terça-feira, 8 de agosto de 2023
Análise do poema "Perfilados de medo", de Alexandre O'Neill
domingo, 25 de junho de 2023
Obras de Alexandre O'Neill
1948 – A Ampola Miraculosa
1951 – Tempo de Fantasmas, Cadernos de Poesia, n.º 11
1958 – No Reino da Dinamarca
1960 – Abandono Vigiado
1962 – Poemas com Endereço
1965 – Feira Cabisbaixa
1969 – De Outubro na Ombreira
1972 – Entre a Cortina e a Vidraça
1979 – A Saca de Orelhas
1981 – As Horas
Já de Números Vestidas (em Poesias Completas – 1951-1981)
1983 – Dezanove
Poemas (em Poesias Completas – 1951-1983)
1967 – No Reino
da Dinamarca – Obra Poética (1951-1965), 2.ª edição
1974 – No Reino
da Dinamarca (1951-1969), 3.ª edição
1981 – Poesias
Completas (1951-1981)
1983 – Poesias
Completas (1951-1983)
1986 – O Princípio
de Utopia
2000 – Poesias
Completas
2005 – Poemas
Dispersos
1970 – As Andorinhas
não têm Restaurante
1980 – Uma
Coisa em Forma de Assim
1962 – Dom
Roberto
1963 – Pássaros
de Asas Cortadas
1967 – Sete
Balas para Selma
1969 – Águas
Vivas
1970 – A Grande
Roda
1975 – Schweik
na II Guerra Mundial (TV)
1976 – Cantigamente
(3 episódios da série)
1978 – Nós
por cá Todos Bem
1979 – Ninguém
(TV)
1979 – Lisboa
(TV)
terça-feira, 9 de maio de 2023
«”Albertina” ou “O inseto-insulto” ou “O quotidiano recebido como mosca”», de Alexandre O'Neill
Este poema é constituído por oito estrofes: uma oitava, três tercetos, duas quadras e dois monósticos, com rima emparelhada e cruzada e métrica irregular.
O seu tema é a arte poética,
dando-nos conta de um sujeito poético que é poeta e discorre sobre o processo
de criação poética, a inspiração para escrever. Se observarmos o título,
bastante extenso para o que é usual em textos poéticos, observamos que se
relaciona inequivocamente com o tema da composição: a criação poética e a inspiração.
O sujeito poético abre o poema
apresentando-nos o poeta – de forma humorística – sozinho (atente-se na
reiteração da ideia) e à espera. De quê? O «eu» espera por “um minuto que seja
de beleza” (v. 7), isto é, aguarda inspiração (para escrever). Essa espera está
associada a uma certa expectativa, como é visível pela sua postura: “em
abstração” (atente-se na alusão ao nariz e ao ato de dele tirar algo), com os
cotovelos apoiados no tampo da mesa, com a cabeça voltada para baixo. A
metáfora do verso 6 (“Onde o poeta é todo cotovelos”) intensifica a expectativa
em que o «eu» poético está imerso e a demora em encontrar inspiração, um motivo
para escrever, demora essa destacada pela referência ao nome “minutos”
(repetido duas vezes). O último verso da primeira estrofe, uma metáfora (“o
poeta é aos novelos”), iniciado pela conjunção coordenativa adversativa «mas»,
que exprime uma ideia de contraste com o que foi afirmado anteriormente,
anuncia a insegurança e a indefinição que o caracterizam. Essa noção é
desenvolvida na segunda estrofe, novamente anunciada pela mesma conjunção: o
sujeito lírico sente-se inseguro e incapaz de dominar a «musa» (v. 10) que
tantas vezes o inspirou de forma avassaladora: “aquela / Que tantas vezes
arrastou pelos cabelos…” (metáfora). Recordemos que a musa era a divindade que,
de acordo com a mitologia, presidia às artes e às letras, sendo a responsável
pela inspiração dos poetas.
A terceira estrofe coloca-nos perante
uma nova figura: a mosca Albertina. Quem ou o que é ela? A mosca Albertina é um
“inseto-insulto” (v. 13), isto é, algo que o atormenta, que compromete a já
fraca inspiração do poeta. Antes, este tinha-a domesticada, ou seja, a
inspiração surgia-lhe habitual e facilmente, porém, no presente, surge por sua
iniciativa, “como um inseto-insulto, / Mas fingindo que o poeta a esperava…”
(vv. 13-14). Recordemos que o nome Albertina, feminino de Alberto, deriva do
vocábulo germânico “Adalbert”, resultado da junção de “adal” (nobre” e “berth”
(ilustre, brilhante),que significava, portanto, “nobre ilustre, brilhante”.
Por outro lado, Albertina possui uma
dupla faceta: é inseto – mosca – e (quase) mulher. Na qualidade de mosca, ela
incomoda o poeta, como os insetos incomodam os humanos, perturba-o, compromete
a sua inspiração. “Albertina quer o poeta para si, / Quer sem versos o poeta.”
(vv. 16-17). Enquanto mulher, ela sedu-lo, o que quer dizer que, em simultâneo,
Albertina o afronta e seduz. E, apesar do apelo do sujeito poético para que ela
o deixe em paz e, assim, permita que ele se inspire e escreva, mesmo que de
forma imperfeita (“Que eu falhe neste papel” – v. 20), no “papel tão branco e
insolente” – personificação, onde o poeta sabe que existe um verso belo que
está, porém e de momento, ausente, pois falta-lhe a inspiração. O papel está “tão
branco” (atente-se na intensificação sugerida pelo advérbio «tão»), porque a
criatividade e a inspiração não surgem, logo o «eu» não cria, não escreve, e é “insolente”
(personificação), ou seja, o papel é atrevido e desafia-o a escrever.
O apelo intensifica-se no monóstico
correspondente ao verso 22: “ – Albertina! eu quero um verso que não há!...”.
No entanto, o inseto fica-lhe indiferente e, em vez de o inspirar, “Conjugal,
provocante, moreno e azulado”, levanta voo, esvoaça por ali e aterra
insultuosamente na folha de papel em branco. Atente-se na expressividade da
quádrupla adjetivação do verso 23, que acentua a atitude provocatória de
Albertina e sugere a existência de uma relação entre ambos marcada pela
conjugalidade.
Como consequência dessa atitude, que
o leva a abstrair-se ainda mais da criação poética, o poeta “sai de chofre” (v.
27), isto é, repentinamente, e sente-se “desalmado”, ou seja, desinspirado, “por
uns tempos” (v. 27).
À semelhança do que sucede com
vários outros poetas contemporâneos, Alexandre O’Neill reflete, neste poema,
sobre a arte poética, só que neste caso estamos na presença de uma arte poética
invulgar, dado que o ato de criação poética é aparentemente banalizado e
vulgarizado, através do recurso a um tom humorístico que percorre todo o poema,
da atitude do poeta e da forma como encara a inspiração.
Deste modo, Alexandre O’Neill
desconstrói humoristicamente, a imagem do poeta inspirado, desprovido das suas
faculdades de criação poética e nega, em simultâneo, a ideia do poeta como um
ser eleito, inspirado por natureza e produtor infindável e incansável de
poesia.
O processo é descrito num poema que
podemos dividir em três momentos. O primeiro situa-se entre os versos 1 e 11,
no qual o «eu» lírico retrata o poeta que reflete sobre o que escrever,
esperando a inspiração, que tarda. O segundo abrange os versos 12 a 26 e neles
é apresentada e caracterizada a mosca Albertina, que perturba o poeta, que a
tenta repelir, em vão. O terceiro momento diz respeito ao último verso e
retrata a “desistência” temporária do poeta, que abandona o espaço em que se
encontra, desmotivado.
segunda-feira, 19 de setembro de 2022
Análise do poema "O amor é o amor", de Alexandre O'Neill
O amor é apresentado como algo
intrínseco à natureza humana, algo absoluto e imaginativo, que oscila entre o
mundo real e o onírico: “O amor é o amor – e depois?” – v. 1). Atente-sena
repetição e interrogação presentes no verso 1, que mostram que o amor é algo
natural na existência humana. Por seu turno, a repetição, no verso 3, da
expressão «a imaginar» reforça a noção de que o amor é movido pela vertente emocional
do ser humano.
O «eu» poético está apaixonado e
deseja o contacto físico com a pessoa amada (“O meu peito contra o teu peito, /
Cortando o mar, cortando o ar”) por e com alguém que o faz sentir completo (“somos
um? somos dois?”). Observe-se a expressividade da construção paralelística do
verso 5, que realça o facto de o amor, para o sujeito poético, não possuir
barreiras e ter uma força invencível, que é capaz de superar qualquer
obstáculo, desafiando a própria natureza (representada, no verso, pelos
elementos «mar» e «ar»).
Por outro lado, o sujeito poético
exalta o poder que o amor tem sobre si, distinguindo que, apesar de,
fisicamente, haver dois corpos (“Na nossa carne estamos”), os seus espíritos
unem-se num só (“somos um? somos dois?”). Para que este sentimento seja
realizado, os amantes têm de ser livres e são-no(“Num leito / Há todo o espaço
para amar.”). Atente-se na enumeração do verso 9, que realça a liberdade que existe
entre o «eu» e o «tu» do poema.
A fusão metafísica de ambos os
espíritos apaixonados, depois da união física dos corpos, é perspetivada como o
auge do relacionamento amoroso entre amos (“E trocamos – somos um? somos dois?
/ espírito e calor!” – vv. 10-11).
sábado, 11 de setembro de 2021
Análise de "Perfilados de medo"
Este poema de Alexandre O’Neill está escrito na primeira pessoa do poema, remetendo assim para um universo alargado que inclui o sujeito poético, mas que está para além de si.
Este «nós»
vive num estado permanente de medo, desorientação e passividade, pois
conformou-se com a situação, incapaz de reagir. Esse estado de espírito
justifica-se pelo facto de haver forças que instilam o medo, o oprimem (“dentes
oprimidos”) e perseguem (“pelo medo perseguido”).
A primeira
estrofe assenta na antítese entre medo e coragem. O «nós» apresenta-se
«perfilado» de medo, contudo, ironicamente, agradece esse mesmo medo. Porquê?
Esse sentimento pode ter um lado positivo, pois impedirá que se cometam atos
corajosos de revolta, de insubordinação («loucura»), que poderiam acarretar consequências
graves. Só deste modo se pode compreender o agradecimento pela existência do
medo. Assim sendo, face ao medo, a coragem tem muito pouca valia.
O oxímoro e
a ironia do verso 4 são muito significativos: “e a vida sem viver é mais segura”.
Estes recursos, por um lado, sugerem que a existência do «nós» é uma vida em
que não lhe é permitido viver e ser livre; por outro lado, indiciam que uma
existência sem decisões, sem riscos é mais segura para esse coletivo.
A segunda
estrofe veicula uma visão temporal tripartida: passado, presente e futuro. No
presente, o nós, “Aventureiros já sem aventura”, combate fantasmas. Neste ato,
procura recuperar um estado passado (“Aventureiros”, “do que fomos”) em que não
vivia imerso no medo e pretende preparar um futuro em que viverá sem receio e
com confiança e livre. Os “fantasmas” referidos no verso 7 simbolizam o medo
sentido pelo «nós», mas, no verso 11, são o próprio «nós», ou seja, são as
pessoas, pois não vivem a sua vida: o medo transformou-os em espectros que não
têm existência consoante com o ser humano e os seus atos não têm consequências.
Na terceira
estrofe, o medo em silêncio, com angústia, transforma o «nós» em loucos, em
fantasmas. Ele encontra-se “sem mais voz” e com o “coração nos dentes oprimido”.
Ora, o coração é o espaço dos sentimentos e das emoções (a revolta, o desejo de
liberdade, a coragem, etc.); estando «oprimido», tal significa que as pessoas
estão silenciadas, não têm liberdade de expressão, não podem dizer o que
sentem; assim sendo, de facto, não têm voz.
A última
estrofe apresenta o nós como um rebanho perseguido pelo medo, indiciando que se
trata de um conjunto que perdeu a individualidade. Por outro lado, essas
pessoas perderam o sentido da vida e, apesar de viverem em comunidade (“já
vivemos tão juntos e tão sós”) cada um sente-se isolado.
Outro
recurso destacado no poema é a anáfora presente nos versos 1, 6 e 9 (“Perfilados
de medo”), que reforça a ideia de que o «nós» vive «sem viver», devido ao medo;
vive de forma mecânica, devido ao medo; vive-se a vida em silêncio, sem
questionar a realidade que se «vive», devido ao medo. Em suma, as pessoas não vivem
plenamente, devido (sempre) ao medo.
A
compreensão da mensagem do poema não pode ser desconectada do contexto em que
foi produzido. Com efeito, ele surgiu pela primeira vez na obra Poemas com
Endereço, publicada em 1962, isto é, em pleno regime ditatorial de Salazar –
o Estado Novo, caracterizado por um ambiente de medo, perseguição e opressão
que se abateu sobre o povo português, que viveu décadas sem liberdade, em
constante medo e oprimido pelo tal regime.
Em suma, o
texto revela a oposição do poeta a uma forma de estar medrosa por parte dos
portugueses, por isso podemos considerar que se trata de um panfleto contra o
espírito conformado dos portugueses, que O’Neill abomina.
Formalmente,
o poema é um soneto constituído por 2 quadras e 2 tercetos, num total de 14
versos, todos decassilábicos. A rima é cruzada e emparelhada (de acordo com o
esquema abab / baba / cdc / dcd), consoante (“loucura”/”segura”), pobre
(“combatemos”/”seremos”) e rica (“voz”/”nós”).