Português: 04/06/22

sábado, 4 de junho de 2022

A ação de O Delfim


             Antes de mais, convém distinguir entre ação e intriga. A primeira pode ser considerada como a sucessão de factos e acontecimentos em que as personagens participam, enquanto a segunda consiste na organização dos elementos narrativos, de modo a criar um enredo que se desenvolve segundo uma relação de causa-efeito.

            Feita a distinção, poderemos considerar que a intriga de O Delfim é uma história de adultério e de morte: o adultério de Maria das Mercês e Domingos e a morte de ambos. Esta história, porém, não é o motivo da narrativa. Note-se, por outro lado, que a versão oficial dos acontecimentos é conhecida somente pelo Regedor e pelo Padre Novo e nunca é divulgada, pois há a tendência para considerar o oficial como sinónimo de verdadeiro, e não é a verdade o que Cardoso Pires pretende esclarecer com a sua obra.

            Se se estabelecesse uma verdade, o leitor tranquilizar-se-ia, prestando talvez menos atenção aos factos, aparentemente secundários, que envolvem a ação. Note-se, todavia, que é precisamente nesse segundo plano da narrativa que se encontra a ação principal. Qual é ela? A decadência do regime feudal imposto pela personagem Palma Bravo e a consequente transição do simbólico poder da lagoa para os Noventa e oito. É essa a ação principal do livro.

Explicação do título de O Delfim


            O nome «delfim» pode significar várias coisas:

• animal da família dos golfinhos;

• filho varão;

• senhor feudal da França; Luís XV;

• peça do jogo de xadrez: bispo.

            Para compreendermos o seu significado, temos também de prestar atenção às palavras do próprio narrador da obra, que nos diz o seguinte: “Depois, se quisesse escrever, passaria apenas o dedo na capa encarquilhada do livro que o acompanha (ou numa tábua de relíquia, ou numa pedra) e sulcaria o pó com esta palavra: Delfim. Seria uma dedicatória. Um epitáfio, também. Seis letras que, de qualquer maneira, não teriam mais do que a justa e exata duração que a poeira consentisse até as cobrir de novo.”

            A partir do excerto, podemos concluir que o título da obra é «pó que ao pó há de voltar”, é dedicatória e epitáfio que se resume a seis letras.

            Por outro lado, o título é profundamente irónico, dado que o termo «delfim» remete para a ideia de uma personagem que é uma espécie de príncipe, mas uma pessoa podre por dentro, isto é, com uma aparência exterior esplendorosa, mas a apodrecer por dentro. O «delfim» é um engenheiro, uma espécie de latifundiário parasita, um «playboy» que passeia o seu automóvel de marca, que é muito rico e sustentado pelo regime, mantendo, por exemplo, os seus trabalhadores reprimidos. Em suma, a obra coloca-nos perante o retrato de uma pessoa que, no fundo, é um país: Portugal.

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