Como os
gregos, o público isabelino e jacobino frequentava o teatro para ver peças que
já tinham visto várias vezes ou que se baseavam em histórias tão familiares para
ele quanto as histórias das suas próprias famílias. Assim, Shakespeare baseou o
seu Hamlet numa popular saga escandinava que existia há mais de cem anos
e que atores de toda a Europa haviam representado em anteriores manifestações à
década de 1550.
Em Newington
Butts, um antigo vilarejo, The Lord Chamberlain’s Men (uma companhia
teatral para a qual Shakespeare escreveu durante a maior parte da sua carreira)
representou uma peça anterior cuja temática era a vingança, dirigida por
Henslowe, em 9 de junho de 1594. Os estudiosos designam habitualmente este Hamlet
e Ur-Hamlet e acreditam que o seu autor seja Thomas Kyd, um brilhante
dramaturgo contemporâneo de Shakespeare. Não é conhecida qualquer cópia do Ur-Hamlet
nem evidências concretas de que Kyd realmente escreveu a peça, contudo a
história de Hamlet apresenta grandes semelhanças com a obra-prima de
Kyd, The Spanish Tragedy, que múltiplos críticos acreditam ser uma
versão aperfeiçoada do Ur-Hamlet.
Crê-se, por
outro lado, que tanto Kyd como Shakespeare terão lido Historia Danica,
da autoria de Saxo Grammaticus por volta de 1200, uma antologia de lendas e
mitos de origem nórdica, traduzida e popularizada em língua francesa por
Belleforest em 1570. Thomas Pavier publicou uma tradução em inglês da versão de
Belleforest da história de Hamlet em 1608, sob o título The Hystorie
of Hamlet.
No reconto
de Belleforest da velha história, que tem lugar nos dias anteriores à chegada do
Cristianismo à Dinamarca ou à Inglaterra, o público conhece o assassinato do
rei Hamlet e o novo monarca afirma que o matou enquanto agia em defesa da
rainha. Hamlet é um jovem que só pode fingir cuidar de si mesmo. Embora admire
a verdade, não consegue ver além do seu espírito vingativo e exibe uma
crueldade extrema. Nessa versão, Hamlet vai para a Grã-Bretanha, onde se casa e
vive com a sua esposa, a filha do rei inglês, durante um ano. A notícia da
morte de Hamlet chega ao rei da Dinamarca, que dá uma festa para comemorar,
porém ele aparece quando a festividade começa, embebeda a corte e incendeia o
palácio, matando imediatamente o rei.
A peça em
que Shakespeare baseou Hamlet era um conto sangrento pleno de som e de
fúria com conotações cruas e selvagens. Embora o derramamento de sangue
permaneça na peça do autor de Romeu e Julieta, a realidade é que ele
refinou o texto, tornando-o poético e cheio de reflexões sobre o significado da
vida, da morte, da eternidade, dos relacionamentos, da hipocrisia, da verdade,
da existência de Deus e quase tudo o que diz respeito à humanidade. No entanto,
o facto de a personagem do Hamlet de Shakespeare ser mais refinada cria
um problema para quem fosse representar a peça.
Shakespeare
escreveu a peça de vingança “standard”, mas de uma forma totalmente nova. A
tragédia de vingança era muito popular na época do dramaturgo e girava em torno
de um herói que estava destinado a vingar um erro. Tal como os seus modelos da
tragédia romana de Séneca, os heróis e vilões eram dramaticamente loucos, melancólicos
e violentos. As peças eram gráficas e sangrentas. Shakespeare, sendo um pensador
original, refinou a sua obra, criando novas tensões e redimensionando algumas
das velhas questões.
Se a obra
fosse uma verdadeira peça de vingança, Hamlet teria agido mais cedo, ou seja,
teria liquidado o rei no início, com o resto da peça elaborando sobre o que
aconteceu após a morte de Cláudio. Ao não agir com mais celeridade, Hamlet
leva-nos a refletir sobre a sua verdadeira motivação. Ele tem todas as
oportunidades de matar o rei desprotegido, mas Cláudio vive. Os obstáculos que
impedem o homicídio não são físicos, o que constitui um problema para os
críticos e intérpretes. Eles dependem largamente da cultura de onde o intérprete
provém; obstáculos que parecem óbvios para os leitores/públicos modernos nunca
ocorreram aos do século XVI.
O dramaturgo
escreveu para um público que tanto assistia às suas peças como a lutas de ursos
ou a execuções públicas. Não se tratava de um público intelectual; apenas
desejava observar um protagonista a agonizar com palavras bonitas e insinuações
sexuais sobre o dilema humano.