Português: 06/09/22

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Biografia / Vida de Aquilino Ribeiro


             Aquilino Ribeiro nasceu em Sernancelhe, freguesia de Carregal de Tabosa, distrito de Viseu, na Beira Alta, a 13 de setembro de 1885 e faleceu em Lisboa, a 27 de maio de 1963, após uma doença rápida, tendo os seus restos mortais sido trasladados para o Panteão Nacional em setembro de 2007, 44 anos após a sua morte. Era filho de Mariana do Rosário Gomes e do padre Joaquim Francisco Ribeiro e teve uma infância, ao que se sabe, de uma criança bastante travessa, a tal ponto que ainda recentemente era possível encontrar nessa zona quem tivesse ouvido contar histórias picarescas de um menino destinado pela família à vida de sacerdócio.

            A sua vida, tal como a de muitas das personagens a que deu vida, foi movimentada e aventurosa. Aos 10 anos, mudou-se com os pais para a aldeia de Soutosa, concelho de Moimenta da Beira, onde passou grande parte da infância. Estudou na escola de Soutosa e, seguidamente, no Liceu de Lamego, onde fez os estudos preparatórios, mais tarde em Viseu, em 1902, onde estudou Filosofia e Teologia. A pedido da sua mãe, entrou para o Seminário de Beja, onde fez apenas o primeiro e parte do segundo ano de Teologia, dado que não vocação religiosa. Em 1904, foi expulso do seminário, depois de ter dado uma réplica cortante a uma acusação do Padre Manuel Ançã, um dos dois irmãos que dirigiam a instituição na época.

            Em 1906, encontramo-lo em Lisboa, onde inicia a sua longa carreira de jornalista, com artigos de opinião (e princípio de um romance em folhetins – A Filha do Jardineiro) publicados em jornais como A Vanguarda, uma publicação republicana, o Jornal do Comércio, O Século (do qual foi, mais tarde, correspondente em Paris), A Pátria, Ilustração Portuguesa e o Diário de Lisboa. Dedicou-se também à tradução (traduziu, por exemplo, Il Santo, de Fogazzaro) e à redação, em colaboração com José Ferreira da Silva, do folhetim A Filha do Jardineiro, uma ficção simultaneamente de propaganda republicana e de crítica corrosiva às figuras do regime monárquico, incluindo o próprio rei D. Carlos. Além disso, foi um dos fundadores da Seara, onde também colaborou, escreveu em revistas como Homens Livres e Lusitânia e, juntamente com outros intelectuais seus amigos, entre os quais Raul Proença, constituiu-se como um dos animadores da publicação do Guia de Portugal.

            Verdadeiro homem de ação, um tipo social muito exaltado no início do século XX, aderiu ao movimento republicano, pelo qual se bateu, quer através da escrita, quer através da participação em iniciativas que acabaram por o levar à prisão. De facto, em 1907, foi acusado de bombista por causa do rebentamento de uns caixotes de explosivos que guardara no seu quarto e que levaram à morte de dois correligionários seus e detido na esquadra do Caminho Novo por fazer parte do Partido Republicano, de onde se evadiu em circunstâncias recambolescas, como se pode ler num volume de memórias. Chegou mesmo a correr um boato segundo o qual Aquilino teria sido, em 1908, a «terceira carabina», aliás inútil, já que os dois regicidas tinham levado a cabo a sua função de forma exemplar. Fugiu, portanto, da prisão e, após alguns meses de clandestinidade em Lisboa, refugiou-se em Paris, tendo frequentado na Sorbonne o curso de Filosofia e Sociologia. Aí, foi ensinado por mestres como George Dumas, André Lalande, Levy Bruhl e Durckeim, e contactou com a intelectualidade portuguesa que, igualmente por razõees políticas, se exilara fora de Portugal. Além disso, conheceu Grete Teidemann, a sua primeira mulher, com quem foi residir e casou na Alemanha, tendo o seu primeiro filho nascido, porém, em Paris. Visitou brevemente Portugal em 1910, depois de proclamada a República, tendo regressado em definitivo no ano de 1914, depois da eclosão da Primeira Guerra Mundial, deixando incompleto o curso de Filosofia, que abandonou já depois de se ter matriculado no quarto ano, como se pode comprovar pela consulta dos registos guardados no Centre d’Accueil et de Recherche des Archives Nationales de Paris.

            Em Portugal, nunca descurando o seu trabalho de escritor (escrita ficcional e cronística para a imprensa periódica, uma atividade que desenvolveu de forma regular ao longo de toda a vida), exerceu a carreira de professor no Liceu Camões durante três anos e foi, posteriormente, segundo bibliotecário – mais tarde conservador – na Biblioteca Nacional, para onde entrou a convite do amigo Raul Proença. Esta função, entre outras vantagens, deu-lhe a possibilidade de alimentar o seu amor pelos livros antigos e raros, um gosto que o levou a produzir trabalhos de investigação, publicados, por exemplo, nos Anais das Bibliotecas e Arquivos, e que se refletiu também na sua produção literária, de que é exemplo o seu primeiro romance, A Via Sinuosa. Além disso, como já foi referido anteriormente, fez parte de um grupo de intelectuais que desenvolveu uma significativa atividade cívica e cultural que teve a sua expressão mais visível na revista Seara Nova, uma publicação importantíssima quer na difusão dos ideais republicanos, quer na evolução da conturbada vida política da Primeira República.

Foi demitido do cargo de bibliotecário em 1927 novamente por razões políticas. Desta vez, participou na revolta frustrada contra a ditadura militar que, entretanto, fora instaurada no país após o golpe de 28 de maio de 1926. Fugiu para a Beira Alta e, em seguida, refugiou-se de novo em Paris – segundo exílio. Quando, clandestinamente, regressou a Portugal, escondeu-se em Soutosa. Entrementes faleceu a sua esposa. Em 1928, voltou a participar numa iniciativa antirregime (o chamado movimento do regimento de Pinhel), mas foi capturado e levado para a prisão do Fontelo, em Viseu, um edifício que ainda hoje pode ser visto na cidade. Na companhia de António Mota, conseguiu voltar a evadir-se serrando as grades do cárcere enquanto numa grafonola tocava um disco para abafar o som. Escondeu-se nas serranias beiroas e encetou uma difícil jornada que o levou de novo a Paris – terceiro exílio. Na capital francesa, casou em segundas núpcias [a primeira esposa havida falecido em 1927] com D. Jerónima Dantas Machado, filha do presidente da República Bernardino Machado, também homiziado aí depois de deposto por Sidónio Pais, e foi viver com ela para o Sul de França (Ustaritz e Baiona, onde, em 1930, lhe nasceu o primeiro filho do casal e o segundo de Aquilino). Enquanto isso, em Lisboa, em 1929, foi julgado e condenado à revelia. Viveu depois em Vigo e em Tui, cidades espanholas, até regressar clandestinamente a Abravezes, Viseu. Acabou por ser amnistiado em 1932, tendo ido residir para Cruz Quebrada.

            Acalmados os seus instintos revolucionários, embora tenha continuado a participar em ações críticas da ditadura salazarista, Aquilo Ribeiro pode, então, dedicar-se plenamente à escrita, prosseguindo a sua produção ficcional, o trabalho de tradução, o trabalho ensaístico (latu sensu) e a colaboração na imprensa, além das suas lendárias idas ao Chiado, ao final da tarde, para tertúlias à porta da Bertrand, a sua editora. Literariamente, nunca abdicou da originalidade nem alinhou com nenhum dos movimentos literários do seu tempo, desde o Modernismo (pela leitura de algumas cartas de Fernando Pessoa, ficamos a saber que Aquilino era apreciado pelo poeta) ao Presencismo, que o criticou fortemente, em especial José Régio (críticas essas publicadas em grande número na revista do movimento, a Presença), passando pelo Neorrealismo. Como foi indiciado atrás, não obstante a acalmia que a sua vida conheceu nesta época, o escritor jamais abdicou da sua consciência cívica e política, tendo continuado a criticar o regime, aderido ao MUD (Movimento de Unidade Democrática), publicado textos na imprensa diária de defesa da causa, apoiado a campanha presidencial de Norton de Matos, integrado, juntamente com outras figuras do saber, a Comissão Promotora do Voto e militado na candidatura do general Humberto Delgado à presidência da República, em 1958.

            Em 1933, o conjunto de novelas As Três Mulheres de Sansão foi galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros, atribuído pela Academia das Ciências de Lisboa, e, em 1935, foi eleito sócio correspondente desta instituição, da qual se tornou sócio efetivo em 1957. Ao seu ativismo político soma-se a tenacidade com que, durante mais de duas décadas, lutou pela agregação forma e institucionalizada dos escritores até conseguir criar, apesar das forças políticas contrárias, a Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1956, de que foi fundador, o primeiro presidente eleito e o sócio n.º 1. No ano seguinte, a Livraria Bertrand iniciou a edição das Obras Completas. Em 1959, foi publicado o romance Quando os Lobos Uivam, que, por causa do seu conteúdo incómodo para o poder político, que o considerou injurioso das instituições do poder, foi apreendido e o escritor processado, no entanto, em 1960, o processo foi amnistiado. Nesse mesmo ano, um grupo de intelectuais (entre os quais Francisco Vieira de Almeida, o proponente, José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Joel Serrão, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira como subscritores) candidatou Aquilino Ribeiro ao Prémio Nobel da Literatura. Todos estes factos, juntamente com as homenagens que recebeu no Brasil quando lá se deslocou em 1952, o movimento de defesa que se gerou em seu torno a propósito da já citada publicação de Quando os Lobos Uivam (além da defesa formal, da responsabilidade do advogado Heliodoro Caldeira, o escritor recebe o apoio de cerca de três centenas de intelectuais portugueses, que elaboram um abaixo-assinado pedindo o arquivamento do processo e François Mauriac redigiu uma petição em seu amparo que foi assinada por figuras como Louis Aragon e André Maurois, além de ter sido publicado em vários jornais e revistas franceses) atestam o enorme prestígio que Aquilino Ribeiro possuía.

            No momento em que se preparava, nomeadamente através da Sociedade Portuguesa de Escritores, uma homenagem pública nacional, promovida por várias cidades e tendo por base a celebração do cinquentenário da publicação da obra Jardim das Tormentas, o escritor adoeceu repentinamente, vindo a falecer no Hospital da CUF a 27 de maior de 1963.

 

Bibliografia

AA. VV., Retratos para Aquilino, Câmara Municipal de Paredes de Coura, 2000.

ALMEIDA, Henrique, Aquilino Ribeiro e a Crítica, Porto, Edições Asa, 1993.

CENTRO DE ESTUDOS AQUILINO RIBEIRO (ed.), Cadernos Aquilinianos.

INSTITUTO PORTUGUÊS DO LIVRO (coord. Eugénio Rosa), Dicionário Cronológico de Autores Portugueses.

MALPIQUE, Cruz, Aquilino. O homem e o escritor. Porto. Divulgação, 1964.

MARTINS, Serafina, Aquilino Ribeiro, Instituto Camões.

MALPIQUE, Cruz, Aquilino. O homem e o escritor. Porto. Divulgação, 1964.

 

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