● Estrutura interna
• 1.ª parte (ll. 1-7) – Contextualização do episódio a
narrar na estrutura global da obra.
▪ O narrador, no primeiro parágrafo, dirige-se ao
leitor/ouvinte (“que havees ouvido”), convocando-o para o texto e para os
acontecimentos que vai narrar:
- referência ao episódio anteriormente relatado: “Nem uu
falamento deve mais vizinho seer deste capitulo que havees ouvido” [referência
ao capítulo anterior, no qual Fernão Lopes descreveu o acampamento castelhano];
- referência ao assunto deste capítulo: as circunstâncias em
que se encontrava Lisboa quando o rei de Castela a cercou (“de que guisa estaca
a cidade, jazendo el-Rei de Castela sobr’ela…”);
- os preparativos do Mestre e da população para a
defesa da capital (“per que modo poinha em si guarda o Meestre, e as gentes que
dentro eram, por nom receber dano de seus emigos”);
- atitudes dos intervenientes: o esforço, a determinação e a
coragem demonstrados pelo povo (“fonteza que contra eles mostravom”).
• 2.ª parte (ll. 8-118) –
Preparativos para a defesa de Lisboa – gentes, medidas sociais e militares
tomadas para enfrentar o cerco.
▪ Alimentação: no segundo parágrafo, o cronista relata
que o Mestre determinou que fosse recolhido o máximo de mantimentos possível e
que os trouxessem para dentro das muralhas:
- recolha de víveres (pão, carnes e outros alimentos);
- transporte de gado morto em embarcações desde as lezírias;
- salga dos víveres/da carne.
▪ Ainda no segundo parágrafo, Fernão Lopes dá conta da reação
distinta das pessoas ao cerco: um grupo decidiu apoiar o Mestre e
refugiou-se dentro das muralhas (“muitos lavradores com as molheres e filhos”;
“e doutras pessoas da comarca d’arredor”); outro abandonou Lisboa e refugiou-se
entre Setúbal e Palmela, levando consigo os seus bens; um terceiro apoiou
Castela e deslocou-se para as localidades que estavam sob seu domínio (“e taes
i houve que poserom todo o seu, e ficarom nas vilas que por Castela tomarom
voz.”).
▪ Linguagem e estilo (2.º
parágrafo):
- metonímia: refere-se aos
habitantes que tomaram partido / apoiaram D. Beatriz e o rei de Castela;
- coloquialismo (“Onde sabee”):
uso da 2.ª pessoa do plural e conectores aditivos – cativa e
aproxima o leitor dos factos narrados;
- adjetivação expressiva: «grande
e poderoso cerco» – intensifica a dimensão e a força do cerco castelhano,
sugerindo a valentia e a excecionalidade de quem lhe resistir – exaltação dos
Portugueses.
▪ A partir do terceiro parágrafo,
o cronista relata o que foi feito para defender a cidade de Lisboa:
a. Muros:
- reparação e fortificação dos muros;
- construção de caramanchões de madeira
nas torres;
- apetrechamento das torres com armas
(lanças, bacinetes, armaduras, catapultas, etc.);
- distribuição da guarda dos muros
pelos nobres e burgueses, apoiados por grupos de soldados armados;
- estabelecimento de um sistema de
alarme em cada quadrilha: o repicar de um sino lá colocado (sempre que os
vigias ouviam tocar o sino, dirigiam-se rapidamente para a secção de uma
muralha que estavam incumbidos de proteger, bem como pessoas das outras torres
e a restante população;
- colocação de vigias noturnos nas
torres;
b. Portas da cidade:
- manutenção de 12 das 38 portas da
cidade abertas todo o dia, guardadas por soldados;
- controlo apertado das entradas e
saídas (por elas não passava ninguém, mesmo conhecido ou «importante», sem que
apresentasse uma razão para entrar ou sair);
- distribuição da guarda noturna de
algumas portas: as chaves de algumas portas/casas eram guardadas à noite e
recolhidas no Paço; outras eram entregues a pessoas de confiança, para as
poderem abrir de noite no sentido de passarem os batéis que transportavam
mantimentos para a cidade; junto à porta de Santa Catarina havia sempre uma
casa destinada ao tratamento dos feridos – uma espécie de hospital de
campanha atual, visto que, nessa zona, eram frequentes os confrontos entre
portugueses e castelhanos, dado que era a mais próxima do acampamento inimigo.
c. Ribeira:
- construção de duas cercas de estacas
(duas estacadas “grandes e fortes”, feitas “de grossos e valentes paus”), uma
desde o mar até à cidade e outra junto ao mosteiro de Santa Clara, que não
permitiam a passagem de cavalos e homens a pé sem que tivessem de subir para
cima delas, o que seria muito perigoso – entre as estacas, havia espaços que
permitiam aos batéis abrigar-se, se fosse necessário;
- montagem do acampamento junto a uma
das cercas;
- construção de um muro exterior ao
acampamento [a barbacã] desde a porta de Santa Catarina até à torre de Álvaro
Pais, que não estava ainda concluída.
▪ Na defesa da cidade estavam
envolvidas todas as classes sociais, cada uma desempenhando um papel
específico: os senhores e capitães eram responsáveis pelas bandeiras de S.
Jorge; os fidalgos e cidadãos honrados guardavam as muralhas; os clérigos e os
frades guardavam as torres que lhes tinham sido confiadas; as moças apanhavam
pedras para construir a muralha exterior, cantavam de forma provocatória,
ameaçando os castelhanos com o mesmo destino que tiveram o Conde Andeiro e o
bispo de Lisboa.
▪ Papel do Mestre de Avis – retrato de um líder
(7.º ao 9.º parágrafo)
• Define os responsáveis pela defesa e proteção das muralhas,
mas também se envolve pessoalmente na defesa da cidade à noite, inspecionando
os muros e torres.
• Dorme pouco, vê todas as suas ordens serem cumpridas de
forma diligente, mostrando toda a sua capacidade de liderança.
• É diligente relativamente à organização da defesa da cidade.
• Possui capacidade tática: antecipa os movimentos do
adversário.
• Possui capacidade de liderança e de motivação (repartição
da guarda dos muros e das portas dos homens de valor e de confiança).
• Mostra ser organizado, preocupado, solidário e cauteloso.
• Pensa em todos os todos os pormenores (por exemplo, a
criação do “hospital de campanha”, a proteção da margem do rio, por onde os
castelhanos poderiam atacar).
▪ A cantiga entoada pelas moças que apanham pedras é
uma provocação aos castelhanos, pois alude às mortes do Conde Andeiro e do
bispo de Lisboa.
• 3.ª parte (ll. 119 a 125) – Conclusão:
comentário apreciativo dos acontecimentos relatados, com destaque para a atitude
de solidariedade e para a coragem dos intervenientes.
▪ Fernão Lopes destaca o caráter
excecional da resistência ao cerco, perante a superioridade das tropas
castelhanas (o cronista fala em cerca de 31 mil castelhanos e 6500 portugueses,
mas é possível que estes números não sejam verdadeiros e constituam uma forma
de enaltecer a valentia dos portugueses).
▪ Os elogios dirigidos aos
castelhanos, exaltando as qualidades do seu rei (“U utam alto e poderoso senhor
com el-Rei de Castela…”) e das suas tropas (“com tanta multidom de gentes assi
per mar come per terra, postas em tam grande e boa ordenança…”) realçam a
coragem e a soberania moral dos portugueses, que os venceriam.
● Atores / personagens
• Ator individual – Mestre de Avis (vide
caracterização da personagem).
• Atores coletivos
- Lavradores: classe social caracterizada por
diferentes pontos de vista (a favor dos portugueses vs. a favor dos
castelhanos) e atitudes (coragem e empenho na defesa da cidade vs. cobardia /
fuga).
- Nobres, burgueses e soldados (besteiros e homens de armas): são
caracterizados pelo empenho ativo na defesa da cidade (responsabilidade pela
guarda de muros e de portas da cidade.
- Raparigas do povo: contribuem para a defesa da cidade
(recolha de pedras), articulada com a alegria do canto provocatório, sugerindo
um clima de solidariedade, confiança e bem-estar.
- Clérigos: indo contra a vontade do povo,
também pegam em armas e lutam.
- Povo:
- o povo de Lisboa manifesta-se
contra a influência castelhana;
- é patriota, identificando-se,
respeitando e admirando o Mestre de Avis, o que o leva a lutar bravamente
contra o inimigo;
- é diligente, rápido e eficaz a
cumprir as ordens do Mestre, por exemplo relativamente à recolha de alimentos;
- participa coletivamente na defesa
das muralhas; todos participam na defesa da cidade – é a identidade nacional
que se está a construir;
- suporta as duras condições do
cerco;
- é corajoso, valente e determinado
(exemplo: a cantiga das moças);
- mostra-se organizado durante o
processo de recolha e conservação de alimentos;
- revela grande prontidão na forma
como todos respondem ao toque do sino, enchendo as muralhas;
- é prudente, pois “muitos lavradores
com as molheres e filhos, e cousas que tinham” acorrem a acolher-se em Lisboa.
● Linguagem e estilo
• Coloquialismo:
a) Interpelação do leitor /
narratário, recorrendo à 2.ª pessoa do plural: “que havees ouvido”;
b) Uso do verbo «ouvir»,
sugerindo a interação oral (apesar de se tratar de um texto escrito): “que
havees ouvido”);
c) Reprodução de cantigas populares;
d) Emprego da frase exclamativa: “Ó
que fremosa cousa era de veer!”.
• Visualismo e dinamismo:
a) Pormenorização dos factos:
38 portas, etc.:
b) Sensações (visuais,
auditivas…);
c) Recurso à enumeração gradativa (bem
como do polissíndeto e da conjunção coordenativa copulativa):
“lanças e dardos e bestas de torno, e doutras maneiras com grande avondança de
muitos viratões”;
d) Emprego da comparação com
função de concretização (por exemplo, a comparação entre os portugueses e os
filhos de Israel da época do profeta Neemias. Esta comparação visa exacerbar as
qualidades dos portugueses que, simultaneamente, cuidavam da defesa da cidade e
repeliam os ataques dos inimigos.);
e) Uso abundante de adjetivos;
f) Predomínio de formas verbais
no presente e no pretérito imperfeito.
Análise de outros capítulos: