Português: Resumos literários
Mostrar mensagens com a etiqueta Resumos literários. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Resumos literários. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

O Duplo, de Fiódor Dostoiévski


 
    "Esta obra narra a história de um funcionário público obcecado pela existência de um colega, réplica de si próprio, que lhe usurpa a identidade, acabando por levá-lo à insanidade mental e à rutura com a sociedade. A afirmação da liberdade individual contra instituições e normas existentes para conter os impulsos de uma interioridade caótica é o tema-chave da obra, ainda que sobressaia também a compaixão pela condição dos humilhados. Goliádkin encarna o homem em revolta contra a sociedade e contra si próprio, um tema que ele considera universal e intemporal. O próprio romance é um caso de rutura com convenções literárias, daí a fraca aceitação que teve na época da sua publicação."
    Iákov Petróvitch Goliádkin (Goliádkin provém da palavra "goliadka", que significa «nu», «pobretão», «miserável») é um funcionário público de grau inferior que vive em Peterburgo, num apartamento próprio, com o criado Petruchka, que vive revoltado por um sentimento de inferioridade relativamente aos seus chefes e às camadas mais altas da sociedade.
    O médico aconselha-o a conviver, a divertir-se com amigos, mas Goliádkin tem a sua atenção centrada no almoço comemorativo do adversário de Klara Olsúfievna, filha única do conselheiro de estado Berendéev, outrora benfeitor de Goliádkin. Por isso, aluga um coche, veste a melhor fatiota que consegue, perfuma-se, mas é impedido de entrar em casa da aniversariante por ordem do pai. Desorientado, vagueia pela cidade, despede o coche e o cocheiro e entra, às escondidas, em casa de Berendéev. Acaba, finalmente, por concretizar as suas intenções e penetrar no salão, cheio de convidados, onde se realiza o baile, tenta dançar com Klara, mas é expulso do local.
    Desesperado e desorientado, Godiádkin vagueia pela cidade até se deter junto ao rio, contemplando as águas escuras que correm por baixo da ponte, quando se cruza com um homem surpreendente: o seu duplo. No local de emprego, o "duplo" vai ocupar o lugar de um funcionário recém-falecido. À saída do emprego, encontram-se, entabulam conversa e acabam por ir para casa de Goliádkin.
    Para maior surpresa do protagonista, além das semelhanças físicas, o "duplo" tem o mesmo nome, e, tal como no emprego, o criado Petruchka não estranha aquela situação. Goliádkin comove-se com a história de vida miserável do "duplo", convida-o a passar a noite e propõe-lhe cumplicidade em futuras manhas no emprego, de forma a "fazerem a cama" aos seus chefes.
    No entanto, no emprego o duplo escarnece e ridiculariza publicamente Goliádkin, atraiçoando-o também ao apropriar-se de um trabalho realizado por este e apresentá-lo como seu. O duplo usa a lisonja e a manha para conseguir a simpatia de todos e faz-se passar pelo verdadeiro Goliádkin (por exemplo, come num determinado sítio e, quando o verdadeiro Goliádkin também aí se desloca, é confrontado com a conta do que ambos comeram). Lentamente, vai perdendo as poucas relações que possui e apresenta um comportamento muito alterado, confuso, contraditório. Goliádkin suborna mesmo um funcionário menor para obter informações, convencido de que todos conspiram para o tramar.
    No entanto, os acontecimentos negativos sucedem-se: o intriguista "duplo" conquista todos os conhecidos de Goliádkin, que tenta a todo o custo explicar a sua situação, mas não é ouvido por ninguém; recebe uma carta de um dos chefes ordenando-lhe que entregue todos os processos que tinha em mãos a outro funcionário; quando chega um dia a casa, o criado Petruchka prepara-se para o abandonar. Pelo meio, recebe uma outra missiva, assinada por Klara, em que lhe é proposto fugir com ela, em virtude de a quererem forçar a casar com o "duplo".
    Goliádkin aluga um coche e vai mesmo esperar Klara para fugir com ela, mas, passado algum tempo, acaba por dispensar o cocheiro e evadir-se dali. Porém, decide voltar, contudo subitamente, em todas as janelas da casa de Klara, surgem vultos à sua procura. O "duplo" desce até o esconderijo onde ele se encontra e convida-o a entrar. Recebem-no de forma muito cordial e acabam por fazer as pazes os dois. É então que entra em cena o médico e o leva consigo, debaixo do entusiasmo dos inimigos de Goliádkin, para o internamento.

O Crime do Século, de Kingsley Amis


    Cristopher Dane é um escritor de romances policiais cujo herói é o superintendente Fenton.
    Em Londres, é cometido um crime que desperta a atenção de várias pessoas: Dane, Henry Addmas, Lucian Toye (médico e leitor dos mistérios de Fenton), Evan Williams (um funcionário dos correios recentemente saído de um hospital psiquiátrico), Ronnie Grainger (empregado de garagem, recém saído da prisão, depois de quatro anos preso por assalto à mão armada), Arthur Johnson, ajudante de relojoeiro, e Sir Neil Costello, conselheiro da rainha. O oficial encarregado do caso é o inspetor-detetive John Kemp.
    A vítima chama-se Bridget Ainsworth, que foi apunhalada com uma lâmina muito fina. A única pista encontrada é um papel com algumas letras, recortadas do jornal, preso ao casaco. Na noite seguinte, é encontrada morta Elizabeth Buck, da mesma forma.
    O governo inglês constitui um vasto grupo de investigação, constituído por Dickie Lambert-Syme, Peter Follet, Bill Barry, Quintin Young, George Henderson, Kemp, Neill Costello, Fergus MacBean, Marcus Varga e Benedict Royal, um cantor pop. Janice Collins é a terceira vítima. Além dos recortes de jornais que compõem, progressivamente, palavras, os assassínios seguem o alfabeto no que diz respeito ao sobrenome das vítimas: A, B, C... Esta comissão decide chamar C. Dane.
    Entretanto, a quarta vítima (Sandra Phillips - este nome vem contrariar a tese do alfabeto) é encontrada ainda vida e revela que os atacantes eram dois homens, um deles com sotaque irlandês. Dane afirma que um dos assassinos é membro da comissão. Royal e Marty Mannheim são objeto de uma tentativa de assassinato.
    A quinta vítima dá pelo nome de Pauline Hodges. Enquanto isso, o Exército de Libertação Britânico faz chantagem com o poder político e a polícia. O homem do ELB que vai recolher o dinheiro da chantagem escapa ao cerco policial a cavalo.
    Uma outra jovem, Tessa Noble, é atacada, mas consegue defender-se e pôr KO o agressor, Arthur Johnson, o ajudante de relojoeiro com problemas mentais. Mais tarde, descobre-se que se tratava de um crime de imitação.
    Os homens envolvidos são, afinal, três. Um deles quer prosseguir com novas chantagens, almejando quantias superiores, mas é morto pelos outros dois por considerarem que ele seria apanhado e, posteriormente, a troco da redução da pena, revelaria o nome dos dois cúmplices. O nome do terceiro homem não é revelado pelo narrador.
    Henry Addms é vítima de amnésia total e vai apresentar-se à polícia como possível autor dos crimes. Contudo, o criminoso é, afinal, Royal, tal como é o cérebro do ELB. Dickie falece, vítima de doença súbita, ao ver o seu nome envolvido no escândalo, já que era vítima de chantagem por parte de Royal por ser homossexual.

sábado, 9 de setembro de 2023

A Criação do Mundo - O Terceiro Dia


    De regresso, cinco anos depois, a Portugal, o narrador assume a sua rebeldia, não mais se deixando espezinhar pelos tios, e a sua humilhação por constatar, agora, após o contacto com outras realidades, a miséria em que fora criado. Por outro lado, os pais não entendem nem conseguem preencher o vazio daqueles cinco anos de ausência e estranham a linguagem, o novo «eu» que regressou.
    Os tios são recebidos com indiferença e até com escárnio (as histórias de bruxaria que a tia conta, por exemplo), quando eles esperavam ser acolhidos principescamente, na qualidade de filhos da terra que tinham outra civilização e riqueza.
    Em Coimbra, o narrador frequenta a escola de um jovem casal que vive na penúria. Quando regressa de férias, é ultrapassado o distanciamentos que os cinco anos de Brasil tinham aberto com a família e vê partir, com alegria, o tio de regresso a terras brasileiras. Passa inúmeras horas em contacto com a natureza. Obstinado, faz de uma só vez, por exame, os três anos de liceu, por se sentir mal no meio dos colegas muito mais novos e por receio de que o tio se arrependa e lhe corte a mesada.
    Ingressa então no liceu de Coimbra, onde a ausência do calor, da ênfase e do exemplo do amor do jovem casal, aliados à monotonia, à exposição mecânica e sem chama dos mestres do liceu, tornam as aulas extremamente aborrecidas. Só as asas da imaginação e os jogos de futebol no recreio fazem aqueles tempos suportáveis.
    Escolhe frequentar Medicina na Universidade pela liberdade que lhe proporcionará e pelo caminho humano que irá trilhar com a futura profissão. Publica, entrementes, o primeiro livro de versos, negativamente criticado, de forma justa. No entanto, o Dr. Marinho convida-o para colaborar na Vanguarda, revista literária do Modernismo.
    A tropa constitui outro momento de demonstração de rebeldia: falta à primeira chamada, vai à segunda, forçado, como refratário, por isso duplicam-lhe o tempo de serviço a prestar; faz «mil» requerimentos, cansando quem os recebe, por isso acaba por ser perdoado; é insubordinado, desrespeitador dos oficiais, alérgico a cumprir os regulamentos e regras militares; só a presença de um oficial de uma terra vizinha da sua aldeia natal o protege de males maiores. Há (além do espírito de rebeldia e liberdade) outra razão para adiar o exército: a revolta militar ocorrida em 1926, que tinha imposto uma ditadura ao país e que leva os estudantes à revolta e à greve, por a reforma encetada na Universidade pelo novo poder se transformar em métodos de ensino e exames mais conservadores e ultrapassados.
    Só na Vanguarda encontra campo para os seus anseios, embora rapidamente dê conta de que se trata de uma literatura essencialmente polemizante, que por isso os afastava humanamente uns dos outros, e muito abstratizante, desligada da realidade. Por outro lado, o sexo continua a exercer sobre ele um apelo muito grande, daí a torrente de namoradas e a frequência de bordéis.
    Dois homens opostos vivem dentro dele: "O campónio de Agarez, a caminho da formatura, pragmático, acautelado, instintivamente necessitado de perpetuar a espécie, e o poeta, sedento de absoluto, inconformado com a precariedade das coisas terrenas, insocial e rebelde."
    Publica o segundo livro de versos; após o entusiasmo inicial, sai da Vanguarda de relações cortadas com a maioria do grupo; é derrotado nas eleições para o senado e arranja mais inimigos; refilão nas aulas, concita sobre si a antipatia dos mestres; sente-se cada vez mais isolado.
    A conclusão do curso e o futuro profissional próximo deixam-no aterrado. Findo aquele, o tio corta a mesada e o narrador regressa a Agarez, onde é recebido com despeito pelos ricos e um misto de inveja e admiração pelos pobres e revela novamente o total afastamento da religião.
    Aconselhado pela mãe e por causa do abismo que o continua a separar da família e da ausência de perspetivas de futuro, regressa a Coimbra, onde apenas o editor dos seus livros o recebe bem. Acaba por substituir, temporariamente, o médico de Sedim e uma epidemia de febre tifoide granjeia-lhe, graças ao seu denodo e à casualidade de ninguém ter morrido, a confiança das pessoas. Amorosamente, mantém a relação platónica com Alice, via carta, e satisfaz o desejo físico com a criada Isabel.
    O vizinho médico de Fornos tenta difamá-lo para correr com ele de Sendim, mas o narrador resolve o problema com uma par de ameaças físicas. Entretanto, a atividade literária prossegue, através da escrita poética e da criação de revistas, algumas de vida efémera. Mais uma vez a sua retidão e integridade vêm ao de cima: para manter a posição de médico em Sendim, recusa falar com o governador civil e comprometer-se politicamente.
    Uma doença súbita, seguida de operação de urgência, apressam a sua partida. Em Coimbra, trabalha no consultório de um otorrinolaringologista, mas a sensação de vazio e de inquietação não o abandonam. Por isso, reúne o pouco dinheiro que possui e, à boleia com dois homens de negócios, parte em direção à Europa.

    Este terceiro livro traduz o choque do regresso a Portugal e ao contacto com a miséria (física e intelectual) em que nascera e crescera, e documenta a maturação de um temperamento inquieto, livre e rebelde, do homem, do médico e do poeta. Tudo isso sucede em simultâneo com os estudos e com os primeiros anos de desempenho profissional.

A Criação do Mundo - O Segundo Dia


    Esta segunda parte da obra de Miguel Torga começa por relatar a chegada do narrador ao Brasil e o choro ao enfrentar um novo país, uma cultura (crenças, feitiçarias) e «língua» diferentes.
    O tio sobrecarrega-o de trabalho e trata-o como um estranho, enquanto a tia, com medo que a herança tenha mais um candidato naquele sobrinho português, tudo faz para o denegrir e menosprezar. Sacia o desejo, pela primeira vez, com a mulher do oleiro, que no fim lhe fica com todo o dinheiro que traz. Apesar da distância do tio, gosta dele, pelo seu humanismo, audácia, justiça e generosidade.
    Certo dia, o tio surpreende a tia em mais um momento de humilhação e de choro para o narrador. Nada diz, mas mais tarde propõe-lhe a ida para o Ginásio de Ribeirão, onde fica como aluno externo. Apesar do atraso, estuda com afinco, enquanto nutre uma paixão pela colega Lia, uma jovem absolutamente indiferente os estudos. Gosta de ler e demonstra algum talento para a escrita. A frequência das «meninas» presenteia-o com uma doença venérea. Quando regressa à fazendo do tio, de férias, é recebido com todas as honras, mesmo pela tia, que faz das tripas coração para mostra alguma simpatia.
    O abandono da escola por Lia, por causa da morte da mãe, fá-lo perder algum interesse e só o rápido final do ano letivo impede maiores males. O tio, cansado e velho, vende a fazenda e regressa a Portugal.

    Em suma, o Segundo Dia retrata a adolescência do narrador num Brasil profundo, repleto de calor, sensualidade, tristezas e alegrias, paixões adolescentes; os ódios de todos, menos do tio; o árduo trabalho que, na opinião do tio, faria dele «um homem» e o estudante aplicado e interessado pelas Letras.

O Testamento, de John Grisham


    Troy Phelan é um multimilionário que está às portas da morte e que reúne, em sua casa, os familiares, ávidos de serem contemplados no seu testamento: três ex-mulheres e seis filhos vivos (um sétimo já faleceu). acompanhados dos respetivos cônjuges ou companheiros de momento. O próprio criado espera ser contemplado no testamento. Três psiquiatras atestam a sua sanidade mental e, num golpe de teatro, assina um último testamento escrito por si, de três páginas, que revoga o anterior, assinado cinco minutos antes, na presença dos psiquiatras, família e respetivos advogados e suicida-se, lançando-se da varanda do prédio. No derradeiro testamento, Troy Phelan paga as dívidas dos filhos, nada deixa às ex-mulheres (que já receberam quantias avultadas aquando dos divórcios) e doa o remanescente dos bens a uma filha desconhecida: Rachel Lane, uma missionária da organização Tribos Universais presentemente a trabalhar na região do Pantanal.
    Stafford, o advogado de Phelan, tem dificuldades em encontrar a herdeira, enquanto Hark Gettys, o advogado de Rex Phelan, ambicioso, deseja uma luta renhida com Stafford. Este encarrega Nate O'Riley, um dos advogados da sua firma, a fazer uma cura de desintoxicação numa clínica, de procurar a herdeira.
    Dez dias após o suicídio Hark Gettys faz uma petição ao tribunal, em nome de todos os «herdeiros», pedindo a leitura do testamento.
    Na sua busca, Nate sofre um acidente de avião durante uma tempestade, mas sai praticamente ileso. Sobre Rachel, sabe que foi adotada assim que nasceu e que poucos contactos com os progenitores manteve. A mãe regressou ao seu local de nascimento perseguida pelos rumores da sua situação e acabou por se suicidar. Por outro lado, ele continua a não resistir à bebida.
    Os advogados de todos os herdeiros reúnem-se e decidem contestar o testamento, alegando insanidade mental por parte do seu autor, não salientando, aos seus clientes, a salvaguarda segundo a qual quem o contestasse e perdesse ficaria sem o direito ao pouco que lhe coubesse no testamento. Decidem também contratar uma firma para conselheira-chefe durante o julgamento do caso em tribunal.
    Enquanto isso, Nate prossegue a sua busca no pantanal da herdeira, viajando de barco pela imensidão de afluentes e contactando com várias tribos índias, sendo feito uma crítica ao tratamento a que foram submetidos pelos brancos ao longo da sua existência.
    Na tentativa de contestar a validade do testamento, os advogados despedem os três psiquiatras e contratam outros. O criado de Troy Phelan e a secretária propõem-se ajudá-los e troco de cinco milhões de dólares para os dois.
    Nate encontra, finalmente, Rachel, mas esta não tenciona assinar os papéis nem receber a herança. De regresso do Pantanal, Nate contrai a febre de dengue.
    Hark Gettys e Snead (o criado) começam a combinar o depoimento deste, repleto de mentiras. Por exemplo, Snead afirmará que Phelan estava louco e que só foi dado como lúcido pelos psiquiatras porque, previamente, tinham preparado o encontro, fazendo uma lista de possíveis perguntas que lhe seriam feitas e relembrando datas, nomes, cotações da bolsa, etc.
    Regressado aos EUA, Josh aconselha Nate a ser o representante de Rachel no processo. Por seu lado, Gettys torna-se advogado de três quartos dos Phelan. Nate aproxima-se do cristianismo, volta a frequentar a missa, a ler a Bíblia e torna-se amigo do padre Phil, jantando em sua casa e ajudando-o numas construções que está a realizar.
    Começa a sessão de depoimentos. Nate revela-se um exímio interrogador, mas aquele ambiente de tribunal só torna mais intensa a decisão de abandonar a prática da advocacia. Quando interroga Snead, consegue arrancar-lhe que os advogados dos Phelan já lhe pagaram 500 mil dólares pelo seu testemunho. O de Nicolette durou oito minutos e foi desacreditado facilmente: Nate perguntou-lhe se tinha mantido relações sexuais com Phelan, sem ambos se despediam e se ela lhe conhecia alguma marca de nascença. A esta última pergunta ela responde negativamente. Nate saca de uma fotografia da autópsia onde se veem duas marcas de nascença numa perna.
    Entretanto Hark Gettys tinha dado entrada em tribunal de uma ação para que fosse negado provimento às alegações que Rachel apresentara contra a contestação do testamento. O objetivo é evitar chegar a julgamento e chegar a um acordo extrajudicial. Assim acontece, dada a recusa de Rachel em aceitar a herança, facto desconhecido pelos seus meios-irmãos. Por isso, Nate e Josh concordam em dar cinquenta milhões de dólares a cada Phelan.
    Para convencer Rachel, Josh engendra um esquema: os bens seriam aplicados num fideicomisso - Fundação Rachel - e o dinheiro permaneceria intocado durante dez  anos, podendo-se dispor apenas dos juros para obras de beneficência. Passados esses dez anos, poderia ser despendido 5% do dinheiro, mais juros, em obras de caridade.
    Quando Nate e Jevy chegam à aldeia índia para convencer Rachel, recebem a nova de que esta morreu vítima de um surto de malária. Apercebendo-se de que estava a morrer, fez um testamento em que exprime o desejo de aplicar a herança do pai num fideicomisso para obras de caridade, difusão da fé cristã e proteção dos povos mais desprotegidos, bem como nomeia Nate administrador do fideicomisso e testamenteiro. Esse testamento foi testemunhado por um advogado da cidade de Corumbá e pela sua secretária.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

O Senhor Ventura, de Miguel Torga


    O Senhor Ventura é um alentejano de Penedono que, aos vinte anos, vai cumprir o serviço militar para Lisboa, onde se distingue pela sua irreverência e pela habilidade para desenrascar pequenas situações ou ocorrências e pelo assassínio de um homem numa taverna, ato que não se consegue provar, mas todos suspeitam de si. Por isso, é enviado para África, onde se envolve, amorosamente, com a filha de um oficial e, descoberto, acaba por desertar e envolve-se no tráfico de ópio por mar. Após assassinar um fiscal britânico quando este se preparava para abordar o barco (mais uma vez sem testemunhas) decide voltar a terra, deslocando-se para a cidade de Pequim, para uma garagem da casa Ford. Aí, encontra outro desertor, um minhoto de nome Pereira, dono de um «local» onde serve refeições, até ao dia em que se envolvem numa rixa com soldados americanos e são obrigados a fechar o «estabelecimento».
    Decidem então ir para a Mongólia entregar duzentos camiões da Ford ao governo chinês. A aventura seguinte é o rapto do velho milionário Chung Lin. O desejo de regressar à pátria é suspenso pela montagem de um arsenal que forneça armamento às várias fações em guerra na China, após umas febres que o afetaram e das quais foi salvo graças aos esforços tenazes de Pereira. Durante um assalto feito pela fação rebelde do exército chinês, o Sr. Ventura perde tudo menos a vida. Menos afortunado é Pereira, que morre e é enterrado no deserto.
    De novo em Pequim, um mês depois, apaixona-se por Tatiana, com quem casa. No entanto, ela é uma mulher rebelde, que não o ama, não é prendada (nem cozinhar sabe), e os dois agridem-se regularmente. Ao amor dele corresponde apenas a atração física dela.
    O nascimento do filho Sérgio leva-o a procurar uma vida economicamente mais estável e menos feita de expedientes, daí que resolva distribuir por vários locais da cidade máquinas de jogo. De seguida, monta uma garagem de táxis e aprende a ler e o dinheiro começa a crescer.
    Intuindo que algo está para mudar na China, vende os carros, pega fogo à garagem, recebe o dinheiro do seguro e monta, num bairro discreto, uma fábrica de heroína. Denunciado o negócio da heroína, o Sr. Ventura é repatriado, deixando na China o filho e a mulher, esta com uma procuração para gerir o que resta da sua fortuna.
    Em Penedono, aluga a herdade do Farrobo por cinco anos com intenções de a fazer render bom dinheiro e descreve à sua mulher, a russa Tatiana, a notícia, mas a resposta demora um ano a chegar. Acumulando graves prejuízos na exploração da herdade durante os primeiros anos, chega a Portugal o filho de oito anos pela mão do Sr. Gomes, que lhe relata o que sucedeu nesses quatro anos na China. Em suma, a mulher levara uma vida de dissipação com amantes, primeiro um turco e depois um inglês.
    A colheita do quinto ano é abundante. O Sr. Ventura paga as dívidas reparte os lucros entrega a herdade, uma chave ao filho, que entretanto colocara num colégio de Lisboa, e retorna à China para se vingar. Passado meio ano de procura obstinada e obsessiva por meio Oriente, encontra finalmente Tatiana em Xunquim, ou melhor, encontra-o ela a morrer num hospital, vitimado por um cancro no fígado.
    Enterrado nessa cidade, o filho é expulso do colégio por falta de quem pague as mensalidades, para o Farrobo, onde o velho Gaudêncio o acolhe e põe a guardar ovelhas. "Pastor, que foi por onde o Senhor Ventura começou."

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Sob a Bandeira da Coragem, de Stephen Crane


    Henry Fleming é um jovem inexperiente e fogoso que se alistou como voluntário no exército da União, ansioso por participar na Guerra da Secessão. No entanto, a monotonia dos primeiros tempos de soldado (sempre a sonhar com batalhas) desilude-o.
    Quando participa na primeira, acaba por fugir do campo de batalha durante uma carga da fação inimiga, pensando que a derrota é inevitável. Porém, qual não é o seu espanto e o sentimento de ter sido traído quando os companheiros que permaneceram em combate conseguem vencer a batalha, que ele considerava já perdida. O contacto com a carnificina, com a morte de amigos e com comportamentos bizarros de outros soldados, faz com que o jovem, por um lado, seja atacado pelo vírus do remorso (por ter fugido enquanto os outros davam a vida na luta) e, por outro, questione as motivações da guerra: "Estavam sob a ilusão de que combatiam por princípios, pela honra, pelo seu lar e por outras coisas. Bom, e de facto combatiam."
    Após nova refrega, depara com uma massa de soldados em debandada e é agredido com uma coronhada na cabeça quando agarra um deles para o questionar sobre o que se está a passar. Auxiliado por outro soldado, acaba por reencontrar o seu regimento. A ferida na cabeça possibilita que seja tratado como um ferido de guerra e não como um cobarde fugitivo, como temia. Pelos relatos que entretanto ouve, conclui que os atos de cobardia não são exclusivo seu no próprio batalhão.
    No dia seguinte, em novo recontro, dá consigo a transformar-se num combatente feroz. No entanto, ao escutar, por acaso, uma conversa entre um general e um oficial, apercebe-se de como a sua vida é insignificante para eles.

Memnoch, o Demónio


    Lestat é um vampiro obcecado por Dora, a filha de um barão da droga que será a sua próxima vítima. Ao mesmo tempo, sente-se perseguido por um monstro gigantesco e horrendo. Depois de beber o sangue de Roger e, consequentemente, o matar, Lestat é surpreendido pelo seu fantasma, que lhe pede que proteja a filha. Os dois acabam a falar longamente sobre vários assuntos num bar, nomeadamente de Dora e de teologia, até que o ser que persegue o vampiro vem reclamar o fantasma de Roger. Esse ser é Memnoch, o Demónio, que o convida a acompanhá-lo ao Inferno e ao Céu e a ser o seu braço direito. Pelo meio, ocorre o encontro entre Lestat e Dora, por quem ele sente um misto de atração e ternura e a quem relata a morte do pai e a autoria da mesma. De notar o pormenor da menstruação da mulher e o desejo do vampiro de beber esse «sangue puro».
    Memnoch leva primeiro Lestat ao Céu, onde fala com Deus, um lugar de luz e de almas e de risos (= alegria). Durante um passeio que dão por uma floresta, o Demónio explica ao vampiro as Treze Revelações de Deus: a primeira é a transformação das moléculas inorgânicas em orgânicas; a segunda é a transformação das moléculas em células, enzimas e genes (as algas e os fungos aquáticos, que depois se apropriavam também da terra sob a forma de lodo, mais tarde de fetos, coníferas e, por fim, se converteram naquelas dimensões massivas da floresta); a terceira corresponde ao ciclo da vida: nascimento, vida e morte dos seres vivos, o que revelou aos anjos de Deus as noções de medo, sofrimento, destruição, morte e castigo; a quarta equivale à Cor: a beleza e a profusão de cores das flores, o acasalamento entre os organismos; a quinta é a Encefalização: o desenvolvimento de cabeças (sistemas nervosos e esqueletos), centros da inteligência - entre os anjos de Deus nasce o receio por Ele permitir que a matéria pudesse aceder à inteligência, ao pensamento; a sexta é o nascimento do rosto nas criaturas - o pânico de Memnoch é diluído apenas por um diálogo com Deus, que o designa como o mais atento e sagaz, mas também como o único que não confia Nele; a sétima consiste na povoação da Terra pelos animais vindos do mar (répteis, animais monstruosos de quatro e duas patas, os insetos; as chacinas entre os animais; os nascimentos das crias a partir de ovos e de dentro das mães); a oitava concerne às aves de sangue quentes com asas emplumadas (como os anjos, que protestam em coro); a nona é o surgimento dos mamíferos; a décima, o caminhar ereto dos macacos (brutais, selvagens, batendo, mordendo, matando), criaturas criadas à imagem de Deus e dos anjos, a tentativa de fala, o início de padrões de comportamento - o enterro dos mortos, a proteção e solidariedade dos mais fortes para com os mais fracos, dos sãos para com os doentes ou incapacitados, o enterro com flores; a décima primeira diz respeito ao surgimento do Homem moderno (a afeição, o amor, a dor); a décima segunda refere-se à beleza e sedução da mulher - as semelhanças com os anjos e o próprio Deus; a décima terceira respeita ao acasalamento do homem e da mulher, do qual resulta a grande diversidade de formas, cores, raças... o homem e a mulher são, afinal, Deus dividido em dois (os anjos divididos em dois).
    O orgulho leva Memnoch a questionar Deus sobre o sentido daquela evolução operada na Terra (em hebraico, Satanás significa «aquele que acusa»), mas Ele consegue aplacar sempre a sua ira: «Memnoch, se Eu não me sinto ridicularizado por este ser, se ele é criação Minha, como é que tu te podes sentir assim?»
    Porém, um dia os anjos descobrem que os humanos também têm uma parte espiritual, uma alma. Um grupo de anjos desce, então, à Terra para observar a humanidade e encontra-a organizada e crente num Deus, fazendo-lhe oferendas e sacrifícios. Memnoch acaba sozinho e assume a forma humana. Três dias depois relaciona-se sexualmente com uma mulher. Como castigo, Deus expulsa-o do Céu. Junta-se aos homens e vive como eles, ensinando-lhes tudo o que sabe, insistindo frequentemente no retomar da fala com Deus, inutilmente porém.
    Três meses depois Memnoch é convocado ao Céu por Deus, que lhe propõe a criação de um Inferno para os humanos que ele chefiasse. O Demónio, ainda anjo, pede-lhe que permita que as almas tenham oportunidade de irem para o Céu e a divindade diz-lhe que, se encontrar dez almas dignas de tal, o perdoará e assim fará. Memnoch encontra essas almas e é perdoado por Deus, mas o anjo deseja que todas elas tenham a mesma oportunidade e não apenas alguns deleites, por isso pede-lhe que se humanize, que assuma a forma humana, se misture entre os seres humanos, para os melhor compreender no seu sofrimento e no desejo de ascender à luz divina. Deste modo, Memnoch é expulso pela segunda vez do Céu.
    Um dia, a entidade demoníaca encontra Deus no deserto. Ele fez-se nascer de uma mulher, trinta anos atrás, para melhor conhecer a vida, o sofrimento, a dor e os desejos humanos. Viverá mais três anos, durante os quais levará a Sua palavra e os seus ensinamentos aos homens. Destes, os que o escutarem terão como recompensa a glória divina. Seguidamente, deixar-se-á crucificar e ressuscitará três depois, para que os homens aprendam que Ele se sacrificou por amor a eles. Memnoch, no entanto, declara que esse gesto será um erro, pois «Porque é que o amor tem de exigir sacrifício?», o sofrimento e a morte são o mal do mundo, que têm de ser vencidos para chegar a Deus. Além disso, não foi o sofrimento que ensinou a humanidade a amar, mas, sim, a afeição e o carinho entre ela. Para que Deus compreenda tudo isto, é necessário que se torne humano totalmente, sem qualquer traço ou certeza de ser divindade; então, verá o horror do sofrimento humano.
    Voltando ao presente, encontram Deus, que pede a Lestat que vá a Jerusalém com Memnoch no dia da Sua morte e assista à Sua paixão. Regressam então a um passado três anos posterior ao último diálogo travado entre Deus e o (ainda) anjo. Segue-se a descrição do trajeto de Cristo com a cruz e do encontro com Lestat e Memnoch. Deus desafia o vampiro a provar o seu sangue e, soluçando, Lestat fá-lo.
    Segue-se o episódio da Verónica e do seu véu, que Deus entrega ao vampiro, que, seguidamente, experimenta os horrores da Quarta Cruzada -cristãos (romanos) contra cristãos (gregos) → a destruição, a morte, o  horror, o sofrimento... em nome de Deus.
    Lestat é, então, arrastado até a um novo confronto entre a divindade e Memnoch. Este questiona Deus sobre as almas perdidas, pedindo-lhe que, em vida, lhes mostre o caminho da luz. Este acaba por lhe atribuir o reino de Sheol, onde o demónio cuidará dessas almas perdidas, os seus seguidores, condenando-o a ser o seu adversário e a passar um terço da sua existência na Terra e outro no Sheol ou Inferno. Condena-o ainda a ser visto entre os humanos como o Demónio, a Besta, que desafiou Deus.
    Na sequência, Lestat visita o Inferno, um local de dor, sofrimento e horror, por isso procura a fuga desse espaço, que Memnoch tenta evitar a todo o custo. E é cansado, sofrendo e sem um olho que o vampiro regressa à Terra, decidido a não optar nem por Deus nem pelo Demónio. Ele relata a Dora, Armand e David as suas andanças pelo Céu e pelo Inferno e mostra-lhes o véu de Verónica, que fica na posse de Dora. Esta vê ali uma prova da vitória de Deus e corre a anunciá-la. Armand deixa-se consumir pelo fogo / luz do Sol para provar aos homens o milagre apregoado pela mulher. Os sacrifícios sucedem-se diariamente, Dora entra numa nova fase da sua existência, divulgando a fé. O Véu opera curas milagrosas. Enquanto isso, Maharet, a «mãe» dos vampiros, entrega a Lestat um pergaminho que contém o olho que o Diabo, acidentalmente, lhe arrancara e um escrito de Memnoch: «Para o... 417».

Alves & C.ª


    Godofredo da Conceição Alves, dono de uma firma comercial, no dia do seu aniversário de casamento, surpreende a mulher, em sua própria casa, traindo-o com o seu sócio, sr. Machado. Em consequência, expulsa-a para casa de seu pai, atribuindo-lhe uma determinada quantia em dinheiro para suportar o seu estilo de vida e custeia também as despesas de umas férias para iludir a vizinhança quanto aos motivos da separação do casal. Relativamente ao sócio, propõe-lhe um desenlace sui generis: tirar à sorte qual dos dois se há de matar, pois, naquela época, os duelos tradicionais tinham caído no ridículo. Machado recusa esta proposta, considerando-a absurda, preferindo um duelo tradicional.
    No entanto, as testemunhas de ambos acabam por convencer Godofredo da desnecessidade do duelo: tudo não passou de mero namoro e foi a primeira vez. Este concorda, bem como com a ideia de continuar sócio de Machado, embora sem terem relações íntimas.
    Inicia então uma existência abominável (solidão, desmazelo por parte das criadas no amanho da casa e da roupa, saudade de Ludovina). Vê-a esporadicamente até que um dia chega à fala com ela. A pretexto de um candeeiro que não sabe acender, leva-a a casa e a reconciliação acontece. O reencontro de ambos com Machado sucede um dia depois em S. Carlos e, na manhã seguinte, Godofredo e o sócio retomam a velha amizade.
    Um dia, surpreende Margarida a entregar às escondidas uma carta a Ludovina. Furioso e ciumento, questiona a esposa e acaba por encontrar outra missiva que fala de uma esmolas feitas a uma pobre mulher. Entretanto, Machado anuncia-lhe que a mãe está muito doente. A mulher morre e Godofredo convida-o para jantar em sua casa.
    Passam trinta anos, durante as quais morre Neto, o pai de Ludovina; Teresa, a irmã, casa; Machado casa uma vez, enviuva, casa de novo e as famílias passam a viver lado a lado, enquanto o escritório floresceu. Afinal, «Que coisa prudente é a prudência!», pois tudo poderia ter sido estragado com o tal duelo «Por causa de uma tolice, amigo Machado!» Ironia...

Desafio à Polícia, de Carter Dickson


   O Inspetor-Chefe da New Scotland Yard Masters recebe um bilhete, escrito à máquina, onde a polícia é convocada para estar numa determinada morada às cinco horas da tarde, na qual serão encontradas dez chávenas de chá. Este bilhete é em tudo idêntico a outro, enviado dois anos antes, do qual resultou o assassínio de um homem chamado Dartley, não solucionado até ao presente.
    A polícia cerca a casa, mas ainda assim é assassinado, à hora indicada, Phillip Keating com dois tiros. Ninguém entrou ou saiu do quarto onde tivera lugar o crime. Para aumentar o mistério, alguns objetos curiosos são aí encontrados: além das dez chávenas (duas partidas durante o crime), o pano da mesa com desenhos de penas de pavão e uma cigarreira com as inicias J.D., de Jeremy Derwent, que, juntamente com a mulher, tinha sido o último inquilino daquela moradia e também o último inquilino do n.º 18 de Pendragon Gardens, o local onde tivera lugar o assassinato de Dartley. Por outro lado, no rosto de Keating está estampada uma expressão de terror. Na cigarreira, existem as impressões digitais do morto e de uma mulher desconhecida.
    Frances Gale, namorada de Keating, revela que o seu namorado foi alvo de ameaças de morte por parte de um amigo, Ronald Gardner, e acrescenta que o revólver que serviu para o assassinar fazia parte da coleção de armas de Gardner. Revela ainda que Derwent era o advogado de Vance e que, dois dias antes, organizara um «jogo de assassínio» onde o revólver foi usado, entre outras armas. Nesse jogo, marcaram presença o casal Derwent, Frances, Phillip Keating, Gardner e Benjamin Soar (um negociante de arte). Por outro lado, Frances nega ter passado, nesse dia, em frente da casa onde ocorrera o crime, bem como ter tido na sua posse as chaves da mesma.
    Henry Merrivale acredita que a mentira de Frances relativa a esse dia se fica a dever a ciúmes da Sr.ª Derwent e afirma que o mistério que envolve o caso é a razão por que Keating se recusou a participar no jogo. Henry Merrivale e Pollard vão falar com Jeremy Derwent: as mudanças sucessivas de casa têm como causa o aborrecimento da mulher; Vance Keating fez um testamento a favor do primo Phillip e de Frances, que serão herdeiros em partes iguais; Vance, posteriormente, fez um novo testamento há menos de uma semana totalmente a favor da Sr.ª Derwent, a quem ele fazia a corte, mas sem ser correspondido; a Sr.ª Derwent passou toda a tarde do crime na companhia de dois tios.
    Depoimento de Phillip Keating: teve uma discussão com o primo; pensa que o crime foi cometido pela sociedade secreta As Dez Chávenas, de que a Sr.ª Derwent faz parte e onde Vance iria ser iniciado (uma das leis é a que todo o filiado pode tomar como sua noiva a mulher que preferir dentre as que fazem parte do grupo); foi Vance quem ameaçou Ron de morte, tendo mesmo disparado sobre ele, e não o contrário, após uma discussão sobre Frances; Ron levou a arma consigo após o jogo do assassínio, uma opinião contrária à de Frances; Vance tem grande medo de armas de fogo.
    Depoimento da Sr.ª Derwent: a cigarreira é sua (embora as impressões digitais nela encontradas não sejam suas) e emprestou-a a Vance, que se esqueceu de a devolver; ao receber a notícia da morte de Vance, grita e chora; passou, de facto, a tarde com as tias e outras pessoas no teatro.
    Segundo informações recolhidas por Masters, Jeremy Derwent anda a tentar reabrir o inquérito referente ao assassínio de Dartley. Porque terá Phillip «assassinado» a Sr.ª Derwent durante o jogo do assassínio, sendo que, segundo Merrivale, nesse jogo são assassinadas geralmente as pessoas de quem se gosta ou com quem se tem intimidade? Por outro lado, são destacados o cano de gás e uma queimadura de pólvora precisamente por baixo do cano.
    Segundo depoimento de Frances Gale: as segundas impressões digitais na cigarreira são suas, porque Vance lha emprestara para servir de espelho; passou, de facto, em frente de Berwick Terrace, porque estava a espiá-lo e à Sr.ª Derwent; confirma também ter obtido as chaves e visitado a casa há meses, mas diz tê-lo feito a pedido da desta, para ir buscar a esse local onde tinha morado umas cartas de amor, guardadas num esconderijo secreto, algumas das quais de Vance; esse esconderijo secreto situava-se num divã velho, no sótão, parcialmente oco; reafirma que não foi Ron que levou o revólver da casa de Derwent.
    Acareação de Phillip e Framces: o primeiro afirma que foi Soar quem lhe garantiu ter sido Ron a levar o revólver, pois ele não viu; na hora do crime, estava numa cocktail-party; o chapéu encontrado no local do crime não lhe pertence, apesar de nele estar inscrito o seu nome.
    Entretanto, a Sr.ª Derwent anda a espalhar boatos sobre a conduta que Masters adotou para consigo quando a «entrevistou», a sós, na limusine.
    Depoimento de Ronald Gardner: o tiro disparado contra si por Vance Keating foi acidental; o revólver, embora tendo um gatilho muito sensível, precisa de ser engatilhado antes de poder ser disparado; essa cena do tiro foi uma espécie de ensaio para o jogo do assassínio.
    As pistas materiais do assassínio de Vance Keating resumem-se a três: a cigarreira, o chapéu e a renda de Milão com penas de pavão bordadas a ouro (comprada por Derwent, na véspera do crime, a Soar).
    Declarações de Soar: foi alguém que disse chamar-se Vance Keating quem fez a encomenda da renda e a mandou entregar em casa de Jeremy Derwent; no entanto, ao telefonar a Vance para confirmar a entrega do produto, este nega a encomenda; não tem alibi; conta uma «história fantasmagórica» ocorrida durante o jogo; o Sr. Derwent estava nas salas do Comissariado à hora do crime.
    Sir Henry Merrivale recebe um bilhete onde é convidado a assistir a uma reunião, às 9 e 30 de 1 de agosto, em determinado local, no qual serão encontradas dez chávenas de chá.
    Depoimento do criado Alfred Edward: no dia do assassinato, o patrão, Vance, recebeu de manhã uma carta contendo duas chaves, um evento que o deixou preocupado. Além disso, afirma que, ao sair de casa, Vance não levava nenhum chapéu, enquanto o guarda-portão afirma o contrário. Quem está a mentir e quem está a dizer a verdade?
    Entretanto, a Scotland Yard coloca a nova casa sob vigilância. A determinada altura entram nela três homens: um é Jeremy Derwent, que assume ter escrito esta última missiva como forma de convocar para ali a polícia e solucionar definitivamente o crime Dartley, algo que intenta há bastante tempo. Seguidamente, chega Soar, a quem a casa pertence e para onde se está a mudar. Jeremy Derwent afirma, então, que foi o pai de Soar que assassinou Morris Dartley, pois este conseguiu elaborar um esquema de chantagem sobre o velho Soar, através da qual conseguiu obter peças de antiguidade a um preço irrisório, obtendo com elas um enorme lucro.
    A terceira pessoa na casa, entrada pelas oito e quinze, deverá ser o assassino que, ao saber do bilhete e como foi ele a escrevê-lo, terá curiosidade em saber do que se trata. Entrementes, bate à porta a Sr.ª Derwent. Quanto a Gardner, deu conta que estava a ser perseguido pela polícia e, depois de fazer o agente dar meia volta a Londres, senta-se com ele a fumar e a conversar sobre armas de fogo em cima de um muro. Já no que se refere a Phillip Keating, nada se sabe sobre o seu paradeiro.
    Entretanto, ao fazer uma busca à casa, dois polícias encontram uma pistola automática, um par de luvas masculinas com manchas e um punhal com sinais de sangue, usado na última hora. No entanto, quanto a pessoas, não encontram ninguém. Afinal, Phillip Keating está a beber uísque num bar, a dez minutos dali.
    Henry Merrivale começa a revelar algumas conclusões obtidas a partir das suas investigações e deduções: a 15 de julho, Vance Keating casou-se com Frances Gale; o testamento de Vance a favor de Janet Derwent foi uma brincadeira, para se vingar das brincadeiras amorosas a que ela o sujeitava (quando finalmente acedesse a casar com ele, Vance mostrar-lhe-ia já ser casado e mandá-la-ia para o diabo). Na cadeira onde está sentado Soar, encontra-se disfarçado um cadáver, a do criado Alfred Edward Bartlett, morto à punhalada pelas costas e quem o escondeu ali foi Soar. Bartlett era o terceiro homem na casa.
    Afinal, o autor dos dois últimos crimes é Ronald Gardner, que entra na sala intempestivamente, tentando agarrar o punhal, mas é detido por Pollard.
    Relatório final de Henry Merrivale: a inspiradora dos crimes foi Janet Derwent, pois Gardner cometeu-os, sozinho, por amor. Bartlett mentiu sobre o tiro de pólvora seca, dado que, se tivesse ocorrido como ele disse, a sua mão teria sido ferida, o que não sucedeu. Gardner é que disparou o cartucho de pólvora seca à cabeça de Vance, queimando-lha e fazendo-lhe um galo, daí o chapéu demasiadamente grande e a não participação no jogo do assassínio. Só uma coisa o faria sair de casa: um apelo das Dez Chávenas de Chá, a cuja reunião compareceria para se vingar de Janet Derwent. O primeiro disparo à cabeça foi feito do quarto do sótão do prédio defronte e a queimadura feita na véspera serviu para fazer crer que o tiro tinha sido feito à queima-roupa. Depois Gardner lançou o revólver para o quarto onde estava Vance e, como tinha o gatilho muito sensível, ao cair no chão disparou-se, daí a queimadura no chão, atingindo outra vez Vance, na coluna.
    A Sr.ª Derwent colaborou na invenção da rede das Chávenas de Chá e foi ela quem surripiou o revólver da sua própria casa. Quem telefonou a encomendar a renda foi Gardner e enviou-a à amante para a implicar no crime, pois percebeu que, caso o crime corresse mal, ela não hesitaria em o trair. Assim, Janet perceberia que estava tão envolvida quanto ele e não tentaria enganá-lo.
    Bartlett mentiu para confirmar a história da cabeça queimada de Vance. Gardner matou Bartlett para que este não contasse a verdade do que se passou entre Vance e Gardner.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

O Caso Christie, de Nina de Gramont

    A narrativa começa em dezembro de 1926. Nan O'D88ea é amante de Archie, marido de Agatha Christie, que já é uma escritora conhecida, mas está bem longe ainda da fama e do sucesso que alcançará mais tarde. A obra abre com a referência ao projeto iminente de Archie de a  deixar em definitivo para ficar com a amante, num momento em que a ainda esposa sofre a morte da mãe, ocorrida há pouco mais de meio ano. As duas mulheres vão almoçar juntas por sugestão de Agatha e, já depois da refeição terminada, quando estão prestes a separar-se, Christie pede à rival que deixe o seu marido para quem o ama: ela mesma. Aos 36 anos, após 12 de casamento e uma filha, Teddy, ama-o profundamente.
    Na manhã de 3 de dezembro, após uma noite de amor, Archie sai de casa pela última vez, para ir viver com a amante, com quem se relaciona já há dois anos e com quem pretende casar, depois de obter o divórcio de Agatha por motivo de adultério.
    O'Dea namorou um irlandês chamado Finbarr e com 19 anos viu-se grávida dele em casa da sua família na Irlanda. O rapaz adoece e o pai vai colocá-la num convento. Engravidar solteira era uma grande vergonha social. É filha de pai irlandês e mãe inglesa e tem três irmãs. Gostava de correr e de jogar à bola com os rapazes quando tinha 13 anos, idade com que vai passar as férias na quinta do tio Jack e da tia Rosie, na Irlanda, onde conhece Finbarr Mahoney, o filho de um pescador que trabalha para os tios da jovem. Nos dois verões seguintes, repete as férias. No terceiro, tem ela 15 anos, Finbarr alista-se no exército britânico para combater na Primeira Guerra Mundial. Na véspera da partida, ele anuncia-lhe a novidade e oferece-lhe um "claddagh", isto é, um anel tradicional irlandês em forma de coração e com uma coroa e duas mãos entrelaçadas, que representam, respetivamente, o amor, a lealdade e a amizade. Trocam o primeiro beijo e separam-se por cauda de uma guerra que criam duraria meio ano.
    A narradora, a própria Nan, interrompe a analepse e volta ao presente da ação, 3 de dezembro de 1926, o dia em que Archie abandona Agatha e em que esta desaparece. Nessa manhã, a escritora acompanha a filha Teddy e a criada, Honoria, à escola. Mais do que serva, esta última é também confidente, e aconselha-a a aceitar que o marido partiu de vez, algo em que a Christe não acredita, pois considera que, com paciência e um plano, ainda o poderá fazer regressar aos seus braços. 
    Na manhã seguinte, espalha-se a notícia do desaparecimento de Agatha. Apenas se sabe que, na noite anterior, saíra de casa de carro, que foi mais tarde descoberto junto a uma mina, com o capô enfiado nuns arbustos. No interior, encontram um casaco de peles, uma mala de viagem cheia e uma carta de condução. Da sua casa de Styles, nome que a habitação ganhara numa espécie de homenagem ao primeiro romance de Agatha, desapareceu a sua máquina de escrever. 
    De regresso  à analepse, na  Irlanda, Nan recebe a notícia da morte de Colleen, a irmã mais velha: apaixonara-se por um estudante de filosofia, engravidara, ele partira para a guerra, nunca respondera às suas cartas, o pai expulsara-a de casa e ela lançara-se ao Tamisa.
    Quatro anos se passam. Nan vai trocando correspondência com Finbarr. Nesse espaço de tempo, certo dia, a mãe levara-a a tirar um retrato para enviar para o seu amado soldado, que, após a receção, a passa a trazer sempre consigo. Já perto do final da guerra, a mãe mostra às três filhas uma lata de chá escondida onde vai ocultando dinheiro. E diz-lhes que nunca deverão fazer o mesmo que Colleen. Se também engravidarem, deverão dizer-lhe apenas.  Depois fugirão para a América ou para a Austrália e inventarão uma história qualquer que justifique a gravidez sem serem casadas. O pai "que se dane'. Isto mostra como as quatro mulheres desprezam e sentem raiva dele por ter expulsado a filha de casa, culpando-o pelo seu suicídio.
    No Dia do Armistício, Nan celebra em Londres no mesmo espaço onde está também Agatha Christie, que durante o tempo da guerra tirara um curso de estenografia. Como por milagre, Nan e Finbarr encontram-se no meio da multidão em êxtase. A voz dele está mais áspera, mais profunda, por efeito do gás-mostarda. Os dois percorrem o lugar até encontrar um quarto onde fazem amor. Ele pede-a em casamento, mas ela responde que antes tem de pedir a bênção à mãe. Combinam então casar dentro de meses e que ele lhe enviará dinheiro para ela ir ao seu encontro na Irlanda.
    A narrativa salta de novo para o desaparecimento de Agatha. É publicado o aviso referente ao mesmo e a polícia de todo o país é convocada para as buscas. Até o inspetor Frank Chilton fora chamado da reforma para participar nas investigações. Ao terceiro dia, a notícia espalha-se e chega ao The New York Times. Entretanto, Anna, a nova criada da sala de visitas de Styles, informa a polícia de que o casal Christie teve uma violenta discussão na manhã do dia do desaparecimento e que Agatha, na sequência, ficou bastante abalada. Mais informa que é possível que haja outra mulher envolvida na história. Ao mesmo tempo, Nan instala-se no Bellefort Hotel and Spa. Durante uma caminhada com outra hóspede que entretanto conhecera, dá de caras com Finbarr, que lhe vem pedir que deixe tudo e o acompanhe de volta à Irlanda, para casarem, mas ela, que nota as mudança enormes que o tempo operou nele (a sua constante alegria dera ugar à tristeza, tudo efeitos da guerra), recusa. Ele então parte, mas promete-lhe que o voltará a ver em breve.
    A narração regressa à analepse. Finbarr escreve duas cartas a Nan, a segunda a informar que o tio Jack sobrevivera à guerra, mas trouxera consigo a febre, que lhe passara a ele e à família. Alguns dos familiares tinham morrido, nomeadamente o filho Seamus, primo da narradora. Em Inglaterra, Nan descobre que está grávida, mas não conta a ninguém. Antes toma posse do dinheiro que a mãe guarda na lata e parte para Ballycotton, para casar com Finbarr.  Chegada lá, é mal recebida pelos Mahoney, que a querem impedir de ver o filho, que se encontra gravemente doente, mas a custo permitem-lhe que o veja por breves momentos. O rapaz não lhe fala nem dá pela sua presença. Durante a noite, ela esgueira-se para o quarto e vela-o. De manhã, parte. A mãe do rapaz, assim que a tinha visto, logo soubera estava grávida do filho. 
    De regresso à atualidade, o inspetor Chilton passa pelo hotel onde está hospedada Nan, mostrando a fotografia de Agatha aos hóspedes e perguntando-lhes se a viram. Quando chega a vez da amante de Archie, esta apresenta-se como mulher casada e responde capciosamente que nunca a vira em York. Desta forma, evita dizer que a conhece e explicar todas as circunstâncias e relações que a ligam à desaparecida. Por outro lado, se um dia a polícia conhecer toda a história que a liga aos Christie e for questionada sobre a razão por que negou ter visto a escritora, poderá responder que tal não é verdade, que não negou conhecê-la, mas apenas que nunca a vira naquela região. 
    No hotel, encontram-se  também hospedados Lizzie e dois casais em lua de mel: os senhores Race e Marston. Ao jantar, estala subitamente uma discussão feroz entre o primeiro casal. Quando a mesma acalma, subitamente o sr. Marston, um homem de cerca de sessenta anos, levanta-se e agarra-se à gargsnta, como se estivesse engasgado. Depois cai no chão e morre. Na manhã seguinte, a senhora Marston é encontrada morta na cama.
    O inspetor Chilton tem mais que fazer do que prestar grande atenção àquelas duas mortes súbitas e percorre estradas com o seu carro à procura de Agatha Christie. Pelo caminho, passa por um casal jovem abraçado e reconhece a rapariga como sendo aquela a quem mostrara a fotografia da escritora: Nan. Pouco depois, engana-se no caminho, vira no sítio errado, a seguir noutro, até chegar a uma estrada rural e parar em frente a uma casa, ao lado da qual estava meio escondido um automóvel. Curioso, aproxima-se e escuta à porta: de dentro chega-lhe o som das teclas de uma máquina de escrever. Bate então à porta. Alguém abre: Agatha Christie. Termina a   primeira parte do livro.
    A segunda parte abre com nova analepse, agora para explicar o desaparecimento. Agatha saiu de casa pelas 21 e 45, para aclarar as ideias, mas voltou algum tempo depois sem ser notada. Colocou a máquina de escrever e alguns pertences no carro para ir até Ashfield, para organizar as ideias. No entanto, mal chegou ao veículo, mudou novamente de ideias. Assim, decidiu ir a Godalming, a casa dos Owen, onde sabia estar a amante do marido. Durante viagem, quase atropelou um homem por causa da escuridão e dos olhos inchados do choro. No último momento, guinou o carro para não o atingir e saiu de estrada perto da mina. O homem, jovem, aproximou-se, bateu na janela e disse-lhe que viera para falar com ela sobre Nan O' Dea. Ambos saíram dali num automóvel que o irlandês encontrara abandonado e estava estacionado por perto.
    Antes de regressar ao outro passado, num parágrafo proléptico, a narraspr dá conta de que terá um filho com Archie, uma menina a quen dará o nome da tia Rosie.
As rapRigaa solteiras que engracidacan eram enviadas para o convento, onde travslhavam para pagar a estadia até ao nascimento. Passado um ano, os bebês eram transferidos do berçário para outri local, no qual aguardarian para serem adotados, irem para uma familia de acolhimento ou para ul orfanato . As mães trabalharian maus dois ou três anos no convento. 
Terça-geira, 7 de dezembro de 1926: Agatha nega ser ela mesma ao inspetor e diz-lhe ir está ali com o marido. É nesse instante que chega Finbart, que colabora na mentira e se assume como o esposo. O inspetot insiste e o rapaz diz-lge que a espisa se chama nan Mahoney. O polícia não desiste e dá à escritotw um dia para pensar no que quer fazer e tegressa ao conforto do hotel.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

O caso da loira misteriosa, de John Banville


    
A ação decorre em Bay City, Califórnia, no início dos anos 50 do século passado, num momento em que o detetive Marlowe se vê com pouco trabalho e só.
    É então que lhe aparece uma nova cliente, Clare Cavendish, uma mulher casada que deseja que Marlowe encontre Nico Peterson, seu ex-amante. Rapidamente, descobre que o indivíduo morreu há dois meses num caso de atropelamento e fuga. Para sua grande surpresa, quando comunica o facto a Clare, esta responde-lhe que já sabe e acrescenta que, afinal, procurou o detetive porque viu Nico, poucos dias antes, na rua, quando viajava de táxi. Assim sendo, quem seria a pessoa atropelada? Difícil de saber, pois o seu corpo foi cremado após a autópsia. O que se sabe é que o falecido tinha a carteira de Peterson no bolso, vestia as suas roupas e foi identificado no local do acidente pelo gerente do clube Cahuilla. A própria irmã do sujeito, no dia seguinte, confirmou que era ele.
    Depois de conversar com uma aspirante a atriz que conheceu Peterson, Marlowe desloca-se à casa onde este morou, onde é surpreendido pela sua irmã e, pouco depois, ambos recebem a visita inesperada de dois mexicanos armados. O detetive é agredido e deixado inconsciente e Lynn Peterson levada pelos desconhecidos. 
    Já em sua casa, recebe a visita de Clare Cavendish. Os dois fazem amor e, logo depois de a mulher partir, recebe uma chamada da polícia a comunicar-lhe que encontraram o corpo de Lynn muito mal tratado numa berma. Marlowe desloca-se até ao local e mantém um breve diálogo com Bernie Ohls, um polícia duro e rude que toma conta do caso. Dois dias depois comparece no funeral e, de seguida, regressa ao escritório. Assim que estaciona o carro, é abordado por um indivíduo que o coage a entrar no veículo de Lou Hendricks, um criminoso dono de um casino ligado ao negócio do jogo, da prostituição e da droga, entre outros, que também está interessado no caso de Nico Peterson, por isso oferece mil dólares a Marlowe para trabalhar para si e procurar o homem desaparecido, todavia o detetive recusa.
    Nessa noite, recebe uma chamada de Clare para ir a sua casa: o irmão, Everett, sofreu uma overdose enquanto chutava para a veia. Ele chama o Dr. Loring. Quem costumava fornecer-lhe a droga era Nico e foi Everett quem o apresentou à irmã. O médico dá-lhe uma injeção e vai-se embora.
    No capítulo XVIII, Marlowe visita de novo o Cahuilla Club, na pessoa de Floyd Hanson, o dono, que lhe põe algo na bebida que o deixa inconsciente. Quando desperta, apercebe-se de que está amarrado a uma cadeira, com as mãos atrás das costas, guardado por um grupo de homens chefiado por Wilberforce Canning, um grande investidor imobiliário da região. No mesmo espaço e igualmente presos estão os dois mexicanos que raptaram e assassinaram Lynn. Um deles encontra-se já morto. Por outro lado, ficamos a saber que Canning é pai de Nico e Lynn e quer saber o motivo por que Marlowe procura o filho. O detetive é torturado (a sua cabeça é enfiada na piscina duas vezes) para confessar o que sabe sobre todo o caso, mas, como nada diz, deduz que terá o mesmo destino dos mexicanos, por isso consegue desequilibrar um dos homens que o segura e retirar a arma com que Hanson o ameaça (este não tem coragem para disparar). Depois, obriga os bandidos a entrar na piscina até à parte mais funda e foge do local, ainda grogue pela droga com que foi posto inconsciente. Pouco depois, pára o carro junto a uma cabina telefónica e liga para a polícia. Esta prende os facínoras todos, à exceção de Canning, que consegue fugir, apanhando um avião rumo a Toronto.
    De noite, Marlowe recebe uma chamada de Bernie, comunicando-lhe que Floyd Hanson se havia enforcado na prisão. Uma segunda chamada acontece, passada uma semana sem novidades. Do outro lado da linha telefónica está Nico Peterson. O encontro entre ambos tem lugar num local público. Nico pede-lhe que entregue a Lou Hendricks uma mala contendo dez quilos de heroína, enviada do México por um traficante chamado Mendy Menendez. Este costumava enviar uma encomenda do género a cada dois meses e Hendricks tratava da distribuição da droga. Nico era o correio. O seu aspeto e o seu caráter confirmam aa suspeitas do detetive de que, na verdade, Clare nunca tinha sido amante do traficante. Nico tinha decidido reter o produto e fazer o negócio com outra pessoa, só que não resultara, porque a pessoa em questão tinha sido assassinada pela esposa depois de esta o ter surpreendido com uma amante.
    A confissão acontece: Nico frequentava o clube de Hanson, dado que o chantageava depois de, enquanto homossexual, o ter tentado seduzir quando o irmão de Lynn era jovem. Os dois fingiram a morte do próprio Nico: vestiram um vagabundo que trabalhava no clube de Hanson com as roupas de Nico, depois de o primeiro o ter provavelmente assassinado, ou o indivíduo ter morrido de  causas naturais, e levaram-no para a estrada num carrinho de mão. Previamente, ele combinara com a irmã identificar o corpo como sendo o seu. Antes de se separarem e depois de Marlowe aceitar entregar a mala a Hendricks, Nico confirma que nunca se envolveu romanticamente com Clare, que ela se situa num estrato bem superior ao seu e que jamais olharia para ele de forma sentimental.
    Marlowe telefona a Bernie Ohls e sintetiza-lhe os últimos acontecimentos (a existência de Peterson enquanto mula de droga de Menéndez, a ideia de aquele guardar um carregamento para si e o vender a italianos, a não concretização do plano, a fuga de Hendricks), acrescentando que lhe enviou a chave do cacifo onde guardou a mala com heroína pelo correio.
    A pedido do detetive, este e Clare encontram-se na casa dela. Lá, encontra-se também Terry Lennox, um velho conhecido de Marlowe e o verdadeiro amante de Clare, cuja mulher tinha sido assassinada anos antes, o que levou à sua fuga para o México (havia suspeitas de que tinha sido ele a assassiná-la), onde forjou o seu suicídio e se sujeitou a uma intervenção cirúrgica de alteração do rosto. Em todo o processo, foi auxiliado por Menéndez e Randy Starr, um sujeito que estivera com eles na guerra, bem como pelo próprio detetive. Na realidade, Terry chamava-se Paul Marson e era natural de Montreal, não de Salt Lake City.
    Terry instruiu Clare para se encontrar com Marlowe em nome de Menéndez, para procurar Nico. O envolvimento físico pode ter resultado de uma opção da mulher para convencer o detetive a prosseguir a investigação ou de uma vontade autêntica de se envolver com ele. Por sua vez, o mexicano enviou os dois assassinos com a mesma finalidade. Pelo caminho, fizeram Lynn como vítima. Entretanto, entra na sala Everett. Ao reconhecer Terry, identifica-o como o culpado pela sua iniciação no vício da heroína e aponta-lhe uma arma. Quando aquele reage e lhe tenta arremessar um cinzeiro, Rett dispara e atinge-o mortalmente na testa.
    Marlowe liga a Joe Green, outro agente da lei. Este prende Everett, enquanto Clare amaldiçoa o irmão e chora a morte do seu amado. O detetive privado, que, afinal, não chegou a ser pago, paga o preço de se ter apaixonado por ela, enquanto reflete sobre o Terry Lennox que conhecera no passado, um homem bom e generoso, e a transformação que nele se operara.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Terra do Pecado, de José Saramago

     Terra do Pecado foi a primeira obra de José Saramago, publicada em 1947. Não era suposto o livro ter este título, mas sim A Viúva, o qual foi rejeitado pelo editor, algo que desagradou ao escritor.
    A narrativa tem como protagonista Maria Leonor, uma mulher viúva, mãe de duas crianças, que se vê a braços, subitamente, com o processo de luto pela morte do marido, com as dificuldades de gerir a sua casa, administrar a propriedade, a vida e a educação dos filhos e as suas relações sociais, além de ter de lidar com as saudades do marido e com as expectativas da sociedade relativamente ao seu novo estado civil (de viuvez).
    Maria Leonor é uma mulher frágil, que apenas desempenhou os papéis que lhe cabiam socialmente: filha, esposa e mãe. Assim sendo, o seu universo limitava-se à casa da propriedade rural em que vivia, cuidando dos filhos e do marido, supervisionando os empregados e dedicando-se aos seus bordados e à leitura. Quando o esposo morre, ela não suporta a perda e adoece, sobretudo por causa dos seus nervos frágeis e abalados pelos acontecimentos. O tempo passa e a atividade da quinta fica em suspenso, até que questões urgentes de caráter prático a forçam a sair da cama e a assumir as suas responsabilidades de proprietário rural.
    Apesar das várias recaídas que vai sofrendo, consegue restabelecer a ordem na casa e evolui como administradora da propriedade, no entanto interiormente continua a ser afetado pela falta do marido e por se aperceber de algo que era considerado socialmente um pecado muito grande: ela continuava viva. De facto, de acordo com os costumes da sociedade em que existia, a viúva deveria morrer com o marido, mesmo que continuasse a existir fisicamente, ou seja, não poderia voltar a sorrir ou seguir com a sua vida, muito menos considerar a hipótese de se envolver romanticamente com outro homem. Mas é isso exatamente que Maria Leonor vai fazer. Observe-se que ainda hoje se encontram mulheres que viuvavam há anos ou décadas, se vestiam de preto e assim viveram para sempre. Voltando à protagonista, de facto, estabelece uma relação com dois homens: o cunhado e um médico próximo da família: o doutor Viegas.
    Daqui decorre uma estranha e complicada relação com Benedita, a sua empregada de confiança, que a condena pelo que acredita ser a fraqueza e o desrespeito de Maria Leonor para com a memória do marido. Com efeito, Benedita tem um sentimento quase de posse em relação à patroa, intrometendo-se por vezes de forma quase ofensiva e denegridora da protagonista.
    Contudo, a obra gira, sobretudo, em torno do sentimento de culpa da própria Maria Leonor, em relação às suas ações e comportamentos, bem como aos desejos e pensamentos. É também por isso, além da pressão social, que a vemos esgueirar-se pelas sombras da própria casa, receando os olhares e o julgamento dos empregados, inventando as mentiras mais escabrosas que acabam por destruir a vida de pessoas inocentes só para manter a sua reputação e não ser alvo de comentários e coscuvilhice, que inevitavelmente a atingiriam, bem como aos filhos e aos negócios. Valha a verdade, porém, que nem toda a sociedade a julga e exige dela que seja uma morta em vida. De facto, se Benedita condena as suas ações e a desrespeita, há outras personagens que procuram compreender e defender as atitudes de Maria Leonor, apesar de as considerarem perniciosas.
    No fundo, a obra procura retratar um Portugal da época, centrando a ação numa pequena localidade do país, habitada por uma população profundamente católica e conservadora que oprime os outros com as regras sociais que vigoram.
    Esta primeira obra de Saramago difere das que o consagraram por causa das questões formais, nomeadamente a ausência de pontuação e de digressões, todavia são já visíveis alguns dos temas que caracterizarão os seus textos, como, por exemplo, a crítica religiosa, a partir do confronto entre o caráter beato de Benedita e a presença constante o padre local e os comentários céticos e algo sarcásticos do doutor Viegas.
    

sábado, 14 de novembro de 2020

Ação / Enredo / Resumo de Madame Bovary

      Madame Bovary começa quando Charles Bovary é ainda um menino, incapaz de se encaixar na sua nova escola e ridicularizado pelos seus novos colegas. Quando criança, e mais tarde quando se torna um jovem adulto, Charles é medíocre e enfadonho. Assim, reprova no seu primeiro exame de Medicina e mal consegue tornar-se um médico rural de segunda categoria. Sua mãe casa-o com uma viúva que morre logo depois, deixando a Charles muito menos dinheiro do que ele esperava.
Pouco depois apaixona-se por Emma, filha de um paciente seu, e os dois decidem unir-se pelo matrimónio. Após um casamento requintado, estabeleceram-se em Tostes, onde Charles possui o seu consultório, no entanto o matrimónio não corresponde às expectativas românticas de Emma. Desde que viveu num convento, ainda jovem, sonha com o amor e o casamento como solução para todos os seus problemas. Depois de assistir a um baile extravagante na casa de um nobre rico, ela começa a sonhar constantemente com uma vida mais sofisticada. Por outro lado, sente-se entediada e deprimida quando compara as suas fantasias à realidade monótona da vida na aldeia e, por fim, a sua apatia deixa-a doente. Quando Emma fica grávida, Charles decide mudar-se para uma cidade diferente na esperança de a esposa recuperar a sua saúde.
Na nova cidade de Yonville, os Bovary conhecem Homais, o farmacêutico da cidade, um fanfarrão pomposo que adora ouvir-se falar. Emma também conhece Leon, um escrivão que, como ela, está entediado com a vida rural e adora evadir-se dessa existência através dos romances que lê. Emma dá à luz a sua filha Berthe, mas a maternidade dececiona-a, pois desejava um filho, e continua desanimada. Entretanto, sentimentos românticos florescem entre Emma e Leon. No entanto, quando ela percebe que o rapaz a ama, sente-se culpada e dedica-se ao papel de uma esposa obediente. Leon cansa-se de esperar e, acreditando que nunca poderá possuí-la, parte para Patis para estudar Direito, partida essa que deixa Emma muito infeliz.
Algum tempo depois, numa feira agrícola, um vizinho rico chamado Rodolphe, que se sente atraído pela beleza de Emma, declara-lhe o seu amor, acabando por a seduzir. Deste modo, envolvem-se num caso amoroso. Emma é indiscreta nestes amores, e todos os habitantes da cidade coscuvilham sobre ela. Charles, porém, não suspeita de nada. A sua adoração pela esposa e a sua estupidez conjugam-se para o cegar relativamente às indiscrições dela. Por sua vez, a sua reputação profissional sofre um duro revés quando ele e Homais executam uma técnica cirúrgica experimental para tratar um homem de pés tortos chamado Hipólito e acabam por se ver forçados a chamar outro médico para amputar a perna. Enojada com a incompetência do marido, Emma lança-se ainda mais apaixonadamente no seu caso com Rodolphe. Ela pede dinheiro emprestado para lhe comprar presentes e sugere que fujam juntos e levem a pequena Berthe com eles. Logo, porém, o cansado e mundano Rodolphe ficou entediado com os afetos exigentes de Emma, pelo que recusa os projetos de fuga e acaba mesmo por a deixar. Com o coração destroçado, Emma adoece e quase morre.
Depois de a esposa recuperar, Charles vê-se a braços com problemas financeiros por ter de pedir dinheiro emprestado para saldar as dívidas de Emma e pagar o seu tratamento. Mesmo assim, decide levá-la à ópera na cidade vizinha de Rouen. Lá, encontram Leon. Este encontro reacende a velha chama romântica entre ambos, e desta vez os dois envolvem-se num caso de amor. Enquanto Emma continua a escapulir-se para Rouen para se encontrar com o amante, simultaneamente endivida-se casa vez mais com o agiota Lheureux, que lhe empresta somas consideráveis a taxas de juros exageradas. Além disso, o seu comportamento descuidado relativamente ao caso amoroso extraconjugal é cada vez maior. Como resultado, em várias ocasiões, conhecidos seus quase descobrem a sua infidelidade.
Com o tempo, Emma fica entediada com Leon. Não sabendo como o abandonar, torna-se cada vez mais exigente. Enquanto isso, as suas dívidas acumulam-se. Eventualmente, Lheureux ordena a apreensão da propriedade de Emma para compensar a dívida que ela acumulou. Com medo que Charles descubra, tenta freneticamente arrecadar o dinheiro de que precisa, apelando para Leon e todos os empresários da cidade. Em desespero, tenta mesmo prostituir-se, oferecendo-se para se envolver de novo com Rodolphe se ele lhe der o dinheiro de que ela precisa. Todavia, ele recusa e, levada ao desespero, Emma suicida-se com arsénico, morrendo numa agonia horrível.
Durante algum tempo, Charles idealiza a memória da esposa, até que encontra as cartas que Rodolphe e Leon lhe enviaram, e é forçado a confrontar-se com a verdade. O viúvo acaba por morrer sozinho no seu jardim, e Berthe é enviada para trabalhar numa fábrica de algodão.
 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...