Dizeres íntimos
O título da composição aponta
para a ideia de que se trata de uma confissão do «eu» poético (onde ele revela
as suas inquietações e pensamentos dolorosos ao refletir sobre a morte), o que
parece ser confirmado pelo uso da primeira pessoa, quer nas formas verbais
(“vou”), quer nos determinantes (“minha”).
O primeiro verso traduz a tristeza
do sujeito lírico pela sua morte, sobretudo, deduz-se, numa idade jovem: “É tão
triste morrer na minha idade” (v. 1). Assim sendo, o poema coloca-nos, desde
já, perante a ideia da morte como algo triste.
Os versos seguintes parecem esboçar
uma imagem do estado físico de uma pessoa morta, como, por exemplo, o redor dos
olhos roxos. A aliteração do /s/ produz uma sonoridade apropriada para a
expressão de estados de alma caracterizados por sentimentos como a tristeza, a
dor e a angústia, motivados pela morte. Por seu turno, a assonância da vogal
/i/, associada ao diminutivo “inho”, reproduz um tom agudo que sugere a imagem
sonora de um grito fino e dolorido que vai crescendo à medida que o sujeito
poético pensa na morte e no abandonar o usufruto da vida.
Pela leitura da primeira estrofe,
fica claro que a morte, para o sujeito poético, é um evento triste, já que
significa o fim da vida. Desta forma, o «eu» ironiza a morte, desde logo porque
não é possível evitá-la, o que o leva a procurar camuflar o medo de morrer,
dado que, ao mesmo tempo que demonstra angústia ao referir-se-lhe, parece
ironizar e brincar com a morte, como se depreende do uso da expressão “E vou
ver” (v. 2), a qual sugere um momento de reflexão.
Os versos 3 e 4, embora contenham
vocabulário do domínio do religioso (“crentes”, “convento”), não querem dizer
que o sujeito poético seja religioso, antes pretendem traduzir uma atitude
solene e compungida, representada pela imagem do “convento da Saudade” (v. 4).
A referência à cor roxa e o adjetivo “soturno”, juntamente com as vogais
fechadas /u/ e /o/ traduzem o tom melancólico e fúnebre que domina a primeira
estrofe. Deste modo, o «eu» expressa o medo que a ideia de morte lhe traz, pois
a qualquer momento a vida pode extinguir-se e a matéria transformar-se em nada,
em pó. Imaginar a própria morte é um gesto assustador e angustiante por várias
razões, incluindo o facto de ela não ser apenas uma possibilidade, mas uma
certeza.
A segunda quadra abre com a conjunção
coordenativa copulativa «e», o que traduz uma ideia de sequência, ou seja, a
tristeza expressa na primeira estrofe expande-se nesta e manifesta-se sob a
forma de outro sentimento: a ansiedade [“E logo vou olhar (com que
ansiedade!...)”]. O ato de olhar contém em si o sentimento de ansiedade
anunciado dentro dos parênteses.
Após o discurso parentético, o «eu»
prossegue a descrição do estado cadavérico, focando-se nas suas mãos, “esguias”
e “languescentes”, isto é, moles, fracas, sem vitalidade e pálidas. A repetição
da conjunção coordenativa copulativa «e» ao longo de versos vários sugere a
gradação com que a morte se vai apossando do corpo: inicialmente, pintam os
olhos de roxo; depois, empalidece e enfraquece as mãos; a seguir, no verso 7, os dedos brancos.
Nos versos 7 e 8, o «eu» estabelece
uma analogia entre os bebés doentes e ele mesmo, sugerindo a sua, dele, morte
prematura, enquanto o primeiro terceto se inicia com uma tonalidade mais
positiva, tendo em conta o vocábulo “Paraíso” no verso 9, dado que, em termos
religiosos, ele simboliza o espaço para onde o espírito vai após a morte, sendo
considerado um ambiente calmo, iluminado, pacífico. Ora, é exatamente essa
sugestão de paz que este terceto introduz no soneto, como se o sujeito poético
fosse gradualmente acalmando e a sua angústia, trazida pelos pensamentos na
morte, vai desaparecendo aos poucos.
Por outro lado, não obstante o
Paraíso ser associado à morte, neste caso parece estar mais relacionado com a
vida. Aqui, entra em cena a imagem da “estrada larga, ao sol, florida”: a
estrada larga é o futuro pela frente; “florida” é a flor da idade, a juventude;
o sol representa a plenitude da vida. Em suma, a imagem enfatiza a felicidade
trazida pela esperança representada pela estrada larga e florida que é a
juventude.
O último terceto precisa a idade do
«eu»: vinte e três anos. Os parênteses e a exclamação traduzem, mais uma vez, a
tristeza que sente de morrer na sua idade, tendo toda a vida pela frente. Ou
seja, apesar de exalar vida com vinte e três anos, sabe que a morte é
inevitável. Neste contexto, as reticências enfatizam a valorização da vida e a
vontade de viver.
O soneto termina de forma irónica: “Dizem
baixinho a rir: / Que linda a vida!...”. As repetições da vogal /i/ causam a impressão
de uma risadinha fina, sarcástica dos seus “vinte e três anos”. A ironia maior
reside no verso 14, traduzindo a dor causada pela morte: “Responde a minha
dor:/ Que linda a cova!”. É interessante registar que as antíteses “rir”/”dor”
e “vida”/”cova” parecem sugerir que, embora o senso comum se entristeça com a
ideia da morte em idade jovem, ela também determina o fim da dor. O nome “cova”
representa precisamente a morte, mas uma morte que se torna um alívio, pois o
sofrimento, a dor, a angústia terminam.