Português: 11/09/21

sábado, 11 de setembro de 2021

11 de setembro de 2021: 20 anos


 

Autárquicas 2021: os anais do Arlindo


 

Análise do poema "Ver claro"

             Este poema de Eugénio de Andrade centra-se na questão poética. Ele tem início com uma afirmação perentória: “Toda a poesia é luminosa” (v. 1). Quer isto dizer que a poesia contém a verdade que lhe é característica; o problema reside no facto de os sentimentos, as emoções ou os preconceitos do leitor (a metáfora “nevoeiro dentro de si”) o impedirem de “ver claro”, ou seja, de compreender o que lê.

            Há, porém, uma solução para essa incompreensão: o contacto contínuo com o texto poético, ideia traduzida pela reiteração “outra vez”. Esse contacto continuado com a composição poética, por causa da forma insistente como é feito, acabará por familiarizar o leitor com os processos característicos do texto poético, o que fará com que a poesia se torne clara (atente-se na expressividade da hipérbole “ficará cego de tanta claridade” – v. 10).

            Note-se, porém, que o alcançar dessa luminosidade é apresentado sob a forma de condição, traduzida pela oração subordinada adverbial condicional presente entre os versos 6 e 9. Assim sendo, não é certo que o leitor chegue mesmo à compreensão do texto; pelo menos, se não mantiver o tal contacto ativo e continuado com ele.

            Essa dúvida permanece no último verso do texto, através do qual o sujeito poético parece querer abençoar todo o leitor que “viu a luz, a luminosidade” da poesia: “Abençoado seja se lá chegar”.

            Tendo em conta esta análise, o título do texto torna-se ele próprio claro: apontará para uma definição de «poesia», dado que remete para o seu principal objetivo, que passa por observar sem constrições as ideias ou sentimentos expressos pelo sujeito poético.

Análise do poema "Salmo"

 
A vida

é o bago de uva

macerado

nos lagares do mundo

e aqui se diz

para proveito dos que vivem

que a dor

é vã

e o vinho breve.

 
            Este poema de Carlos de Oliveira tem como tema a reflexão sobre a vida e a sua brevidade e desenvolve-se com base em metáforas.

            De facto, a vida é associada a um “bago de uva” que, depois de “macerado / nos lagares do mundo”, se transforma em «vinho». Note-se que, neste contexto, o vinho simboliza a vivência humana, nomeadamente a sua brevidade, o seu caráter efémero.

            Por outro lado, o adjetivo «macerado» (v. 3) remete para a dor e o sofrimento, dado que o resultado da ação de macerar o bago de uva (a vida) é o seu esmagamento. Não obstante, “a dor / é vã / e o vinho / breve”, ou seja, a dor e o sofrimento são inúteis, visto que o resultado da maceração, ainda que aprazível (o vinho), é breve, não dura muito, graças à passagem veloz do tempo.

            Dado que o poema constitui uma reflexão sobre a vida, o tempo verbal predominante é o presente do indicativo, que, tendo em conta as ideias expressas no poema, traduz a importância que o agora, o presente assume.

            Relativamente ao poema, o nome «salmo» refere-se a um hino através do qual se enaltece ou engrandece algo; no entanto, neste poema, esse significado não se aplica. De facto, a composição constitui uma reflexão sobre a vida e a sua efemeridade, pelo que não se afigura como um livro de louvor, mas antes como um desabafo sobre a temática abordada.

Análise do poema "Testamento", de Alda Lara

 
Título do poema: um testamento é um documento jurídico que tem como função proceder à distribuição dos bens, da herança de uma pessoa após a sua morte. No caso da composição de Alda Lara, estamos na presença de um testamento poético, através do qual destina as suas «posses» e os seus sentimentos a pessoas amigas, como seria expectável, e outros a gente que o «eu» não conhece, mas o sujeito poético crê que precisam dele e/ou dos seus bens. Assim sendo, este testamento poético é, naturalmente, um testamento diferente.
 
Pessoas contempladas no testamento e bens distribuídos: o sujeito poético deixará os seus brincos de cristal à prostituta mais nova; o seu vestido de noiva à virgem esquecida; o seu rosário antigo ao amigo ateu; os seus livros aos homens humildes e analfabetos; os seus poemas ao homem amado, para que ele os ofereça às crianças que encontrar na rua.
 
Critério que preside à distribuição dos bens: o sujeito poético distribui aos seus «herdeiros» aquilo que ele imagina que lhes será útil ou lhes agradará. Por outro lado, os bens doados coincidem precisamente com aquilo que os contemplados não possuem e talvez desejem.
 
Expressividade da antítese: o poema é rico em recursos expressivos, nomeadamente em antíteses. As mais importantes são aquelas que contrapõem «mais nova» a «mais velho» e «bairro escuro» ao «cristal límpido». No primeiro caso, a poeta contrapõe a juventude da prostituta ao bairro velho, o que só faz ressaltar a característica da mulher; a segunda destaca a limpidez dos brincos, por oposição à escuridão do bairro. Por outro lado, as demais antíteses salientam aquela que é a base do poema: a oposição entre o que não se tem e aquilo que o sujeito poético distribui.
 
Caracterização dos poemas do sujeito poético: os poemas são de dois tipos – os «loucos», que exprimem sentimentos de dor sincera e desordenada, e os de esperança, desesperada, mas firme.
 
Fecho do poema: a última estrofe do texto faz referência às crianças, aos destinatários últimos das suas composições poéticas. Tendo em conta que estes são de dois tipos – um que exprime dor e outro que reflete esperança –, o sujeito poético pretende, precisamente, oferecer às crianças a esperança, na forma de poemas, às crianças de cada rua. Esta oferta simbolizaria a possibilidade de transformação do futuro.
 
Temática da solidariedade: ao elaborar o seu testamento, o sujeito poético identifica aquilo que crê ser a carência de cada pessoa e procura, com ele, precisamente diminuir ou colmatar essas falhas.

Autárquicas 2021: Andreia Piassab, a candidata pela limpeza


 

Análise de "Perfilados de medo"

             Este poema de Alexandre O’Neill está escrito na primeira pessoa do poema, remetendo assim para um universo alargado que inclui o sujeito poético, mas que está para além de si.

            Este «nós» vive num estado permanente de medo, desorientação e passividade, pois conformou-se com a situação, incapaz de reagir. Esse estado de espírito justifica-se pelo facto de haver forças que instilam o medo, o oprimem (“dentes oprimidos”) e perseguem (“pelo medo perseguido”).

            A primeira estrofe assenta na antítese entre medo e coragem. O «nós» apresenta-se «perfilado» de medo, contudo, ironicamente, agradece esse mesmo medo. Porquê? Esse sentimento pode ter um lado positivo, pois impedirá que se cometam atos corajosos de revolta, de insubordinação («loucura»), que poderiam acarretar consequências graves. Só deste modo se pode compreender o agradecimento pela existência do medo. Assim sendo, face ao medo, a coragem tem muito pouca valia.

            O oxímoro e a ironia do verso 4 são muito significativos: “e a vida sem viver é mais segura”. Estes recursos, por um lado, sugerem que a existência do «nós» é uma vida em que não lhe é permitido viver e ser livre; por outro lado, indiciam que uma existência sem decisões, sem riscos é mais segura para esse coletivo.

            A segunda estrofe veicula uma visão temporal tripartida: passado, presente e futuro. No presente, o nós, “Aventureiros já sem aventura”, combate fantasmas. Neste ato, procura recuperar um estado passado (“Aventureiros”, “do que fomos”) em que não vivia imerso no medo e pretende preparar um futuro em que viverá sem receio e com confiança e livre. Os “fantasmas” referidos no verso 7 simbolizam o medo sentido pelo «nós», mas, no verso 11, são o próprio «nós», ou seja, são as pessoas, pois não vivem a sua vida: o medo transformou-os em espectros que não têm existência consoante com o ser humano e os seus atos não têm consequências.

            Na terceira estrofe, o medo em silêncio, com angústia, transforma o «nós» em loucos, em fantasmas. Ele encontra-se “sem mais voz” e com o “coração nos dentes oprimido”. Ora, o coração é o espaço dos sentimentos e das emoções (a revolta, o desejo de liberdade, a coragem, etc.); estando «oprimido», tal significa que as pessoas estão silenciadas, não têm liberdade de expressão, não podem dizer o que sentem; assim sendo, de facto, não têm voz.

            A última estrofe apresenta o nós como um rebanho perseguido pelo medo, indiciando que se trata de um conjunto que perdeu a individualidade. Por outro lado, essas pessoas perderam o sentido da vida e, apesar de viverem em comunidade (“já vivemos tão juntos e tão sós”) cada um sente-se isolado.

            Outro recurso destacado no poema é a anáfora presente nos versos 1, 6 e 9 (“Perfilados de medo”), que reforça a ideia de que o «nós» vive «sem viver», devido ao medo; vive de forma mecânica, devido ao medo; vive-se a vida em silêncio, sem questionar a realidade que se «vive», devido ao medo. Em suma, as pessoas não vivem plenamente, devido (sempre) ao medo.

            A compreensão da mensagem do poema não pode ser desconectada do contexto em que foi produzido. Com efeito, ele surgiu pela primeira vez na obra Poemas com Endereço, publicada em 1962, isto é, em pleno regime ditatorial de Salazar – o Estado Novo, caracterizado por um ambiente de medo, perseguição e opressão que se abateu sobre o povo português, que viveu décadas sem liberdade, em constante medo e oprimido pelo tal regime.

            Em suma, o texto revela a oposição do poeta a uma forma de estar medrosa por parte dos portugueses, por isso podemos considerar que se trata de um panfleto contra o espírito conformado dos portugueses, que O’Neill abomina.

            Formalmente, o poema é um soneto constituído por 2 quadras e 2 tercetos, num total de 14 versos, todos decassilábicos. A rima é cruzada e emparelhada (de acordo com o esquema abab / baba / cdc / dcd), consoante (“loucura”/”segura”), pobre (“combatemos”/”seremos”) e rica (“voz”/”nós”).

Análise de "O seu santo nome"

             O título do poema remete para a Bíblia, que, em determinado passo, adverte o crente para não invocar o santo nome de Deus em vão.

            Neste caso, o «santo nome» em causa refere-se ao amor, apresentado como tão divino quanto o símbolo do sagrado. Assim sendo, não deve ser pronunciado em vão.

            Toda a composição poética assenta na anáfora, uma anáfora de carácter negativo. De facto, o advérbio de negação que está presente nos versos 1, 2, 3, 4, 5 e 8 estrutura esta espécie de lição sobre o amor em termos negativos, dado que o sujeito poético enumera um conjunto de atitudes que não devem ser tomadas face ao sentimento amoroso, para que o leitor aprenda o comportamento «correto» a adotar face ao amor.

            O primeiro verso do texto sugere, desde logo, tratar-se de uma palavra sagrada, daí ser necessário ter respeito por ela: “Não facilite com a palavra amor”. De seguida, o «eu» poético sugere que é perigosa, fugidia no que diz respeito ao seu significado, podendo mesmo gerar ambiguidade e complicações para quem a emprega. Mais do que usar de forma leviana a palavra «amor», o sujeito lírico defende claramente que, antes, se deve conhecer o seu valor, ou seja, deve saber-se primeiramente sentir aquilo para que ela remete.

            Note-se que a negação presente no poema é totalmente irónica. De facto, o «eu» adverte o leitor/tu sobre os perigos do amor, mas acaba por incitar à sua procura, no contexto de um mundo sem sentido e insensível. Neste seguimento, o último verso aponta para a necessidade de sentir. O santo nome do amor não deve ser pronunciado, mas, antes, sentir-se.

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