Português: 06/01/2021 - 07/01/2021

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Análise de "Todas as cartas de amor são ridículas"

            O poema é constituído por sete estrofes, num total de 28 versos, brancos ou soltos, de métrica irregular. Esta irregularidade formal é um traço modernistas e parece acompanhar o estado emotivo do sujeito poético.

            Ao longo da composição, o «eu» repete uma ideia, como se quisesse provar uma tese: as cartas de amor são ridículas. De facto, de acordo com a estrofe inicial, as cartas de amor são, por natureza, ridículas. Trata-se de um facto, um dado adquirido, algo que é do conhecimento geral.

             Na segunda estrofe, o sujeito poético inclui-se no rol e confessa que, no passado, também escreveu cartas de amor, também elas ridículas, tão ridículas como todas as outras.

            Na terceira, clarifica que, quando há amor verdadeiro e autêntico, as cartas de amor «têm de ser» ridículas, isto é, caracterizadas por um tom exageradamente sentimental. É típico das missivas amorosas repetir clichés e transbordar emoções.

            A quarta estrofe clarifica o sentido do poema. Se, nas anteriores, ressaltava a ideia de que estávamos na presença de uma crítica ao sentimentalismo romântico, nesta o «eu» explica que, na verdade, ridículas são as pessoas que nunca escreveram cartas de amor, isto é, que nunca expressaram os seus sentimentos de forma tão simples, sincera e sem barreiras. Deste modo, a crítica será dirigida àqueles que julgam os outros porque nunca se apaixonaram, pelo menos daquela forma.

            Na quinta, o «eu» assume que sente saudades do passado inocente e esperançoso em que escrevia cartas de amor. Nesse tempo, o sujeito lírico não teria pudor ou consciência de que escrever cartas de amor seria algo ridículo aos olhos de outras pessoas.

            Na penúltima estrofe, encontramos um «eu» maduro e mais cínico que parece sentir vergonha das cartas de amor que escreveu no passado, na sua juventude. Reconhece que aquilo que é realmente ridículo é o modo como recorda esse momento e esse facto. Com o tempo, a forma como encara e vive o sentimento amoroso mudou e ele mesmo foi-se tornando mais fechado e incapaz de se expressar de um mondo tão intenso e genuíno.

            A última estrofe está toda entre parênteses, um sinal de pontuação que exprime, por vezes, uma explicação, o que nos faz considerar que esta parte do texto constitui, de facto, uma explicação da estrofe anterior ou até de todo o poema. Ela sugere que todas as palavras e os sentimentos presentes numa carta de amor são ridículos, o que pode significar que não é a pessoa que está apaixonada que é ridícula, ou as cartas, mas sim as palavras e os sentimentos em si.

            Relativamente à sua estrutura interna, podemos dividir o poema da seguinte forma: o sujeito lírico começa por apresentar uma espécie de tese geral (todas as cartas de amor são ridículas), para, de seguida, particularizar o tema a partir do seu próprio caso; posteriormente, a antítese, iniciada pela conjunção coordenativa adversativa «mas», expõe a amargura do «eu» por causa do seu passado (perdido); por último, na estrofe parentética, encontramos a síntese, uma estrofe de conclusão sobre a vida vivida e sentida pelo sujeito poético.

 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Episódio de Leonardo

. Paráfrase

Leonardo, soldado bem-disposto, manhoso (= com qualidades), cavaleiro e dado a amores, a quem Amor não dera apenas um desgosto, mas sempre o tratara mal, e que já sabia que não era feliz em amores, porém ainda não perdera a esperança de mudar a sua sorte.
Quis o Destino que Leonardo corresse atrás de Efire, exemplo de beleza, que se mostrava mais esquiva que qualquer uma das outras ninfas. Já cansado, enquanto corria, dizia-lhe: “Ó formosura em quem não fica bem a crueldade, já és dona da minha vida e alma, espera também pelo meu corpo.
Todas se cansam de correr, Ninfa pura, rendendo-se à vontade do inimigo, e só tu foges de mim? Quem te disse que era eu? Se to disse a má sorte que sempre me acompanha, não acredites nela, porque eu fui enganado sempre que nela acreditei.
Não canses, que me cansas! Se foges de mim para que eu te não possa tocar, espera por mim, e verás que, mesmo que esperes, eu nunca te alcançarei. Espera, e vamos ver que subtil forma encontra agora a minha pouca sorte para me escapar. E no fim verás “tra la spica e la man qual muro he messo” (entre a espiga e a mão levanta-se sempre um muro, ou seja, quando parece que está +restes a alcançar-se o que se deseja, surge um obstáculo intransponível).
Não fujas! E também não fuja o breve tempo da tua formosura. Só com abrandar o passo, tu poderás conseguir o que nunca conseguiram imperadores e exércitos: vencer a força dura do Destino, que sempre me perseguiu em tudo o que desejei.
Tomas o partido da minha desgraça? É fraqueza dar ajuda ao mais forte contra o mais fraco. Levas contigo o meu coração? Larga-o e correrás mais depressa. Não te sentes carregado pelo peso desta alma que levas enredada nos teus cabelos de ouro? OU, depois de a prenderes, mudaste-lhe o Destino, que passou a pesar menos?
Nesta única esperança de vou seguindo: ou tu não aguentas o peso da minha alma, ou a força da tua beleza lhe mudará a triste e dura estrela. Se mudar, não fujas mais, porque Amor te ferirá, e então serás tu a esperar-me. E, se me esperas, nada mais espero.”
A linda ninfa fugia, já não tanto para se fazer difícil, como a princípio, mas para ir ouvindo o doce canto e os queixumes apaixonados de Leonardo. E, já toda banhada de riso e de alegria, deixa-se cair aos pés do vencedor, que se desfaz em puro amor.
Toda a floresta ressoa de beijos famintos, de mimoso choro, de zangas depressa convertidas e risinhos. O que mais aconteceu naquela manhã e na sesta, é melhor experimentá-lo do que imaginá-lo, mas imagine-o quem o não pode experimentar.
Desta forma, já juntas as ninfas com os navegantes, enfeitam-nos com coroas de flores, louro e de ouro. Dão-se as mãos como esposas, e com palavras formais e estipulantes, prometeram-se eterna companhia na vida e na morte.

. Localização: canto IX.

. Plano narrativo: plano da viagem e da mitologia..

. Narrador: o Poeta – narrador heterodiegético.

. Contextualização do episódio: após o desembarque dos Portugueses na Ilha dos Amores, um dos marinheiros, Leonardo, persegue uma ninfa, que parece ser mais difícil de apanhar do que as restantes.

. Estrutura interna

. 1.ª parte (IX, est. 75-76, vv. 1-5) – Retrato de Leonardo e Efire:
- soldado destemido, alegre e bem disposto (“soldado bem disposto, / Manhoso, cavaleiro e namorado);
- manhoso, “espertalhão”;
- cavaleiro;
- namorado apaixonado, galante, sempre disponível para o amor apesar de nunca ter tido sorte no mesmo / mas com pouca sorte ao amor (por isso habituado a sofrer, mas com esperança de ver mudada a sua má sorte amorosa) (“com amores mal afortunado”);
- namoradeiro, pois procura insistentemente conquistar a ninfa Efire, que simula furtar-se à sua sedução;
- audacioso, valente e corajoso;
- muito persistente e persuasivo.

Note-se como Leonardo reflete o perfil que Camões apresenta de si mesmo na sua lírica: a disponibilidade para o Amor, a má sorte amorosa, a impossibilidade de ser feliz e a capacidade de manuseamento das palavras.
De facto, Leonardo já contara com várias desilusões amorosas ao longo da sua vida, sendo que cada vez que se apaixonava era abandonado pela sua amada, no entanto jamais perde a esperança de um dia ser correspondido. E, de facto, quando a ninfa se lhe rende, Leonardo vê o seu fado de ser infeliz no amor mudar.

         Efire é uma ninfa muito bela e sedutora que capta a atenção de Leonardo, que a persegue, tal como todos os seus companheiros perseguiam as suas enamoradas.

. 2.ª parte (IX, v. 6 est. 76-81) – Discurso de Leonardo.
         Enquanto persegue a ninfa Efire, Leonardo procura argumentos que a convençam a parar a sua fuga:
(1) Todas as outras ninfas se cansam de correr, só ela resiste.
(2) A ninfa foge porque já deve conhecer a sua fama de infeliz no amor.
(3) A má sorte é tanta que, mesmo que a alcance, alguma coisa o impedirá de a tocar.
(4) A ninfa é a única que poderá mudar a sua má sorte no amor.
(5) É fraqueza colocar-se ao lado da sua infelicidade, já que ela lhe roubou o coração; se quiser fugir, deve devolver-lho, pois ele só pode pesar-lhe.
(6) É a esperança de ela mudar a sua má sorte, amando-o também, que o faz correr.

. 3.ª parte (IX, est. 82) – Retrato de Efire:
                Efire é uma das mais belas ninfas (“exemplo de beleza” – est. 76, v. 2; “bela Ninfa” – est. 82, v. 1), de cabelo louro (“fios de oiro reluzente” – metáfora), formosa (“Ó formosura”) e pura (“Ninfa pura” – apóstrofe – est. 77, v. 1).
                A ninfa finge fugir a Leonardo, mas, após longa perseguição, deixa-se cair “aos pés do vencedor / Que todo se desfaz em puro amor”, conseguindo, assim, mudar o “seu fado” de ser infeliz no amor.

. 4.ª parte (IX, est. 83) – Descrição do enlace amoroso.
                Entre as ninfas e os marinheiros portugueses desenrolam-se jogos amorosos: “famintos beijos na floresta”, “mimoso choro que soava”, “afagos tão suaves”, “risinhos alegres”, “Vénus com prazeres inflamava”.
                Por outro lado, a ligação amorosa entre as ninfas e os portugueses apresenta semelhanças com a união conjugal, o casamento. De facto, entre ambos

. 5.ª parte (IX, est. 84):
. Coroação dos marinheiros como heróis, recebendo ouro e louro;
. Celebração da cerimónia de casamento dos marinheiros com as ninfas, representado pelas coroas de flores, louro e ouro, pelas mãos dadas e pelas juras de amor eterno.



Análise de "Cálice", de Chico Buarque e Gilberto Gil

             O poema que serviu de base ao tema musical foi composto em 1973 pelos compositores e intérpretes brasileiros Chico Buarque e Gilberto Gil, para ser apresentado no programa “Phono 73”, que divulgava os trabalhos, em duplas, dos maiores artistas agregados à editora Phonogram.
 
            A canção, graças ao seu conteúdo profundamente crítico da situação política brasileira da época, acabou por ser lançada apenas em 1978, tornando-se um dos maiores hinos anti-ditadura, inscrevendo-se, portanto, no campo da música de protesto.
 
            O tema do poema é a denúncia da repressão, do autoritarismo e da violência que caracterizaram a ditadura no Brasil.

            A composição abre com uma referência bíblica a São Marcos: “Pai, se queres, afasta de ruim este cálice”. Esta citação bíblica remete-nos para o calvário de Jesus Cristo, marcado pela perseguição, pelo sofrimento e pela traição de que foi vítima. Por outro lado, ela contém um pedido de um filho dirigido ao seu pai: o afastamento de si de um cálice. No entanto, tendo em conta o contexto político brasileiro de então e a semelhança de pronúncia entre o nome «cálice» e a forma verbal «cale-se» (semelhança essa acentuada pela fonética do português do Brasil), é possível fazer outra leitura desta passagem. Assim, o sujeito poético pede ao pai que afaste de si esse «cale-se», isto é, implora-lhe que afaste a censura e a violência, dado que o cálice contém «vinho tinto de sangue». Deste modo, o sujeito lírico estabelece uma analogia entre a paixão (o sofrimento) de Cristo e o do povo brasileiro, sujeito a um regime violento: na Bíblia, o cálice continha o sangue de Jesus; no poema, o sangue é o das vítimas do regime.
            Na primeira estrofe, o «eu» interroga-se como será possível beber essa «bebida amarga», ou seja, como será possível aceitar a amargura, a dor, o trabalho árduo e mal remunerado, como se fossem coisas normais. Além disso, tudo isto é obrigado a aceitar calado, em silêncio, uma referência clara à opressão e à ausência de liberdade de expressão. De acordo com o próprio Chico Buarque, a «bebida amarga» é Fernet, uma bebida alcoólica italiana que o cantor e compositor costumava beber. Resta-lhe o peito, isto é, o que ele sente relativamente à situação e, quiçá, a coragem e determinação para resistir.
            O sujeito poético continua a socorrer-se da linguagem metafórica de cariz religioso, afirmando-se «filho da santa», subentendendo-se que se refere à pátria, entendida pelo regime político como inquestionável, à semelhança de um dogma bíblico. Porém, preferiria ser «filho da outra». Tendo em conta a sequência rimática, pode deduzir-se que o termo a usar seria provavelmente «puta», contudo, por causa da censura, os autores terão optado por uma linguagem mais «suave». O «eu» deseja outra realidade, caracterizada pela inexistência da mentira, de autoritarismo e de violência.
            O início da segunda estrofe alude a um método usado pela polícia militar: invadir, durante a noite, as casas das pessoas, arranca-las das suas camas, prender umas e fazer desaparecer outras. A consciência deste facto dilacera o sujeito poético, por acordar em silêncio tendo consciência da violência que ocorria durante a noite e que, eventualmente, também o atingiria («Se na calada da noite eu me dano»).
            O sujeito lírico deseja soltar um «grito desumano» contra a situação, procurando, assim, ser ouvido e combate-la. O silêncio deixa-o atordoado, impotente, mas, apesar disso, conserva-se atento, pronto para agir se surgir uma oportunidade. Entretanto, mantém-se passivo na arquibancada, esperando que o «monstro da lagoa» surja. A expressão «monstro da lagoa» remete-nos para o imaginário dos contos infantis, simbolizando o mal que nos vem aterrorizar e que devemos temer. Neste sentido, a expressão poderá ser entendida como uma metáfora da ditadura, do poder repressivo que estava escondido, mas pronto para atacar a qualquer momento. Por outro lado, ela designava também os corpos de pessoas desaparecidas que apareciam, ocasionalmente, a boiar nas águas de um rio ou do mar, vítimas do regime ditatorial.
            A terceira estrofe abre com nova metáfora – a da «porca gorda» –, que representa o governo ditatorial e corrupto, que «já não anda», isto é, não funciona mais. A gordura remete para o pecado da gula, ou seja, para a ganância que dominava a «porca», o governo, que, de tão gorda(o), já não se consegue mexer. A «faca», nova metáfora, que simboliza a violência e a brutalidade, já não «corta» por ter sido tão usada, ou seja, está a perder força, eficácia. A alusão ao facto de ter sido muito usada sugere o grau de violência que tem sido praticada sobre as vítimas pelas entidades governamentais e policiais.
            A referência à dificuldade de abrir a porta representa o desejo de liberdade do «eu», que permanece silenciado, com «essa palavra presa na garganta». De seguida, questiona-se de que adianta «ter boa vontade», numa referência à passagem bíblica «Paz na terra aos homens de boa vontade», sugerindo que não tem paz. De que adianta ter boa vontade para com o governo se a paz não vem? Daí vem o «pileque homérico»: tudo estava tão fora do lugar que é como se o mundo estivesse todo bêbedo.
            Perante a impotência e a repressão, mantém-se, no entanto, o pensamento crítico, mesmo que calado, representado pela «cuca / Dos bêbedos do centro da cidade», isto é, as pessoas rebeldes e desajustadas que procuram sobreviver e continuam a desejar e a lutar por uma vida melhor.
            A estrofe seguinte contrasta com as anteriores, porque introduz a ideia da esperança, através da possibilidade de o mundo não ser pequeno, ou seja, de o mundo não se limitar àquilo que o sujeito poético conhece. Além disso, talvez a vida não seja um facto consumado, isto é, talvez não tenha de ser tão dolorosa e a ditadura não seja uma circunstância irremediável, eterna.
            Numa atitude de rebeldia, o «eu» reclama o direito a ser dono da sua vida e a escolher o que fazer com ela, de acordo com os seus desejos e regras, sem ter de obedecer a ordens e regras de outrem. É isso que significam os versos «Quero inventar o meu próprio pecado / Quero morrer do meu próprio veneno». Para que tal se concretize, é necessário «perder de vez tua cabeça», ou seja, é necessário derrubar o poder opressivo e ditatorial. O sujeito poético deseja ser livre e reprogramar-se de tudo aquilo que a sociedade conservadora lhe inculcou e deixar de estar subjugado a ela. «perder teu juízo».
            Os dois versos finais fazem referência a métodos de tortura comuns na época: a inalação de óleo diesel por parte das pessoas que eram presas. Além disso, apontam para uma tática de resistência: fingir perder os sentidos, para que a tortura fosse interrompida.
 

Análise de "Eu cantei já, e agora vou chorando"

 
Introdução:
                O soneto é da autoria de Luís de Camões, poeta renascentista português que viveu, provavelmente, entre 1524 ou 1525 e 1580, sendo um dos cânones da literatura portuguesa e insigne na cultura universal. Este poema insere-se na chamada corrente renascentista, visto assumir a forma de um soneto, composição poética importada de Itália por Sá de Miranda, após a sua passagem pelo país. É, portanto, um exemplo da chamada medida nova.
 
Desenvolvimento:
. Tema
 
. Assunto
 
 
 
. Estrutura externa
 
 
 
 
 
 

 

 

. Estrutura interna

– 1.ª parte

 
– 2.ª parte
 
 
 
. Contraste passado / presente
 
 
. Estado de espírito do sujeito e suas causas
 
. Recursos expressivos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 














 
Conclusão

 

                Neste texto, é abordado o tema do infortúnio e o assunto compreende a saudade por um tempo passado que, comparativamente ao presente, embora enganador, era preferível à desolação que o rodeia e à implacabilidade e inexorabilidade do destino.

                O poema é constituído por duas quadras e dois tercetos (um soneto), num total de catorze versos decassilábicos heroicos, visto que são acentuados na sexta e décima sílabas (Eu/can/tei/já/e a/go/ra/vou/cho/ran), com rima interpolada e emparelhada, de acordo com o seguinte esquema rimático: ABBA / ABBA / CDE / CDE. Em todos os versos encontra-se rima grave ou feminina (“chorando”/”confiando”), consoante e incompleta (“confiado”/”passado”), à exceção dos versos 9 e 12, que possuem rima completa. Nos grupos de versos 1 e 4, 2 e 3, 10 e 13, 11 e 14, a rima é pobre, dado que as palavras rimantes pertencem à mesma classe gramatical (“chorando”/”criando”), enquanto que nos restantes é rica, pois rimam palavras de classes diferentes (“quando”/”julgando”). Por outro lado, nos versos 11 e 14 existe rima imperfeita.

                O soneto pode dividir-se em duas partes. Na primeira, correspondente às duas quadras e ao primeiro terceto, o sujeito lírico lamenta o passado ilusório e enganador que o destino o obrigou a viver, o que acentua a precariedade do momento presente. No último terceto, a segunda parte, o sujeito poético, através do recurso a duas interrogações retóricas nos versos 12 e 14, responsabiliza o destino que, sendo inimigo e implacável, se sobrepõe aos erros de uns e/ou à falsidade de outros, tornando inútil qualquer esperança.

                O sujeito poético começa por estabelecer uma relação antitética entre o passado e o presente, salientando a alegria experimentada em contraste com a tristeza do presente (“Eu cantei já e agora vou chorando” – v. 1). Note-se a abundância de vocábulos de cariz negativo, tais como “chorando” (v. 1), “lágrimas” (v. 4), “fui enganado” (v. 6), “triste” (v. 7), “som de ferros” (v. 11), “mente” (v. 12, “culpa” (v. 13), “injusta”, “erros” (v. 14), que exprimem a sua dor e desalento presentes. Por outro lado, as diversas antíteses (“cantei”/”vou chorando” – v. 1; “canto”/”lágrimas” – vv. 3 e 4; “triste (…) presente” – v. 7 / “passado (…) ledo” – v. 8) confirmam o contraste existente entre a felicidade passada e a tristeza presente vivido pelo sujeito lírico. Este chega mesmo a revelar a consciencialização do fator que contribuiu para o seu desencanto e a sua desilusão: a traição de que foi vítima por parte de alguém, como se pode comprovar pelas expressões seguintes: “(…) fui nisso enganado” – v. 6; “Fizeram-me cantar, manhosamente” – v. 9; “(…) tudo mente” – v. 12. Ao tomar consciência disto, o sujeito põe em causa a aparente felicidade anterior, considerando-a um prenúncio da desgraça que está a viver (“Parecer que no canto já passado / Se estavam minhas lágrimas criando” – vv. 3-4), acentuando, deste modo, o momento presente como muito negativo e infeliz (“É tão triste este meu presente estado” – v. 7). O eu diz-se vítima da alegria tranquila e ilusória que conheceu [“(…) cantei tão confiado” – v. 2; “Fizeram-me cantar (…) / confianças” – vv. 9-10] de ter , a qual não era senão um esboço, um indício do seu destino de desventura, que metaforicamente identifica com prisão, com sofrimento, já que foi esse o resultado que obteve: “Cantava, mas já era ao som dos ferros” – v. 11.

                O sujeito, tal como foi anteriormente referido, realça o tempo passado, predominando as formas verbais no pretérito perfeito (vv. 1, 2, 5, 6, 9) e imperfeito (vv. 4 e 11), o advérbio de tempo “já” (vv. 1, 3, 11), a forma verbal repetida “cantei” (vv. 1, 2, 5), bem como outras formas do mesmo verbo (vv. 9, 11) e outros vocábulos pertencentes ao mesmo campo semântico (“canto” – v. 3), de modo a salientar a existência de uma situação calma e tranquila que foi alterada contra a sua vontade. Deste modo, o sujeito sente-se objeto de manipulação de uma entidade superior [“(…) a Fortuna injusta (…)” – v. 14], que, para além de ter modificado a sua vida e o seu estado de espírito, atuou de forma camuflada, deixando-o viver na ilusão, até que fez desmoronar a encenação e contribuiu para o estado presente do eu. Note-se a importância da conjunção coordenativa adversativa “mas” (vv. 5, 10, 11), com o intuito de reforçar o contraste entre o comportamento que o eu assumia e as suas causas reais: não sabe concretizar a real época da sua felicidade, desconhecia a presença nefasta do destino nos seus atos. É de salientar igualmente que o tempo passado, a felicidade, ocorreu num momento pontual, concreto, definido, para o que contribui o pretérito perfeito, reforçando o seu caráter efémero, enquanto que o presente, marcado pelo sofrimento e pela dor, se reveste de um cariz durativo, que é conseguido através da conjugação perifrástica, fazendo pressupor que a infelicidade, a tristeza são sentidas com maior intensidade: “vou chorando” (v. 1); “estavam (…) criando” (v. 4); “estou julgando” (v. 8). O pessimismo e o dramatismo do momento presente vivido pelo sujeito, resultado de um passado fictício, encontram-se sintetizados no verso 12 quando o eu afirma ”(…) tudo mente”, o que vem corroborara existência de uma ilusão, de um engano vividos, fruto da atuação de uma força superior, manipuladora.

                Temas como este, onde sobressaem a fatalidade, a desgraça, a infelicidade, a desilusão, são frequentes na lírica camoniana, quer se refiram à força do Destino sobre o próprio sujeito poético, quer à influência exercida pela mulher amada.

 

 

O mito de Orfeu e Eurídice - Brendan Pelsue

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