Português: 07/03/20

sábado, 7 de março de 2020

Tema do conto George

O conto centra-se nas três idades da vida: a juventude, a maturidade e a velhice.

As três idades não são, porém, apresentadas no texto de forma linear, antes de acordo com a «viagem» empreendida com o narrador, a partir da sua memória.

Síntese das categorias da narrativa do conto George


“George”
A intriga
Intriga focalizada cinematograficamente, valorizando pormenores.
Regresso de uma artista de renome à vila do interior, onde nasceu, depois de 23 anos de ausência.
▪ Diálogo de mulheres que se cruzam:
» Confronto com a juventude: Gi e George.
» Confronto com a velhice: George e Georgina.
▪ Partida de George no comboio que a levará para longe da vila onde nasceu.
O tempo e a personagem principal
▪ Fusão de três tempos: as três idades da vida
» O presente – George: a pintora bem-sucedida de 45 anos.
» O passado – Gi: “a jovem frágil de dezoito anos”.
» O futuro – Georgina: “a velha” de 70 anos com os “cabelos pintados de acaju”.
▪ Afastamento progressivo da infância e aproximação da velhice:
» A infância está presente, no primeiro encontro (entre Gi e George).
» George e Gi movem-se lentamente, como a simbolizar a impossibilidade de George de ressuscitar o passado e de se despedir dele.
» O segundo encontro (entre George e Georgina) é marcado pela velocidade do comboio e pela sua marcha sem retorno, simbolizando a morte definitiva do passado e a aceleração da marcha do Tempo em direção à velhice.
O espaço
▪ Vila parada do interior                                            Regresso ao passado
» Casa da infância
» Ponto de confluência de lugares e de tempos
▪ Locais de passagem:                                               Visão de futuro
» Viagem de comboio
» As várias casas alugadas
» Amesterdão
» Estados Unidos
A protagonista
▪ George:
» Pintora consagrada de 45 anos, bem-sucedida num universo dominado pelo masculino.
– Características da personagem:
. Protótipo da mulher independente, profissionalmente realizada.
. Crença no poder imortalizador da arte.
. Acentuado egocentrismo.
. Consciência plena do envelhecimento e da solidão.
. Solidão combatida pela presença do dinheiro acumulado.

» O nome inusitado de uma figura feminina
– Abreviatura possível de Georgina
– Pseudónimo literário de duas conhecidas romancistas do século XIX
. Escritoras profissionais que viviam da escrita
. Pseudónimos masculinos, visando a aceitação da obra
> A francesa George Sand (1804-1880)
> A inglesa George Eliot (1819-1880)
– Evocação de uma elite intelectual e artística
. Escândalo das ligações sentimentais à margem das convenções
> Hábito de fumar em público
> Uso frequente de indumentária masculina
> Extravagantes cores dos cabelos de George
O narrador
▪ Focaliza, na terceira pessoa, os acontecimentos, conhece o passado e o mundo interior das personagens.
▪ Mistura a sua voz com os pensamentos da personagem principal e com as suas falhas de memória.
▪ Apresenta uma visão crítica e desprovida de autopiedade que a protagonista tem de si própria.
▪ Reproduz as «falas» de Gi e de Georgina em itálico.
A atualidade do conto
▪ A condição feminina:
» A situação (e o sucesso) profissional
» A independência económica
» O amor
▪ Reflexão sobre a Morte e sobre o Tempo.
▪ Mundividência invulgar e sensibilidade artística:
» Reflexão sobre a complexidade da natureza humana
» Reflexão sobre a constante (re)definição da complexidade humana
▪ Fusão da arte narrativa com diversas formas de arte
» Pintura
. Modigliani (1884-1920): pintor italiano
. Edvard Munch (1863-1944): pintor norueguês
» Cinema
» Fotografia

Manual Palavras 12

O diálogo entre realidade, memória e imaginação

A metamorfose de George ao longo da vida

A complexidade da natureza humana no conto George

Este conto constitui uma profunda reflexão sobre a complexidade da natureza humana, centrada na figura de George: (sobre) o fracasso do amor, a separação, a dificuldade de atingir a realização profissional, a condição feminina, a efemérida da vida, a solidão, o vazio e a morte. Por outro lado, o conto compreende uma reflexão sobre a intemporalidade da arte e a imortalização do artista.
Através do desdobramento da protagonista, bem como pela duplicidade do seu nome (entre feminino e masculino), o conto possibilita uma reflexão sobre as diferentes fases da vida e sobre os caminhos que o ser humano trilha, uma vez por opção, outras por imposição das circunstâncias que o rodeiam.

Quando jovem, vivia inconformada com as limitações da conceção de vida que a família e a sociedade local lhe ofereciam, por isso decidiu partir, sozinha, para uma cidade e um país desconhecidos. O seu enorme desejo de liberdade e de independência, bem como a vontade de diversificar ao máximo as suas experiências de vida, levaram-na a alterar constantemente o seu aspeto físico, a viver os afetos e o amor com grande desprendimento e até superficialidade e a mudar frequentemente de local de residência. Além disso, vivia sempre em quartos alugados ou casas arrendadas mobiladas para que não se apegasse aos objetos. O desejo de ser livre e independente predominava. Apesar de conservar uma fotografia sua da juventude (de quando era Gi), prefere o esquecimento e não chora pelo passado.
Em suma, George tornou-se uma pintora de sucesso, famosa e rica. Perante a imagem (antecipada) da sua velhice e da solidão que a espera, mostra-se incomodada e arrogante, preferindo os pensamentos agradáveis e confiante de que o dinheiro constituirá a sua tábua de salvação.

Relacionado com esta questão estão os nomes da protagonista. De facto, a evolução da sua vida reflete a complexidade humana, também espelhada no nome. Assim, a abreviatura Gi, que constituía o tratamento carinhoso que lhe foi dado durante a infância e a juventude, está associada a uma fase de submissão aos ditames familiares e sociais. Já George, o nome correspondente ao presente, à vida adulta da protagonista, representa a rutura que ela pretendia, marcada pelo desejo de liberdade e independência. Note-se que o nome não é português, o que evidencia o cosmopolitismo que tanto procurava e sugere alguma ambiguidade relativa ao género (o nome é masculino), indiciado também pelo facto de o narrador se referir ao(s) seu(s) amor(es), sem especificar se se trata do género masculino ou feminino (excluindo a figura do primeiro namorado, Carlos). Georgina é o nome de registo da personagem, assumido pelo narrador quando ela imagina como será a sua velhice, numa atitude aparente de resignação, de assunção de uma identidade inteira e final.

Uma terceira questão respeitante ao problema da complexidade da natureza humana neste conto tem a ver com a falta de amor, tema recorrente na obra de Maria Judite de Carvalho.
No texto, por exemplo, George, em vez de amor, tem amores, isto é, relações frágeis e efémeras, passageiras, todas provisórias, como provisórias são as casas e as cidades onde mora.
Essa ausência de afeto e a solidão que afeta as personagens da obra da escritora – tanto homens como mulheres – têm como consequência, se não a morte, uma espécie de morte em vida, «uma existência desprovida de sentido que, ao longo dos anos que nas suas memórias se vão confundindo, se arrasta e pesa mais do que a própria morte.».
A vida, metaforicamente vista como uma viagem, é complexa, tanto na juventude como na velhice. Famosa além-fronteiras, George configura o protótipo da mulher independente e profissionalmente realizada, aparente sem razões para lamentar o passado e, ainda medos, recear o futuro. No entanto, esse medo assalta-a de forma imprevista e cruel no momento em que regressa à sua terra natal e que vai suscitar um confronto quer com o passado quer com o futuro.

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