Português: Olavo Bilac
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sábado, 10 de setembro de 2022

Análise do poema "In Extremis"


     Não é um soneto, que é a forma privilegiada do Parnasianismo, mas possui algo característico desse movimento: gosto pelos títulos em latim. O Parnasianismo volta-se para as formas clássicas em busca do seu equilíbrio. A própria ideia do escultório tem a ver não com a grandiosidade, mas com o equilíbrio. O título está por conta desse gosto pelos clássicos.
    Este poema, pelo contrário, não mostra equilíbrio, mas o desenrolar de diversas emoções. Bilac não se consegue conter nos limites do equilíbrio parnasiano. As emoções são traduzidas através do contraste entre o exterior da paisagem e o seu interior.
    A morte é fruto da imaginação e daí advém a grande proposta que contraria o Parnasianismo: a paisagem suscita uma emoção no poeta: "Nunca morrer num dia / Assim de um sol assim". A paisagem interior é imaginada a partir do exterior.
    Além do contraste, há outras formas de mostrar a emoção: pontuação, repetição de vocábulos, gradação. Apesar disso, há o gosto parnasiano pela descrição objetiva da paisagem. Apesar deste descritivismo, o poeta emociona-se e imagina algo que pudesse acontecer.
    Bilac, embora muito parnasiano, é um parnasiano onde o sentimento e uma certa sensualidade começam a aflorar. Mas é uma sensualidade deslocada e mórbida: "Tu, desgrenhada e fria...". Mas o que escolhe para falar do mórbido é o beijo, o que é uma valorização sensual do mórbido. Isto acontece, porque a estética parnasiana no Brasil convive já com a estética do Decadentismo simbolista. Daí encontrarmos no Parnasianismo penetração do Simbolismo decadentista e neste, com em Cruz e Sousa, penetração do Parnasianismo.
    Bilac convive, assim, com o movimento de fim de século, que é o Simbolismo decadentista. Este movimento procura uma exacerbação do Parnasianismo, a palavra rara. O Parnasianismo procurava a melhor palavra, enquanto o Simbolismo busca a palavra rara, não pela sua precisão, mas pela sua imprecisão, pois é aquela que não é muito conhecida e, por isso, apenas sugere algo das pessoas. Os simbolistas vão entrar nesta inexatidão e sugestão através das palavras raras.
    Usam outras formas que não o soneto, pois não pretendem que os seus poemas caibam numa forma. Usam também as reticências, exclamações, pois serão a base da sugestão. Procurando contrariar o espírito parnasiano, vão gostar muito das paisagens interiores e exteriores, mas em vez de descrevê-las, vão sugeri-las. Daí a frase sem verbo.
    O Simbolismo decadentista vai ser o reflexo de toda a deceção, do esvaziamento da euforia para com a ciência (visível no Fradique de Eça). Abel Botelho, Teixeira Queiroz fazem romances como teses científicas, mas neles deixam perpassar um certo desencanto. A poesia do fim de século caracteriza-se pela inércia.

domingo, 4 de setembro de 2022

Análise do poema "Profissão de fé", de Olavo Bilac


     Este poema é, no fundo, a «ars poetica» do Parnasianismo, cuja ideia básica de burilar a forma se encontra presente logo na epígrafe. É uma poesia racional, porque não é uma poesia inspirada, uma poesia que brota da alma. Fala-se em racionalização e trabalho intelectual.

    As imagens que aparecem estão ligadas ao divino pagão ou ao campo semântico do trabalhar o mármore ou o ouro. Predominam as imagens do campo semântico do artesanato, da arte escultória. As próprias divindades estão presentes, não como entidades, mas como esculturas. Chega a estabelecer-se uma oposição entre o trabalho épico e o trabalho do ourives, que ele inveja.

    Com efeito, Olavo Bilac era um poeta parnasiano, tão dotado que foi apelidado pelos seus contemporâneos e pelos críticos de «O príncipe dos poetas brasileiros». O título do poema relaciona-se com o facto de o texto apresentar o crédito estético do poeta. A expressão «profissão de fé» é de origem religiosa e é usada sempre que a Igreja católica recebe um novo membro no seu seio, constituindo ainda hoje um dos passos da chamada catequese, em cuja cerimónia o padre questiona esse novo membro se aceita Jesus Cristo como seu único senhor e salvador. Quando aceita, a pessoa faz, assim, a sua profissão de fé pública.

    Qual é a relação deste culto religioso com a escrita, com a poesia? Um poeta, quando apresenta o seu crédito estético, comunica ao seu leitor tudo aquilo em que acredita como essencial à sua atividade poética. No caso concreto do poema de Olavo Bilac, a profissão de fé estabelece um paralelismo entre o ateliê de um escultor, a oficina de um ourives e o escritório de um poeta, estabelecendo, assim, uma analogia entre três profissões. Porém, antes de levar o leitor a visitar a sua oficina de escritor, ocupa-se com a descrição da oficina das outras duas atividades. 

    Por outro lado, um dos temas abordados ao longo da composição poética é a língua portuguesa, que o poeta trata como uma deusa. Assim, ao referir-se-lhe, trata-a como alguém que a celebra diante de um altar, o que significa que o poema contém vários referências religiosas, exemplificadas pelas ideias de altar, de fé, de crença, de divindade, de celebração, etc. Neste sentido, o título é outro elemento de religiosidade.

    Enquanto parnasiano, Olavo Bilac introduz no poema elementos clássicos, entre os quais se destaca a mitologia, como atrás foi referido, ou determinado vocabulário, ou a inversão da ordem natural das palavras na frase (hipérbato ou anástrofe: «que outro a pedra corte», em vez de «que outro corte a pedra»).

    Mas qual é a ideia central do tal credo estético do poeta? Simplesmente, a escrita é trabalho, é esforço. Sem isto, não há escrita que tenha qualidade. Para demonstrar a sua «tese», o poeta vai comparar as ferramentas do escultor (o martelo, o camartelo, uma ferramenta mais pesada, pois destina-se a cortar o mármore) e do ourives (o cinzel, uma ferramenta mais delicada, vista que se destina a trabalhar pedras preciosas) à pena do escritor. Assim, ele recusa o material pesado, a construção grandiosa, monumental do ponto de vista física, preferindo aproximar a técnica do escritor aos elementos estéticos do ourives. É por isso que ele compara, de um lado, a oficina do escultor e, do outro, a oficina do ourives. Deste modo, procura mostrar que o material e as ferramentas são diferentes consoante a profissão que se exerce e o trabalho que tem de se executar.

    Além do trabalho em pormenor, que irá levar Gonçalves Crespo a chamar ao seu livro Miniaturas, Bilac quer ainda pedras raras e pequenas, como o cristal ou o ónix. É um escultório minucioso, daí que compare a pena do escritor ao cinzel do escultor. Ele imagina que a escrita é uma forma para vestir a ideia. É a velha oposição forma/conteúdo, com predomínio da primeira. É, de facto, um grande trabalho artesanal tentar colocar as ideias dentro dos limites do soneto. São várias as palavras ligadas ao campo da escultura: «pedra», «mármore», «cinzel», «ónix», «cristal», «prata», «lima, torce, aprimora, alteia», «ouro», «rubi». É esse fino trato, a elegância da delicadeza estética que o «eu» poético pretende aproximar à poesia. Mais: ele deseja sustentar-se no zelo, no tecnicismo, na minúcia do ourives para criar poesia.

    O «eu» poético começa o poema rejeitando a eloquência da arte clássica, os temas, os materiais, nomeadamente da grega. Que outro opte por isso e trabalhe dessa forma, com esse material, adote esse tipo de estética. Ele não. De seguida, afirma sentir inveja do ourives quando escreve, isto é, a sua técnica, que deseja para si e para a sua escrita, e declara que o imita. Abandona o mundo do Classicismo e abraça o que é característico da ourivesaria. É neste ponto que entra a comparação entre a pena, o seu instrumento de trabalho, e o cinzel do ourives: enquanto escritor, ele irá usá-la como o este último usa o cinzel. E desenvolve-a da seguinte forma: a pena corre, desenha, enfeita a imagem (metáfora), veste a ideia (outra metáfora), escreve com tinta azul ("Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem / Azul-celeste"), torce (como o ourives torce o metal, isto é, dá a forma à joia, como a pena dá a forma às letras). Ao terminar ("e enfim"), no «verso de ouro» (o último verso de um soneto clássico), engasta, ou seja, dá o acabamento, cuidando da rima como se se tratasse de um rubi (nova comparação). Isto também significa que a escrita exige a escolha da palavra precisa, a preocupação com a construção das frases/dos versos, com o seu polimento, para que o poema se torne um objeto preciso, semelhante a uma joia rara.

    Por outro lado, a preocupação primeira do poeta (parnasiano neste caso) prende-se com a produção de um poesia formalmente perfeita, isto é, dotada de uma linguagem elaborada, rima apropriada, sintaxe tradicional. Assim sendo, a sua preocupação central parece recair no estilo e não na profundidade das ideias e nas emoções e sentimentos. Ora, neste ponto, Bilac está a seguir um dos princípios do Parnasianismo: o da arte pela arte, ou seja, o culto da forma.

    O seu objetivo, a sua finalidade é que a poesia saia da sua oficina, onde a trabalha, sem um defeito, ou seja, perfeita, graças ao seu trabalho aturado, perseverante e minucioso ("E que o lavor do verso", o que requer tempo ("E horas sem conto passo, mudo"). O sujeito lírico dedica ao seu ofício o tempo que for necessário, por isso é que afirma que «não conta» as horas que gasta, totalmente concentrado no que está a fazer ("A trabalhar, longe de tudo / O pensamento"). Porque é que isto acontece? De acordo com o poema, a escrita, dentre todos os ofícios, é o que exige mais perícia e dedicação ("Porque o escrever - tanta perícia, / Tanta requer, / Que ofício tal... nem há notícia / De outro qualquer").

    Na estrofe 13, o «eu» associa a escrita e a poesia a uma divindade ("Por te servir, Deusa serena") e, nas seguintes, denuncia aqueles que escrevem e poetizam mal ("Blasfemo em grita surda e horrendo T Ímpeto, o bando / Venha dos bárbaros crescendo, / Vociferando...") e roga à Deusa, à Musa, que ignore esse «bando» ("Deixa-o"). Todo aquele que não se dedica ao cultivo da língua de forma aprimorada é apelidado de «infiel». Pode morrer tudo o que rodeia e é importante para o sujeito lírico, mas, desde que fique com a sua língua, sente-se feliz, mesmo que fique só e desamparado.

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