O poema é constituído por nove
estrofes, cinco sextilhas e quatro quadras, com rima emparelhada e interpolada
nas sextilhas (AABCBC) e cruzada nas quadras, com dois versos brancos ou soltos
(ABCB). Nas quadras, o poeta dá voz ao escravo africano cativo em terras
brasileiras, colocando na sua boca uma suposta canção popular africana, que ele
canta dentro de uma senzala expondo o seu sentir de cativo e exilado.
Na primeira estrofe, o «eu» poético
apresenta o escravo africano preso numa senzala húmida e acanhada, sentado no
chão junta a um pequeno braseiro, inundado pela saudade de África, a sua terra
natal, que o faz chorar silenciosamente enquanto canta uma canção cujo teor
ainda se desconhece, mas indiciado desde já pelo título da composição
poética: a recordação da sua vida em África.
Na segunda, são introduzidas outras
figuras que se encontram no interior da senzala: uma mulher, também escrava,
com uma criança ao colo, que ela embala nos braços para a adormecer. Quando
ouve uma canção entoada pelo homem, a figura feminina começa também a cantar, num
tom de voz bem baixo, pois não quer que o filhou ouça.
A terceira estrofe – a primeira
quadra – revela-nos o conteúdo da canção pela voz do próprio cantor. O tema
musical, marcado pela saudade de África, caracteriza-a como uma terra muito distante
(“Minha terra é lá bem longe”), de onde vem o sol, menos bela do que as terras
brasileiras (o resultado desta comparação, isto é, a superioridade da beleza brasileira
relativamente ao continente africano, mostra que o poeta romântico, por mais
que queira, não consegue escapar ao seu espírito ufanista). No entanto, apesar
disso, a sua saudade e os eu amor são dedicados à terra de onde foi roubado: “Mas
à outra eu quero bem!”).
A quadra seguinte dá continuidade à
canção, que dá conta de quão quente é o astro-rei em África através de várias
hipérboles (“O sol faz lá tudo em fogo, / Faz em brasa toda a areia;”), todavia
o «eu» afirma que é bela a visão da estrela da tarde no céu de África, que é
apelidada de “papa-ceia”, o equivalente ao planeta Vénus ou Estrela d’Alva: “Ninguém
sabe como é belo / Ver de tarde a papa-ceia!”
A próxima quadra volta a estabelecer
uma comparação entre o Brasil e a África, através, nomeadamente, da vastidão
das terras, comparada por sua vez à do mar (“Aquelas terras tão grandes, / Tão
compridas como o mar”) e ao menor número de palmeiras (“Com suas poucas
palmeiras”). Deste modo, o «eu» poético estabelece um contraste entre a
natureza paradisíaca brasileira e a escravidão que lá se faz sentir.
A última quadra que dá voz à canção
saudosa do escravo canta a felicidade que este experimentou na sua terra natal
e que é um sentimento coletivo (“Lá todos vivem felizes”), recorda as danças
típicas africanas (“Todos dançam no terreiro”) e, sobretudo, denuncia a
escravatura que experimenta no Brasil, por oposição à liberdade que existia em
África: «”A gente lá não se vende / Como aqui, só por dinheiro”.» Por outro
lado, nesta estrofe, à semelhança do que sucede nas demais quadras, está
presente uma antítese entre os dois primeiros versos e os dois últimos: ela
começa aludindo ao sonho bom que era a vida em África e termina afirmando que o
povo africano não é movido pelo dinheiro como o brasileiro, que é capaz de
vender pessoas em troca do vil metal.
Na estrofe seguinte, o «eu» poético
recupera a sua voz no poema, para contar que o escravo fica em silêncio junto
ao fogo que se começava a apagar. A escrava, que cantava baixinho enquanto
embalava o filho no colo, emudece também: mais do que cantar, ela soluça,
chorosa, triste pela saudade da sua terra (“O escravo calou a fala, / Porque na
húmida sala / O fogo estava a apagar; / E a escrava acabou seu canto, / Pra não
acordar com o pranto / O seu filhinho a sonhar!”). Deste modo, o que ela
silencia não é a canção ou o canto, mas o choro, para que o filho não acorde.
As duas últimas estrofes dão notícia
da preparação das três figuras para se deitarem: “O escravo enão foi deitar-se…”;
“E a cativa desgraçada / Deita seu filho…”. Porém, estas notas são apenas o
pretexto para o «eu» poético denunciar a realidade dura enfrentada pelos
escravos. Por exemplo, o cativo, se simplesmente acordasse tarde, seria
espancado: “Pois tinha de levantar-se / Bem antes do sol nascer, / E se
tardasse, coitado, / Teria de ser surrado, / Pois bastava escravo ser.”. Por seu
turno, a mulher deita-se angustiada e receosa, com medo que, durante a noite, o
seu «dono» surgisse e lhe levasse o filho. Pelo contrário, a criança, por
oposição aos adultos, ainda não tem consciência da realidade e de que não passava
de uma simples mercadoria naquele ambiente de escravidão, em que homens, mulheres
e crianças de pele negra não tinham liberdade nem voz.