“E trocamos – somos um? somos dois? / espírito e calor!” – vv. 10-11).

            Obedecendo a uma estrutura circular, o poema encerra com a repetição do verso que o inicia.
 

sábado, 11 de setembro de 2021

Análise de "Perfilados de medo"

             Este poema de Alexandre O’Neill está escrito na primeira pessoa do poema, remetendo assim para um universo alargado que inclui o sujeito poético, mas que está para além de si.

            Este «nós» vive num estado permanente de medo, desorientação e passividade, pois conformou-se com a situação, incapaz de reagir. Esse estado de espírito justifica-se pelo facto de haver forças que instilam o medo, o oprimem (“dentes oprimidos”) e perseguem (“pelo medo perseguido”).

            A primeira estrofe assenta na antítese entre medo e coragem. O «nós» apresenta-se «perfilado» de medo, contudo, ironicamente, agradece esse mesmo medo. Porquê? Esse sentimento pode ter um lado positivo, pois impedirá que se cometam atos corajosos de revolta, de insubordinação («loucura»), que poderiam acarretar consequências graves. Só deste modo se pode compreender o agradecimento pela existência do medo. Assim sendo, face ao medo, a coragem tem muito pouca valia.

            O oxímoro e a ironia do verso 4 são muito significativos: “e a vida sem viver é mais segura”. Estes recursos, por um lado, sugerem que a existência do «nós» é uma vida em que não lhe é permitido viver e ser livre; por outro lado, indiciam que uma existência sem decisões, sem riscos é mais segura para esse coletivo.

            A segunda estrofe veicula uma visão temporal tripartida: passado, presente e futuro. No presente, o nós, “Aventureiros já sem aventura”, combate fantasmas. Neste ato, procura recuperar um estado passado (“Aventureiros”, “do que fomos”) em que não vivia imerso no medo e pretende preparar um futuro em que viverá sem receio e com confiança e livre. Os “fantasmas” referidos no verso 7 simbolizam o medo sentido pelo «nós», mas, no verso 11, são o próprio «nós», ou seja, são as pessoas, pois não vivem a sua vida: o medo transformou-os em espectros que não têm existência consoante com o ser humano e os seus atos não têm consequências.

            Na terceira estrofe, o medo em silêncio, com angústia, transforma o «nós» em loucos, em fantasmas. Ele encontra-se “sem mais voz” e com o “coração nos dentes oprimido”. Ora, o coração é o espaço dos sentimentos e das emoções (a revolta, o desejo de liberdade, a coragem, etc.); estando «oprimido», tal significa que as pessoas estão silenciadas, não têm liberdade de expressão, não podem dizer o que sentem; assim sendo, de facto, não têm voz.

            A última estrofe apresenta o nós como um rebanho perseguido pelo medo, indiciando que se trata de um conjunto que perdeu a individualidade. Por outro lado, essas pessoas perderam o sentido da vida e, apesar de viverem em comunidade (“já vivemos tão juntos e tão sós”) cada um sente-se isolado.

            Outro recurso destacado no poema é a anáfora presente nos versos 1, 6 e 9 (“Perfilados de medo”), que reforça a ideia de que o «nós» vive «sem viver», devido ao medo; vive de forma mecânica, devido ao medo; vive-se a vida em silêncio, sem questionar a realidade que se «vive», devido ao medo. Em suma, as pessoas não vivem plenamente, devido (sempre) ao medo.

            A compreensão da mensagem do poema não pode ser desconectada do contexto em que foi produzido. Com efeito, ele surgiu pela primeira vez na obra Poemas com Endereço, publicada em 1962, isto é, em pleno regime ditatorial de Salazar – o Estado Novo, caracterizado por um ambiente de medo, perseguição e opressão que se abateu sobre o povo português, que viveu décadas sem liberdade, em constante medo e oprimido pelo tal regime.

            Em suma, o texto revela a oposição do poeta a uma forma de estar medrosa por parte dos portugueses, por isso podemos considerar que se trata de um panfleto contra o espírito conformado dos portugueses, que O’Neill abomina.

            Formalmente, o poema é um soneto constituído por 2 quadras e 2 tercetos, num total de 14 versos, todos decassilábicos. A rima é cruzada e emparelhada (de acordo com o esquema abab / baba / cdc / dcd), consoante (“loucura”/”segura”), pobre (“combatemos”/”seremos”) e rica (“voz”/”nós”).

domingo, 19 de abril de 2020

Análise de "Um adeus português"

Contextualização do poema

“Um adeus português” foi publicado originalmente em 1958, na obra No Reino da Dinamarca, e constitui uma crítica ao regime do Estado Novo r ao ambiente persecutório e controlador do Portugal dessa época.
A origem do poema foi explicada pelo próprio poeta. Assim, O’Neill ter-se-ia apaixonado por uma mulher francesa chamada Nora Mitrani e desejava ir a Paris encontrar-se com ela, porém elementos da sua família opunham-se à sua ida e meteram uma «cunha» junto da PIDE no sentido de lhe negarem o passaporte.
Deste modo, o poeta foi chamado à sede da polícia, onde o questionaram a propósito da razão da sua viagem a França e se conhecia a senhora Mitrani. O’Neill respondeu afirmativamente, tendo o inspetor que o interrogava retorquido o seguinte: “Se calhar V. quer ir, porque essa gaja lhe meteu alguma coisa na cachola.”. O poeta respondeu que Nora não era uma gaja e que não tinha cachola. Na sequência deste episódio, não conseguiu obter passaporte durante vários anos.
Quando Alexandre O’Neill pode, finalmente, ir ao seu encontro em Paris, já ela tinha falecido, vitimada pelo cancro, mas ficou a saber que Nora tinha lido o seu poema e ficado muito comovida com o mesmo.


Título

No título do poema, destacam-se duas palavras:
• o nome «adeus»: a despedida;
• o adjetivo «português»: o sentimento nacional.
O título anuncia o final de um amor e, em simultâneo, aponta para uma crítica ao modo de ser português.
De facto, não é a falta de amor que leva à separação dos apaixonados, mas a condição e a vivência no país.


Tema

O tema do poema é a inevitável despedida de dois amantes, de um amor que desde o início estava condenado à impossibilidade [é o tema do amor impossível ou impossibilitado], dado que os apaixonados pertencem a mundos diferentes e opostos – enquanto ela parte para longe, para a “cidade aventureira”, ele permanece limitado à pequenez burocrática e à “dorzinha quase vegetal” em que entretém a passagem do tempo.
Além do sofrimento motivado pela separação dos amantes, destaca-se o diagnóstico sobre Portugal e a maneira portuguesa de viver, resignada ao lento apodrecimento dos afetos, sob o efeito de um mal-estar quase nauseante que contagia, aliás, toda a visão que esta poesia tem do país.

Jornal Público

Além deste tema central, outros estão presentes na composição poética:
▪ o tema da separação e do adeus;
▪ o tema (da imagem) de Portugal;
▪ o tema da revolta e da denúncia;
▪ o tema de um país outro.


Estrutura interna

1.ª parte (vv. 1-4): O sujeito poético interpela o «tu» (a mulher amada), indiciando já a despedida e a separação iminentes entre ambos.

▪ O sujeito poético interpela, ao longo da composição, um «tu», como se pode comprovar pela ocorrência de formas de segunda pessoa:
» pronomes: «tu» (v. 5), «te» (v. 52), «ti» (v. 55);
» determinantes: «teus» (v. 1), «teu» (v. 51);
» formas verbais: «podias» (v. 5), «mereces» (v. 35), «és» (v. 41), etc.

▪ Apresentação do «tu» / da mulher:
» possui «olhos altamente perigosos»: olhar muito sedutor, daí perigoso;
» tem uma relação de amor com o sujeito poético (“vigora ainda o mais rigoroso amor”);
» esse amor e a mulher são puros, ainda que marcados pela sensualidade da «cama»;
» uma sombra ameaça esse amor, a de uma «angústia já purificada».
Esta mulher, o «tu» a quem os sujeito poético se dirige, é aquela que ele ama, mas vai partir de Portugal para outro país, pois não se enquadra no ambiente que se vive cá, marcado pela opressão e podridão, pela repressão policial, pela hipocrisia, pela mesquinhez. É alguém que não se identifica com a monotonia e a ausência de liberdade que asfixia.

▪ A primeira estrofe constitui, pois, a abertura do diálogo (simulado) entre o sujeito poético e o «tu», do qual sabemos muito pouco, além do atrás referido.

▪ A relação entre os dois é muito próxima, proximidade essa que é pontuada pelo uso recorrente de formas de segunda pessoa do singular. Sabemos também que é uma história de amor (“nos teus olhos (…) vigora ainda o mais rigoroso amor”) e que esse sentimento parece condenado à partida: o advérbio «assim» possui um valor temporal e aspetual que antecipa o fim da relação (na medida em que se institui a oposição entre «ainda» e «já não»). Por outro lado, a relação é intensa, mas acaba, inevitavelmente, com o afastamento e a despedida dos dois.

▪ No poema, está presente também um «nós», marcado pelas formas de 1.ª pessoa do plural («apodrecemos», «giramos», «nossa»). No entanto, o «nós» que surge no poema não é sempre o mesmo. Num caso, é o resultado do «eu» + o «tu»; no outro, é o resultado da junção do «eu» com ?.


2.ª parte (vv. 5-49): O sujeito poético apresenta as razões que impedem o amor entre si e a sua amada.

▪ As seis estrofes seguintes (2.ª à 7.ª) constituem um bloco único, ligado pela anáfora («Não») que inicia cada uma delas. O advérbio de negação contribui para a simulação do diálogo, nomeadamente nas segunda e sexta estrofes, em que se estabelece um jogo de polifonia: a ocorrência do advérbio faz ouvir a voz do «tu» simulado, como interrogação total a que responde(ria) o advérbio (em posição inicial), ou apenas como hipótese, quando a ocorrência do advérbio marca a asserção negativa (“tu não podias ficar presa comigo” e “tu não mereces esta cidade”). Esquematicamente:

[eu podia ficar contigo?]                 [tu podias ficar comigo]
                                                    
Não                                tu não podias ficar comigo

▪ A segunda estrofe clarifica que o «tu» é efetivamente uma mulher, a partir da forma feminina do adjetivo («presa»). Ela não se enquadra no conjunto de situações elencadas e, por isso, tem de partir. A anáfora (iniciada pelo advérbio de negação «Não») mostra precisamente os motivos que tornam impossível o amor entre o sujeito poético e a mulher representada por «tu».

▪ A primeira dessas situações surge precisamente na segunda estrofe: ela não poderia ficar presa como ele (mas ele fica). A quê?
» À roda em que ele apodrece: a roda equivale a um círculo fechado e surge associada à forma verbal «apodreço».
» À pata ensanguentada:
. a pata e outros elementos evocam as touradas: o animal avança pelo túnel, ferido («vacila»): a pata ensanguentada (o touro), mugindo (a vaca), sugerindo dor.

▪ A anteposição do adjetivo ao nome em “uma velha dor” sugere a transição da dor (motivada pelo ferimento) para a dor (simbólica) de uma tourada (simbólica) [numa arena que é o mundo, a vida?].

▪ Assim, a roda em que o sujeito apodrece pode ser interpretada como a arena de uma tourada (real e simbólica). Note-se que a forma verbal «apodrecemos» se encontra num plural, isto é, a podridão afeta um coletivo e não apenas o eu.

▪ Os primeiros versos da terceira estrofe indiciam uma vida rotineira e monótona, feita de burocracia.

▪ Os versos seguintes desnudam a miséria, uma “miséria que sobe aos olhos”, indiciando um movimento (ou sensação) de vómito sugerido(a) pelo movimento ascendente denunciado pelos predicados verbais (“sobe aos olhos”, “vem às mãos”).

▪ A enumeração dos elementos repulsivos, culminando com “o modo funcionário de viver”, evoca a tradição poética neorrealista, de que serão expoentes a figura ou a relação com o “patrão Vasques”, de Bernardo Soares, o Coro dos Empregados da Câmara e Mataram a Tuna, de Manuel da Fonseca.

▪ Esta enumeração gradativa evolui dos aspetos positivos para os negativos, realçando o caráter opressivo da cidade.

▪ Na quarta estrofe, a «cama» simboliza o amor, um amor sensual, erótico, mas também marcado pela perspetiva de fim ou morte (“trânsito mortal”).

▪ O dia é “sórdido / canino / policial” (tripla adjetivação): estes adjetivos, juntamente com «mortal», denunciam o clima de perseguição política e policial e de repressão vivido na cidade. Por sua vez, o adjetivo «puríssima» sugere o caráter positivo da mudança que é necessária.

▪ Por outro lado, o dia, que nasce da madrugada, simboliza, ordinariamente, a abertura, o nascimento, e estaria associado à promessa e à pureza, porém, neste caso, corresponde à noite, isto é, ao fecho, à morte.

▪ A quinta estrofe denuncia os brandos costumes que caracterizam a sociedade portuguesa da época, aos quais a mulher não poderia ficar presa.

▪ A imagem da dor trazida pela mão é bastante significativa e está associada à imagem de trazer pela tela, como um cão. Esta passagem possui um valor irónico-caricatural: trazer a dor docemente pela mão, dor à portuguesa (os brandos costumes).

▪ Outra das razões pelas quais o amor é impossível surge na sexta estrofe e tem a ver com o facto de a mulher não merecer aquela cidade, caracterizada pela náusea, pela idiotia, pela morte e pelo absurdo.

▪ A sétima estrofe apresenta duas imagens diferentes de cidade. A mulher «pertence» a uma cidade (quase) ideal, caracterizada pela aventura, pelo amor, pelo comércio puro, uma cidade, em suma, onde existe liberdade e modos de vida alternativos.

▪ Já o sujeito poético vive numa cidade que asfixia, que prende, que oprime, uma cidade onde existe “a moeda falsa do bem e do mal”. Esta representa, metonimicamente, Portugal, que contrasta com a imagem da cidade ideal apresentada anteriormente.

▪ Nesta estrofe, estão presentes temas surrealistas, como o encontro, o acaso, o amor louco.

▪ Em suma, deste bloco de seis estrofes, as cinco primeiras apresentam uma imagem não poética de Portugal, enquanto a sexta (no conjunto do poema, a sétima) retrata um outro lugar alternativo. Esta imagem remete para dois espaços que correspondem a duas identidades nacionais e/ou dois espaços simbólicos (política e culturalmente):

Lisboa                                                        Paris
                                                             
Portugal                                                    França
                                                             
ditadura                                                    liberdade
                                                             
brandos costumes                                     alternativa

▪ Não esqueçamos a origem do poema: Nora Mitrani, francesa surrealista que O’Neill conhecera e Lisboa e por quem se apaixonara, parte da França; o poeta é impedido de se lhe juntar, pois a PIDE confisca-lhe o passaporte e ele, impossibilitado de sair do país, nunca mais a volta a ver, pois, entretanto, ela falece de cancro. No entanto, o que é significativo no poema não é propriamente uma leitura biográfica, antes passa pelo saborear a sua mensagem: de amor, de dor, de revolta e de utopia.


3.ª parte (vv. 50-55): Na última estrofe, assistimos à despedida e separação entre o sujeito e a sua amada.

▪ O sujeito poético despede-se da mulher amada (“digo-te adeus”), que vai partir (“o teu desaparecimento”), despedida essa que é marcada, simultaneamente, pela ternura e pela dor (“Nesta curva [símbolo da mudança de direção da relação entre os dois, isto é, da sua separação] tão terna e lancinante”).

▪ A separação [e a dor que lhe está associada], embora não tenha sido ainda concretizada, é sentida já como tal: “que vai ser que já é” (v. 53).

▪ É o momento do desaparecimento irremediável do amor – marcado pela partida da mulher – para além da curva da vida, um momento de dor e de frustração, comparado a um tropeço de ternura de um adolescente.

▪ Há uma certa circularidade no poema, com marcas de narratividade, dado que a separação é anunciada na 1.ª estrofe e retomada na última.


Crítica

Em suma, o poeta critica, ao longo deste poema, o ambiente vivido na época em Portugal:
▪ compara-o a uma tourada, um espetáculo sangrento, de dor e morte;
▪ critica o povo português por se conformar com a vida que tem (vv. 31-35 e 38-40) – conformismo;
▪ critica a repressão política do Estado Novo, bem evidente na referência ao medo, nos versos 23 a 29;
▪ critica a miséria e a burocracia (vv. 12-21);
▪ critica a podridão e a sordidez;
▪ critica o medo, o desespero e o policiamento.


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